terça-feira, 25 de janeiro de 2022

 

Caravana Global pela Justiça Climática vai percorrer 400 km em Portugal.
A crise climática e da biodiversidade é o tempo das nossas vidas. Enquanto empresas e governos repetem fórmulas esgotadas para políticas insuficientes, a degradação do clima destrói o nosso futuro coletivo. As cheias, secas, tempestades fora de época, subida do nível médio dos oceanos, incêndios florestais, perda irreversível da biodiversidade e degradação do ar, dos solos e das massas de água são a consequência direta de escolhas deliberadas tomadas nas últimas décadas pelo aparelho produtivo e pelo poder político a nível global.

Perante este estado das coisas, com o nosso futuro nas nossas mãos, a Caravana pela Justiça Climática, em Abril, vai percorrer 400km em Portugal, marchando lado a lado com populações locais desde Figueira da Foz para o interior, através de Pedrogão Grande, Oleiros, Vila Velha de Ródão e muitos outros lugares, para depois descer ao lado do Tejo até Lisboa. Neste momento, mais de uma dezena de organizações nacionais e locais já se juntaram à preparação da caravana, que também ocorrerá nível mundial em pelo menos mais cinco países – Uganda, Honduras, Turquia, Nigéria e Bolívia.

A Caravana passará pelas comunidades que já estão mais expostas às consequências da crise climática, assim como por alguns dos principais focos de emissões de gases com efeito de estufa e de poluição do ar, da água e dos solos do país. Os incêndios florestais e a desertificação do país serão também evidentes no percurso, cruzando zonas devastadas pelo fogo em 2017 e em outros anos, assim como as linhas de água da bacia do Tejo afetadas por caudais irregulares e pela poluição, nas quais já existem e se prevê a construção de mais açudes e barragens.

O arranque da Caravana terá lugar no Complexo Industrial da Figueira da Foz, um dos pólos da principal empresa emissora do país, The Navigator Company. De lá até ao fim do percurso, a Caravana passará por vários pontos ligados à crise climática, nomeadamente Pedrógão Grande e Oleiros, epicentros dos mais graves incêndios florestais em território nacional, pela Celtejo, uma das vinte infraestruturas mais emissoras do país, a Central Termoeléctrica do Pego, encerrada em Novembro de 2021 sem garantir condições necessárias para uma transição justa para os trabalhadores, e a fábrica de produção de cimento mais emissora do país, o Centro de Produção de Alhandra, da CIMPOR. A transição energética também não pode passar pelo nuclear e pelo urânio, que alguns pretendem explorar em Nisa.

Iremos descer ao longo do rio Tejo até Lisboa, acompanhando um rio profundamente afectado no seu estado ecológico e biodiversidade. Exporemos, no local, a ausência de uma política capaz de impor a descarga de caudais ecológicos à IBERDROLA na barragem de Cedillo e à EDP nas barragens de Fratel e Belver. Caminharemos ao lado das barreiras à conectividade fluvial já existentes que fragmentam habitats, como o travessão no rio Tejo da Central Termoelétrica do Pego, e os locais onde querem construir novos açudes e barragens como a do Pisão, do Ocreza ou do projeto Tejo da Associação + Tejo e da Quinta da Lagoalva de Cima, em Alpiarça. Testemunharemos as más práticas agrícolas que conduzem à destruição da biodiversidade e à forte emissão de gases, assim como à poluição que entra no Tejo vinda de Espanha, que se agrava com as águas poluídas de afluentes e acaba numa acentuada contaminação do estuário envolvido pela Área Metropolitana de Lisboa.

Para conseguirmos travar a crise climática e a crise ecológica globais, precisamos de um movimento maior do que o mundo alguma vez já viu. Apelamos por isso a todos os movimentos e organizações que se revejam na luta por um futuro digno a que se juntem a nós, transformando a Caravana pela Justiça Climática num momento histórico que, através da força das populações, se insurja contra a irresponsabilidade, a impunidade, a manipulação e a ganância de um sistema capitalista, responsável pela degradação dos ciclos ecológicos que sustentam a vida e que são sustentados por ela.

