quarta-feira, 28 de setembro de 2022

NÃO ÀS MINAS. SIM À VIDA.

 

Estamos solidários com a iniciativa levada a cabo pelos Amigos de la Tierra e Ecologistas en Acción, porque este modelo extrativista está a levar a humanidade para a catástrofe. Por isso, divulgamos, abaixo, o texto que nos foi enviado e o cartaz/programa com o que se vai realizar nos dias 18, 19 e 20, em Sevilha, contra a mineração e apresentação de alternativas e novos modos de nos relacionarmos com o planeta.


«Por ocasião da Exposição Mineira Internacional em Sevilha, que terá lugar nos dias 18, 19 e 20 de outubro, a sociedade civil agendou um Contra-Salão para mostrar a nossa rejeição deste desastroso modelo de extração com graves impactos sociais e ambientais.

Promover novamente a exploração mineira significa apoiar a devastação ecológica, omitir o direito dos povos a decidirem sobre os seus territórios e a manutenção da extração e utilização excessiva dos recursos naturais; um ataque aos ecossistemas e um acelerador da crise climática.

Este evento carece de lógica quando o caminho a seguir a nível global e local é proteger os nossos territórios e a sua população. É essencial repensar o nosso modelo de produção e consumo e avançar para a redução,
reutilização e reciclagem.

Não podemos falar em abrir novas minas enquanto continuamos a apostar num modelo consumista insustentável, e quando ainda não estabelecemos os canais para obter o máximo de potencial dos materiais que já temos. Precisamos de um sistema económico que tribute a vida e o bem comum e limite a produção e o consumo de recursos naturais.

Temos de agir e parar a extração de mineração! Junta-te ao Contra-Salão
mineiro!»

terça-feira, 20 de setembro de 2022

O Testamento de um burro aos seus inimigos

Os «Motes» são cantigas de mal-dizer que, durante séculos, os rapazes faziam às raparigas solteiras na aldeia de Covas de Barroso e, mais tarde, também as raparigas faziam aos rapazes durante o Carnaval. Eram críticas irreverentes e bem-observadas ao comportamento e carácter de uns e outros, com linguagem propositadamente satírica. Estes motes, no entanto, são uma expressão de profunda indignação. Estes são alguns excertos das «talhadas» dadas no enterro do burro, na manifestação contra as minas em Boticas, que encerrou o Acampamento em defesa das Covas do Barroso.

A Savannah é uma peste
que se instalou no Barroso
Ataca tudo o que mexe
desde o mais velho ao
mais novo

É bem pior do que a praga
ou febre que dá e passa
É como o bicho dos pinheiros
ou o míldio da batata

E a quem bater à porta
essa febre ou maldição
é rezar-lhe pela alma
e encomendar-lhe um caixão

Em tudo ela é igual
ou pior que a peste negra
que se pegava pelos ratos
esta pelos ratos da empresa

E desses há-os às dúzias
temo-los na empresa
aos trambolhões
Essa espécie de ratisse
não são ratos são leirões

Se vos atestam o depósito
ou dão jeito ao telhado
isso tem sempre um propósito
é presente envenenado

Há uma segunda intenção
De graça ninguém vos serve
Olhai que quem meren-
das come
sabeis bem, merendas deve

Estes que vós ali vedes [apontam
ao burro]
teso como um carapau
também lhes foi na cantiga
e hoje é o seu funeral

De que morreu não sei
mas tenho a firme certeza
ser obra de bolo-rei
oferecido pela empresa

Outros culpam o padeiro
mas sem provas não se pode
Que se enganou na farinha
E o matou de overdose

Tem sempre desculpa a morte
mas seja lá como for
desta tropa minha gente
quanto mais longe melhor

Quantos de vós acreditam
em histórias da carochinha
Que o futuro do Barroso
é em cada canto uma mina

Têm para vender essa banha
meia dúzia de lambe-cús
espalhados por todo o lado
estão ali dentro alguns [apon-
tam para a sede da Savannah]

E querem fazer passar
por parvos
um povo inteiro
Comprando aquilo que é nosso
Pagando com o nosso dinheiro

E mentem ao afirmar
que foram por nós aceites
como se fosse possível
misturar água e azeite

Prometem mundos e fundos
mas a mim quer-me parecer
que a esmola que mata o pobre
é melhor nunca aparecer

Vamos-lhes dar a talhada
com esta exigência do povo
Ide comer aos quintos
dos infernos
Bem longe do nosso Barroso

(...)

