Os textos que Miguel Torga escreveu nos seus diários, em 1948, estão actuais como nos demonstram os factos com que estamos confrontados, a nível concelhio, nacional e internacional, isto é, situações semelhantes aos descritos pelo autor aconteceram e estão a acontecer no concelho de Rio Maior, no País e no Planeta. Como, por exemplo:
as pessoas que vivem em Casais Monizes, foram sujeitas a: "estrada ou saneamento básico"; e, quando as autarquias se apoderaram dos baldios e teimam em não largar mão deles, obrigando a assembleia de compartes a recorrer ao poder judicial e a sujeitar-se a processos que se arrastam em tribunal, esbanjando o dinheiro das pessoas que pagam impostos. Sim, as multinacionais não pagam, nem sequer o IMI e o IMT...
«Coimbra, 8 de Janeiro de 1948 - Há horas em que eu comparo um tirano a um agricultor que plantasse uma árvore seca e teimasse em esperar que ela desse rebentos.
Coimbra, 10 de Janeiro de 1948 - A tolice de qualquer tirano é não reparar em que só governa os mortos do seu tempo. Os homens que venceu, e por isso matou. Porque os vivos, as sucessivas camadas que vão nascendo e crescendo, essas são-lhe estranhas como se habitassem num outro mundo. Para elas, todas as leis feitas são letra morta. Elas é que hão-de fazer as suas leis.
Coimbra, 26 de Fevereiro de 1948 - Tanto jornal, tanta rádio, tanta agência de informações, e nunca a humanidade viveu tão às cegas. Cada hora que passa é um enigma camuflado por mil explicações. A verdade, agora, é uma espécie de sombra da mentira. E como qualquer de nós procura quase sempre apenas o concreto, cada coisa que toca deixa-lhe nas mãos o simples negativo da sua realidade.
Castro Laboreiro, 24 de Agosto de 1948 Estas pequenas comunidades que nos restam, Rio de Onor, Vilarinho da Furna, Laboreiro, etc., estão na última agonia. O Estado já não as pode tolerar, alheias à vida da nação, estrangeiras dentro do próprio território. Por isso manda-lhes ao coração o golpe de uma estrda e a isca da caminheta dum sardinheiro. E assim, um a um se vão apagando estes pequenos enclaves, não digo de paradisíaca felicidade, mas de humana e natural liberdade. Uma vida social assim, apenas acrescida de ciência e cultura, seria ideal. Antes de mais, o homem começou aqui por formar uma consciência cívica e fraterna, fundada em amor, e fez depois as reformas consoantes. Mas parece que se resolveu matar primeiro o homem e a sua harmonia espontânea, e construir então sobre cadáveres o futuro.»
Em: Miguel Torga, Diário (Volumes I a IV), Círculo de Leitores, 2001, pp. 361/2 e 364.