Mais informações: caravanaclima.pt

As organizações: Acréscimo; APAEPG – Associação de Pais e Encarregados de Educação dos Alunos do AE de Pedrógão Grande; AVIPG – Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande; Basta! – de crimes ambientais; Casa de Pedrógão Grande; Climáximo; Colinas do Tejo; EcoCartaxo; Greve Climática Estudantil Lisboa; MIA – Movimento Ibérico Antinuclear; Movimento Ecologista do Vale de Santarém; Movimento Cívico Ar Puro; MUNN – Urânio em Nisa Não; ProTEJO – Movimento pelo Tejo.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Nova campanha internacional: Proibição da Publicidade e dos Patrocínios de Combustíveis Fósseis

 

Uma nova lei europeia para abolir a publicidade e o patrocínio de combustíveis fósseis!

As empresas de combustíveis fósseis, os fabricantes de carros, as companhias aéreas e as companhias marítimas usam a publicidades e os patrocínios como uma cortina de fumo que serve para desviar as atenções dos seus negócios destruidores do ambiente, enquanto continuam as suas atividades, que nos impulsionam ainda mais na direção de crises climáticas e humanitárias. Isto tem de parar.

Agora temos o poder de mudar a lei com a Iniciativa de Cidadania Europeia.

Age agora para uma proibição dos anúncios e patrocínios de combustíveis fósseis que ficará para a história!

https://banfossilfuelads.org/


Proibição da Publicidade e dos Patrocínios de Combustíveis Fósseis

Pedimos à Comissão Europeia para propor uma ação legislativa que:

  • Proíba a publicidade dos combustíveis fósseis, assim como o transporte aéreo, rodoviário e marítimo (exceto serviços de transporte de interesse económico geral) movido por combustíveis fósseis.
  • Proíba a publicidade de qualquer empresa ativa no mercado dos combustíveis fósseis, em particular na extração, refinamento, fornecimento, distribuição ou venda de combustíveis fósseis.
  • Proíba os patrocínios pelas empresas que estão definidas no segundo ponto acima, ou o uso de marcas registadas ou nomes comerciais usados para os combustíveis fósseis.

Esta lei cairia sob a competência da União Europeia, na medida em que consistiria numa regulação do mercado interno cujo objetivo é a melhoria da proteção do consumidor, assim como uma proteção de alto nível do ambiente e da saúde pública.

É certo que esta legislação aumentaria a consciência pública dos produtos e tecnologias que são responsáveis pelas alterações climáticas e por outros riscos ambientais e de saúde. Assim, procuraria ativamente o alcance de objetivos projetados pelas políticas da UE relativas à proteção do consumidor e do ambiente, através da harmonização de regras que dizem respeito à publicidade e aos patrocínios dos combustíveis fósseis. Isto seria abrangido pelas competências partilhadas (ver Artigo 4 TFUE) incluindo: mercado interno, ambiente, proteção do consumidor.

Junta-te à Iniciativa de Cidadania Europeia para uma nova lei da UE agora.


Qual a importância desta proibição?

Estamos a viver uma crise climática que está a originar uma crise de direitos humanos de proporções sem precedentes. Após o mais recente e devastador relatório do IPCC, António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas, avisou que “alcançámos o código vermelho para a humanidade”. Muitas comunidades, particularmente as localizadas em África, na Ásia e na América Latina, já enfrentam as consequências devastadoras que advêm da maior frequência e intensidade de secas, inundações e ciclones e do aumento do nível médio das águas do mar, que também têm afetado a Europa. As empresas de combustíveis fósseis sabem desde 1957 que a queima de combustíveis fósseis poderia causar o aumento dos níveis de CO2. Segundo o instituto de pesquisas Climate Accountability Institute, empresas como a Total Energies e a Royal Dutch Shell, que estão incluídas no Top 20 das empresas de combustíveis fósseis mais poluidoras do mundo, continuam a promover os seus perigosos negócios através de anúncios e patrocínios.

A publicidade de combustíveis fósseis pode encorajar um aumento das emissões

Os anúncios de produtos fósseis, tais como os meios de transportes movidos a combustíveis fósseis, levam ao aumento intencional das vendas desses produtos fósseis, que fazem crescer as emissões dos gases com efeito de estufa. Um estudo de caso de uma só campanha publicitária da Audi revelou um crescimento de vendas impulsionado pela campanha de mais de 132.700 carros. Quando multiplicadas pela pegada de carbono de cada item vendido, temos um aumento generalizado de emissões de GEE equivalente a 5.175.300 de toneladas de CO2, provocado por apenas esta campanha publicitária. Precisamos que isto pare.