Barroso, diz Galamba
não é bem o que se supunha
a última vez que lá fui
vim de lá com os socos na unha
[expressão que significa fugir]

Para que foste cagar lérias
onde não foste chamado
Quiseste ir buscar lã
vieste de lá tosquiado

Quem quer ir dar eleições
como tu em terra estranha
foge com o rabo entre as pernas
e vem com uma carga de lenha

Mas como recordação
e a intenção é que conta
Levas o piroco do burro
põe-lhe um brinquinho
na ponta

O Costa é quem governa
mas tenho cá na ideia
que ele só faz o que manda
a Comunidade Europeia

Mandar na casa dos outros
isso é que era bonito
Se o Costa baixa as calças
O povo faz-lhe um manguito

Mas é bem mandado o António
que faz tudo sem resmungar
A única pergunta que faz
é onde falta assinar

Levas no olho do cú
Toma lá que te dou eu
agora já podes fazer favores
com aquilo que é teu

O presidente Marcelo
esse nem é boi nem vaca
A tudo ele diz que sim
faça o governo o que faça

É sempre tão falador
com opinião sobre tudo
Quando se fala de minas
não dá pio, fica mudo

Para ter postura diferente
levas a cabeça do burro
Acena-lhe com as orelhas
não digas amém a tudo

No Ministério do Ambiente
a corja anda calada
É de desconfiar minha gente
que vem foda ou canelada

E temos novo ministro
mas cuidado com o artista
Está sempre de pé atrás
o gajo é malabarista
 
Saiu um, entra outro igual
É sempre o mesmo retrato
É tudo a mesma ganga
farinha do mesmo saco
 
Vão levar os intestinos
É o que o Ministério quer
que os deles estão todos rotos
de tanta merda fazer
 
O Plano de resiliência
é uma medida bonita
O rico fica mais rico
e o pobre mais pobre fica
 
É sempre a mesma panelinha
os que mamam o dinheiro
São os que têm bons padrinhos
ou amigos no poleiro
 
Todos de olhos na bazuca
vem aí nota à fartura
parecem os porcos na pia
à espera da lavadura
 
Com apetite tamanho
qualquer coisa os satisfaz
levem os figos que deixou
o burro a cagar para trás
 
Diz-se independente a APA
mas não tem sido capaz
Tudo o que o governo diz
para fazer
a APA faz
 
estudos para inglês ver
o governo manda assinar
Relatórios para ceguinhos
e a APA é só carimbar

Para assinarem de cruz
pode ser que esteja errado
mas que foram fazer à escola
de que valeu terem estudado
 
O tempo que lá passaram
era mais aproveitado
atrás de um rebanho de cabras
tiravam mais resultado
 
Mas se fizéreis vista grossa
e são outros quem decide
a culpa cai sobre vós
deste povo que aqui vive
 
O burro dá-vos as patas
É um favor que vos faz
Dai-lhe um coice no focinho
Fazei-os afastar para trás
 
Os empregos disponíveis
para o povo da região
é trabalho de limpezas
vassoura, balde e esfregão
 
E trazem-nos nas palminhas
Enchem-nos de mordomias
Mas escorraçam-nos como cães
Ao não terem a serventia
 
Levais os olhos do burro
e um conselho vos é dado
Olhai por quem dos teus
se aparta
Pelos estranhos é escornado
 
O presidemte de Montalegre
tem um bigode bonito
tem parecenças com
um vassoiro
Desses de varrer os penicos 

Se for maior o bigode
o Orlando não é capaz
de varrer por mais que queira
a merda toda que faz

De manhã é contra as minhas
À tarde é a favor
E meia palavra basta
para bom entendedor

E diz para trás, diz para a frente
Se é pedra diz que é pau
Orlando muda de lentes
andas a ver muito mal

Levas os miolos do burro
e a ti vem-te a calhar bem
Ficas mais inteligente
e não fazes mal a ninguém
 
Nos jornais e televisões
pintam-nos como uns tolinhos
que vivem atrás dos torgos
somos uns atrasadinhos
 
Mas depois abrem os jornais
A falar de seca extrema
E sem querer dão-nos razão
Nesta luta que travamos
 
Os motes chegaram ao fim
e há uma lição a tirar
Para não acabarmos como
o burro
assim de papo para o ar
 
Antes de lhe dardes entrada
lembrai-vos bem da toupeira
trocou os olhos pelo rabo
e viveu cega a vida inteira

E não os julgueis inocentes
que sabem o que é que fazem
e o mal que iriam causar
caso as minas avançassem

Mas isto não lhes tira o sono
A ganância trá-los cegos
Se não os corrermos daqui
Fazem-nos a vida num inferno

E depois do mal estar feito
não adianta chorar
O burro morto cevada ao
rabo [provérbio]
como é costume falar

Fazendo da minha voz
a voz de todo o Barroso
as minas não passarão
e quem manda é  povo

Transcrito de: MAPA / JORNAL DE INFORMAÇÃO CRÍTICA / SETEMBRO-NOVEMBRO 2022

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Greve Climática 23 de Setembro: Fim ao Fóssil

Encontramo-nos à beira do colapso civilizacional.

Vemos os efeitos devastadores da crise climática diariamente. Os anos que vivemos são determinantes para lutar contra esta crise, ficando abaixo dos 1.5ºC de aquecimento global. O custo da inação é o fim da civilização como a conhecemos hoje e mesmo sabendo isto, o sistema atual leva-nos irresponsavelmente para o colapso, tendo apenas o lucro, e não a vida, como motor das suas decisões.

O pilar deste sistema é a indústria fóssil.

A única forma de impedir o aumento de temperatura e alcançar a neutralidade carbónica até 2030 é acabar com os fósseis. A única forma de salvaguardar o nosso futuro é através de uma transição energética justa urgentemente.

Temos barões do fóssil no governo português.

Nenhuma medida está a ser tomada para cortar emissões. Os governantes que deveriam estar a direcionar esta mudança lucram com a inação e destruição, começando pelo atual ministro da Economia e do Mar e Ex CEO da Partex Oil and Gas: António Costa e Silva, que abertamente incentivou as empresas a apresentarem novos projetos de exploração de gás.

Vamos destruir a economia fóssil e exigir o futuro a que temos direito!

No dia 23 de setembro sairemos às ruas para condenar a inação política e denunciar os projetos suicidas do governo. Não toleraremos novos projetos que aumentem emissões, nem em território nacional, nem em lado nenhum. Exigimos um plano de transição justa que nenhum governo, atual ou vindouro, possa revogar.

Partimos às 11h da Praça José Fontana, em frente ao Liceu Camões, e vamos marchar até ao ministério da economia, onde mostraremos que é possível destruir uma economia baseada nos combustíveis fosseis e construir um futuro livre de exploração.

Não vamos baixar os braços, vamos ocupar.