Os combustíveis fósseis têm um impacto na poluição atmosférica, o que está a matar pessoas

Estima-se que a poluição atmosférica causada pela queima de combustíveis fósseis foi responsável por 8,7 milhões de mortes no mundo, em 2018, mais do que as mortes provocadas pelo tabaco. Se os combustíveis fósseis são responsáveis por mortes, através da poluição atmosférica e de outros meios, por que razão é ainda aceitável que as empresas de combustíveis fósseis tenham uma plataforma pública? Se a UE proibiu a publicidade e os patrocínios do tabaco, seguramente a proibição da publicidade dos combustíveis fósseis não constituirá um problema.

As empresas de combustíveis fósseis usam os seus anúncios e patrocínios para promover soluções falsas

As empresas de combustíveis fósseis usam a publicidade para promover soluções falsas para a crise climática, como o gás fóssil, o hidrogénio fóssil, a bioenergia e a captura e armazenamento de carbono (CCS). Uma investigação do Influence Map revelou que as empresas de combustíveis fósseis pagaram ao Facebook mais de 9,5 milhões de dólares por anúncios que promovessem o gás fóssil como um combustível “verde” e que alegassem a existência de benefícios climáticos com o seu uso. Falsas soluções como esta são distrações perigosas que nos desviam das soluções reais de que precisamos, tal como a energia renovável, e precisamos de impedir que as empresas de combustíveis fósseis enganem e distraiam o público e os políticos através da promoção das mesmas.

Acesso político

As empresas de combustíveis fósseis podem usar os seus patrocínios como forma de ganhar acesso político e legitimidade social.

Estas empresas e as fábricas de automóveis têm sido as patrocinadoras oficiais da presidência rotativa do Conselho da União Europeia, onde se encontram os ministros de cada nação. A Porsche e a Audi, ambas pertencentes à Volkswagen, patrocinaram a presidência da Áustria em 2018, a BMW patrocinou a presidência finlandesa em 2019. Em 2019, a presidência da Roménia foi patrocinada pela Renault e pela Mercedes, assim como pelos produtores de combustíveis fósseis OMV Petrom e Enel. A presidência croata de 2020 foi patrocinada pela Citroen e pela Peugeot, assim como pela petroleira INA.

No Reino Unido, esta investigação da Unearthed revelou que a BP usou o seu acordo de patrocínio com o Bristish Museum e uma exposição sobre o “Dia dos Finados” para avançar com os seus negócios no México e na Austrália. Isto contradiz a alegação feita pelo anterior CEO da BP, Bob Dudley, de que a empresa dá apoio às artes “sem qualquer compromisso”.

Empresas de combustíveis fósseis, de automóveis, de transporte aéreo e marítimo enganam frequentemente o público ao apresentarem-se como climate-friendly

Muitas empresas de combustíveis fósseis dão ênfase nos seus anúncios aos seus produtos “amigos do clima”, o que leva a uma falha na representação do verdadeiro investimento que é feito nas tecnologias verdes ou renováveis. No ano passado, a ClientEarth desafiou, com sucesso, a publicidade da BP acerca da energia renovável, argumentando que 96% dos gastos da empresa foram para gasolina e gás. Estes anúncios manipulam o público, levando-o a pensar que as empresas de altas emissões são verdes, quando muitas delas dependem de combustíveis fósseis, ou, por exemplo, estão ainda focadas na extração de petróleo no Ártico. Estas empresas destruidoras do clima não deviam ter uma plataforma pública quando estão deliberadamente a encaminhar-nos para o desastre climático.

As compensações de carbono das empresas de combustíveis fósseis escondem a inatividade climática e provocarão grandes danos

Muitas empresas de combustíveis fósseis anunciaram objetivos climáticos vagos e distantes, no âmbito da política do “Carbono Zero até 2050”, o que pode parecer ambicioso, mas que, realisticamente, envolve pouca mudança. Ao invés de pararem a extração e a queima de combustíveis fósseis, os objetivos “carbono zero até 2050” destas empresas baseiam-se em planos de adquirir enormes quantidades de créditos de carbono como forma de compensarem as suas emissões. Prevê-se que uma tal escala de compensações de carbono transforme vastas áreas de terra em plantações de árvores no Sul Global, o que ameaçará a produção alimentar e as florestas naturais. Isto é particularmente prejudicial para as comunidades agrícolas e indígenas que pouco fizeram para impulsionar a crise climática, mas que já estão a sofrer dos impactos de severas alterações climáticas.