Desde 2019 que fazemos greves e aprendemos a nossa lição: precisamos de nos manifestar, mas temos de fazer mais do que faltar pontualmente às aulas e marchar. Não há tempo a perder, e com o escalamento visível da crise climática, escalamos também na nossa resposta. A partir de dia 7 de Novembro vamos ocupar as nossas escolas e universidades até que as nossas reivindicações pelo fim aos combustíveis fósseis até 2030 e pelo fim aos fósseis no governo sejam atendidas.

domingo, 11 de setembro de 2022

Portugal em Chamas - Como Resgatar as Florestas, João Camargo e Paulo Pimenta de Castro

Eucaliptos Crise Climática Abandono / Despovoamento FOGO

 

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

Portugal está no Mediterrâneo, um hotspot de alterações climáticas, o que significa que a crise climática aqui se manifesta com maior intensidade do que a média global. Um aumento de 1,5oC à escala global significa mais 3oC aqui. Estamos num zona que tenderá a arder ainda mais do que agora. No entanto, Portugal arde mais do que os outros países mediterrânicos. 

Mitos INCENDIÁRIOS 

Portugal está perfeitamente dentro da média dos outros países. Entre 20 e 30% dos incêndios no país são propositadamente iniciados, são fogos postos. Na Grécia os fogos postos estão entre 25 e 29%. Na Catalunha são 25%. Insistir no mito dos incendiários só serve para esconder o único factor que explica o facto de Portugal ser o país que mais arde na Europa e no Mediterrâneo: ter enormes manchas de floresta abandonada e composta principalmente por eucalipto, que se beneficia de incêndios. 

O MODELO DE NEGÓCIO DAS CELULOSES 

Portugal, apesar da sua área pequena, é um abastecedor gigante de papel, em particular para os países europeus. A The Navigator Company é a maior produtora de papel de impressão e de escrita da Europa e a sexta maior produtora do mundo. A Altri também é uma grande produtora. Apesar da sua área pequena, 10% do território nacional está dedicado a esta cultura de exportação, que empobrece solos, esgota águas e favorece incêndios, rumo à desertificação. Para que este modelo de negócio se tornasse rentável, foi necessária uma política pública que degradasse o valor dos terrenos e os tornasse tão pouco rentáveis que parecesse uma boa ideia simplesmente lá plantar eucaliptos (fornecidos pelas celuloses) e nove anos depois as celuloses ou seus empreiteiros simplesmente lá irem buscar as árvores. Os sucessivos governos, em particular a partir de metade dos anos 80 construíram esta legislação, que favoreceu um interior abandonado e perigoso, barato e mesmo à porta do Centro da Europa, poupando em transportes e em investimentos com os solos (as celuloses só possuem 110 mil hectares e arrendam mais 80 mil, mas usam a matéria-prima de uma área até 5 vezes maior do que essa. Portugal é um enorme estaleiro desta indústria e arca com todos os perigos e destruição da mesma. 

O MODELO DE NEGÓCIO DAS CELULOSES 

Entre as figuras políticas mais evidentes na construção deste estado de coisas estão: - Álvaro Barreto (Ministro da Indústria e Energia; Ministro da Agricultura; CEO da Portucel-Soporcel, Administrador da Portucel) - António Nogueira Leite (Diretor da Portucel-Soporcel; Secretário de Estado Finanças) - Daniel Bessa (Ministro da Economia; Administrador da Celbi) - Francisco Pinto Balsemão (Primeiro-Ministro, Administrador da Celbi durante 26 anos) - Joaquim Ferreira do Amaral (Ministro das Obras Pùblicas, do Comércio e Turismo, etc., Administrador da Semapa e Inapa) - Luís Todo-Bom (Secretário de Estado da Indústria e Energia, Administrador Caima, Presidente Conselho Fiscal Portucel-Soporcel). Neste momento, as celuloses estão também a aproveitar todos os fundos disponíveis para o combate às alterações climáticas para queimar madeira como energia "renovável". A Navigator Company produz cerca de 10% de toda a energia "renovável". Isto faz-se provocando desflorestação tanto em Portugal como noutros países, com importação de madeira para queimá-la, o que anularia qualquer ganho em termos de emissões. 

O MODELO DE NEGÓCIO DAS CELULOSES 

Perante uma pressão crescente sobre as celuloses, com os efeitos da crise climática a reduzirem o crescimento dos eucaliptos e com os incêndios por vezes a afectá-las diretamente, elas estão a procurar outros países onde plantar a sua matéria-prima, de forma a continuar o seu modelo de expoliação de solos e comunidades. O principal destino da The Navigator Company foi Moçambique, onde opera sob o nome Portucel Moçambique. Plantaram 350 mil hectares de eucalipto, expulsando comunidades, vedando o acesso a água e a caminhos, em Manica e na Zambézia. Em Portugal, as celuloses são neste momento o sector mais emissores de gases com efeito de estufa, desde o encerramento da central a carvão de Sines da EDP. Os complexos industriais de Setúbal, de Cacia e da Figueira da Foz da Navigator estão todos no TOP10 das estruturas industriais mais emissoras.

ENTÃO, PORQUE FAZEM ELES PROPAGANDA DO EUCALIPTAL COMO COMBATE ÀS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS? 

1) Porque não têm, nem nunca tiveram um pingo de vergonha na cara. 2) Porque muita gente não percebe as contas. Resumindo: as plantações florestais não retêm carbono no médio-prazo, que é o único que nos interessa. A mobilização de solos + máquinas + fertilizantes liberta uma enorme quantidade de carbono para a atmosfera. As plantações são cortadas num período curto e qualquer carbono retido é libertado nas fábricas das celuloses. 

ENTÃO, PORQUE FAZEM ELES PROPAGANDA DO EUCALIPTAL COMO COMBATE ÀS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS? 

Além disto, os ciclos de fogo cada vez mais curtos matam as florestas e bosques autóctones que retinham carbono há décadas ou séculos, libertando-o, expandindo nesse processo o eucaliptal e outras invasoras (háckeas, acácias, entre outras) que também proliferam no fogo e no abandono. 

DESTRUINDO MITOS - "AS PLANTAÇÕES DAS CELULOSES NÃO ARDEM" 

Ardem. Os 200 mil hectares das celuloses ardem frequentemente. No entanto... Eles gerem as suas próprias áreas, limpam-nas, podam árvores, retiram matos. Além disso, têm um corpo privado de bombeiros profissionais, a AFOCELCA, que está sempre a postos para alturas de incêndios. Mesmo na estrutura pública de incêndios, as celuloses têm prioridade na utilização dos meios de combate dos bombeiros, i.e., eles acorrem primeiro às áreas das celuloses e só depois a outras. 

DESTRUINDO MITOS - "AS CELULOSES SÓ USAM MADEIRA CERTIFICADA E DE TERRENOS QUE CUMPREM REGRAS, A CULPA DOS INCÊNDIOS É DOS PROPRIETÁRIOS QUE NÃO LIMPAM" 

O esquema de certificação, FSC (Forest Stewardship Council) é controlado diretamente pelas celuloses. Além disso, além dos eucaliptos dos 200 mil hectares que as celuloses possuem ou arrendam, recebem eucaliptos dos restantes 700 mil hectares, sejam certificados ou não. Os viveiros das celuloses produzem milhões de árvores todos os anos que são oferecidas aos proprietários. O risco dos incêndios foi externalizado para os pequenos proprietários e para a sociedade em geral e materializa-se sempre. 

DESTRUINDO MITOS - "AS FLORESTAS REGENERAM-SE E PODEMOS PLANTAR ENORMES ÁREAS" 

Os incêndios são uma antecâmara da desertificação e do despovoamento. Portugal está cada vez mais mais quente e seco, e o eucaliptal em expansão, em vez de contrariar os efeitos da crise climática, aceleram-nos, favorecendo mais incêndios, mais destruição de solos e menos água. A floresta que precisamos para combater as alterações climáticas tem de ser autóctone, pouco combustível e precisa de gente no território para geri-la e torná-la mais resiliente. As celuloses gastam uma fortuna em publicidade, greenwashing e controlo das áreas de conhecimento relacionadas com natureza e floresta. Estão profundamente enraízadas na academia, em particular no Instituto Superior de Agronomia, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e na Universidade de Aveiro. Têm ainda vários "institutos", centros e iniciativas dissimuladas. Patrocinam inúmeros eventos e vários órgãos de comunicação social - National Geographic, Expresso, etc... Máquinas de engano...

Em: "Portugal em Chamas - Como Resgatar as Florestas", João Camargo e Paulo Pimenta de Castro, Bertrand Editora, 2018. 

Bento de Jesus Caraça, um marxista em Setúbal


Bento de Jesus Caraça é uma das grandes referências intelectuais portuguesas do século XX. Deixou um relevante legado na defesa do conhecimento científico e sua divulgação. Bem como na defesa da paz e da justiça social.

Isto além de ter sido um expoente da resistência antifascista. Duas vezes preso político e proibido de exercer o seu ofício de professor, sob a ditadura de Salazar.

Um dos meios que ele privilegiou para difundir o seu pensamento foi a conferência pública com um cariz didáctico, dirigida sobretudo a audiências populares e operárias.

Era esse o tipo de conferência característico da Universidade Popular Portuguesa, fundada, em 1919, pelo professor António Ferreira de Macedo, com outros notáveis pedagogos portugueses da época como Adolfo Lima e Francisco Reis Santos.

Bento Caraça era muito próximo de Ferreira de Macedo. Ligou-se a este projecto desde o início. E assumiu mais tarde a sua liderança.

Pois uma das suas conferências, porventura mais importantes, foi proferida em Setúbal. Aconteceu no dia 22 de Março de 1931. E O Setubalense esteve lá. No dia seguinte, dava esta notícia:

“Na sede da Sociedade Promotora de Educação Popular, agremiação que à causa da instrução tem prestado relevantes serviços, e perante uma assistência regular, realizou ontem uma interessante conferência subordinada ao tema «As Universidades Populares e a Cultura», o sr. dr. Bento de Jesus Caraça, distinto professor do Instituto Superior de Sciencias Económicas e Financeiras.

O ilustre conferencista dissertou largamente sobre instrução, tendo o seu trabalho sido premiado com uma longa salva de palmas” [O Setubalense, 23/03/1931, p.4].

A nível local, esta conferência representou o relançamento da Universidade Popular em Setúbal, depois de já aqui ter sido criada uma secção local em 1924 (e outra no Barreiro em 1921).

Além disso, nesta conferência Bento Caraça clarifica e defende um modelo de trabalho cultural que viria a ser uma importante faceta da resistência antifascista. Num contexto em que não se podia falar abertamente de política, intelectuais democratas participaram em inúmeras iniciativas culturais em colectividades populares de norte a sul do país, semeando conhecimento e pensamento crítico.

Um terceiro aspecto desta conferência em Setúbal é que nela Bento Caraça assume explicitamente a referência teórica marxista. Fá-lo para expor o conceito de cultura que advoga, o qual “compreende o máximo desenvolvimento das capacidades intelectuais, artísticas e materiais encerradas no homem”.

Daqui aborda a desigualdade e a injustiça de classe social. Condena “a detenção da cultura como monopólio de uma elite” e denuncia que “a cultura tem sido e é o monopólio de um grupo – a classe burguesa – que, por virtude da organização social, torna inacessível a sua aquisição à massa geral da humanidade”.

Perante isto, a tarefa de uma Universidade Popular é contribuir para tornar a cultura acessível à classe trabalhadora.

Numa altura em que os antigos sindicatos livres ainda não tinham sido dissolvidos pela ditadura, Bento Caraça defende que “às organizações sindicais cabe um papel enorme nesse trabalho de libertação, promovendo intensamente a cultura dos seus membros”.

Uma nota final sobre a colectividade em que teve lugar esta conferência: a sociedade Promotora de Educação Popular de Setúbal tinha então 85 crianças, a frequentar as suas aulas diurnas, “funcionando, ainda, aulas nocturnas, para operários” [O Século, 18/01/1931, p.15].

Luís Carvalho - Investigador

Artigo originalmente publicado no O Setubalense a 08 de Setembro de 2022