A crise climática afeta os direitos humanos e algumas empresas de combustíveis fósseis são acusadas de crimes contra as comunidades

A crise climática afeta os direitos humanos, nomeadamente os direitos humanos à vida, comida, acesso a habitação e água adequadas, saneamento e saúde. Com o agravamento da emergência climática, podemos prever um aumento das mortes, da fome e dos deslocamentos, e sabemos que as empresas de combustíveis fósseis pioram esta crise. Algumas destas empresas estão também sob escrutínio devido ao seu alegado envolvimento em violações de direitos humanos. A Amnistia Internacional incentivou os governos a levar a cabo uma investigação à Shell por três casos judiciais em cursos,que questionam a cumplicidade da Shell na prisão, detenção e execução ilegais, na procura de compensação por derrames de petróleo e pela poluição sistémica e contínua provocada pelo petróleo. A Shell nega todas as alegações. A Total Energies foi acusada de deslocalizar comunidades e de financiar ditaduras militares, o que a Total Energies contestou. Com estas perturbadoras alegações e com as provas de que a crise climática está a afetar os direitos humanos, será seguro dar uma plataforma pública às empresas responsáveis pela emergência climática e pelas crises de direitos humanos?

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Confederação Portuguesa das Associações 

de Defesa do Ambiente (CPADA)


Contributo dirigido aos partidos políticos 

em matéria de defesa do ambiente

 

A CPADA constata a ausência quase completa dos diversos temas da problemática ambiental no presente debate eleitoral, e chama a atenção para o facto dramático de o Planeta Terra estar a atravessar várias crises que podem colocar em risco o futuro da própria Humanidade.

  1. Crise climática – aumento das catástrofes naturais, degelo dos polos e das regiões boreais, que libertam, já hoje, milhões de toneladas de CO2, subida do nível dos mares e o alagamento das zonas costeiras, a alteração das correntes marítimas e desertificação de vastas zonas geográficas, incluindo uma parte substancial do nosso país.
  2. Crise ecológica – exploração insensata dos recursos naturais, crescimento demográfico exponencial, poluição massiva das águas, do ar, dos solos, poluição dos oceanos, destruição do tecido florestal que liberta na atmosfera uma enorme quantidade de carbono.
  3. Crise da biodiversidade - extinção massiva das espécies vegetais, animais e seres microscópicos, a sexta na história do nosso planeta, mas a primeira em que o principal causador é o próprio homem.
  4. Crise político-social - tensões geopolíticas que poderão gerar conflitos globais, assim como a migração de milhões de pessoas provocada pelas alterações climáticas, geradoras de penúria de recursos e fome.

E será a convergência de todas estas crises que poderá conduzir ao colapso, a uma derrocada irreversível da Humanidade.

É a altura para atuar, provavelmente o derradeiro momento e última oportunidade para inverter esta tendência.

Que medidas se propõem para mudar a atual situação:

  1.  Crise climática:
  • Florestar, reflorestar, plantar árvores e renaturalizar sistemas degradados, e proteger as zonas arborizadas, pastagens e outros espaços de vegetação nativa, porque são estes que têm o maior potencial de retenção de carbono.
  • Decrescer no consumismo de bens e de energia.
  • Descarbonizar, nos transportes, nas fábricas e em todas as atividades.
  • Produtos quilómetro zero:  produzir local e consumir local.
  • Afetar a totalidade das Matas Nacionais e públicas, à função de conservação e do sequestro do carbono.
  1. Crise ecológica
  • Adotar medidas urgentes, para a passagem rápida a uma agricultura em modo de produção biológica.
  • Uma alimentação mais saudável, para uma sociedade mais saudável.
  • Reforçar o apoio financeiro às explorações pecuárias em modo extensivo, e de práticas complementares promotoras da conservação e defesa do ambiente.
  • Fomentar a prática de cidadania ecológica, através da inclusão da Ecologia-ciência e Ecologia-política, como disciplinas escolares nos diferentes graus e níveis do ensino.
  • Determinar e apoiar a redução drástica do uso de plásticos, que está a contribuir para contaminar os ecossistemas terrestres, os mares e oceanos, os rios, os solos e, acima de tudo, as cadeias alimentares, incluindo a humana.
  1.  Crise de biodiversidade:
  • Restaurar uma paisagem biodiversa, com a instalação de sebes e corta-ventos, nas áreas agrícolas.
  • Plantar bosques e matas com espécies nativas, como prioridade nacional.
  • Garantir a integridade e a proteção dos valores naturais das Áreas Protegidas, e criação de novas áreas de conservação, do qual é exemplo a recomendação da Assembleia da República (RAR 266/2021) para a criação de um parque natural na região da ria de Aveiro, concretização da criação da Reserva Natural da Lagoa dos Salgados. Criação da Área Marinha Protegida da Pedra do Valado e proteção das Salinas de Alverca e Forte da Casa.
  • Assegurar que a prática da caça contribui para a conservação da natureza e promoção da biodiversidade, regulamentando através da revisão da legislação em vigor.
  • Travar a degradação do litoral português, impedindo o avanço dos inúmeros processos de projetos turísticos de luxo ao longo da costa.
  • Melhorar os recursos humanos e materiais do ICNF, para que possa exercer as   funções importantes que lhe competem.
  • Aumento dos salários dos Guardas Florestais, Vigilantes da Natureza.
  • Avaliar adequadamente as alternativas para o novo aeroporto de Lisboa,   escolhendo, sem insistir nas propostas falhadas do Montijo e de Alcochete.
  1.  Crise social e política:
  • Aprofundar o envolvimento da sociedade na decisão das questões ambientais, através de uma política de entreajuda e solidariedade, entre nações, comunidades e indivíduos.
  • Dinamizar relações transnacionais, que conduzam para a resolução das ameaças ambientais, no respeito estrito pelos ecossistemas, suas componentes e dinâmicas
  • Promover políticas de partilha e participação política ativa dos cidadãos, em matérias de defesa do ambiente

Lisboa, 14 de janeiro de 2021

P’ Conselho Executivo

Miguel Serrão

(O vice-presidente do conselho executivo da CPADA)

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

DEMOCRACIA?

 

Gigantes do agronegócio têm nova arma para silenciar conservacionistas ...

… e garantir por muitos anos a comercialização desenfreada de pesticidas que estão dizimando as abelhas e a biodiversidade, com a cumplicidade do Ministério do Interior !

O nome desta arma: Demeter.

Uma célula da gendarmaria nascida de um pacto ilegal (1) que vincula o Ministério do Interior à FNSEA e aos Jovens Agricultores, dois sindicatos que defendem um modelo agrícola alinhado com os interesses financeiros da indústria e catastrófico para a biodiversidade (2).

Seus objetivos são claros:

amordaçar as vozes dos defensores da agricultura sustentável , livre de agrotóxicos e da influência da indústria…

– traduzir qualquer forma de crítica à agricultura industrial em delito, e qualquer ação militante em associação de criminosos, punível com 10 anos de prisão e multa até 150.000 euros (3)...

– pressionar jornalistas e cidadãos que expõem os excessos do nosso modelo agrícola e a alarmante taxa de extinção dos insetos e seus inestimáveis ​​serviços ecossistêmicos (4)!

Para isso, todos os meios são bons: vigilância abusiva, visitas duras e longos interrogatórios são usados ​​para abafar as críticas à indústria de agrotóxicos, cujos produtos já contaminam 100% do solo (5) e 80% das massas de águas subterrâneas (6). .

Devemos, imperativamente, abreviar o terrível domínio do agronegócio sobre os meios da polícia, desafiando as inalienáveis ​​liberdades democráticas do cidadão !

A POLLINIS interpôs ação judicial junto à associação Générations Futures e interpôs recurso perante o tribunal administrativo de Paris para obter a abolição imediata da célula Déméter.

A primeira audiência no tribunal acontecerá esta semana.

E precisamos de um apoio maciço de todos os cidadãos para nos permitir resistir aos gigantes que atacamos!

Para contrabalançar a aliança ilegal do governo e dos sindicatos ligados à indústria contra as liberdades de pensamento e expressão , precisamos da sua voz e da voz de centenas de milhares de cidadãos que recusam essa deriva autoritária.

Adicione sua assinatura agora à nossa carta aberta ao governo, pedindo que dissolva imediatamente Deméter e restaure a lei e a democracia.

► ASSINO A CARTA ABERTA

Enquanto a agricultura intensiva continua expondo massivamente todos os organismos vivos aos seus produtos tóxicos e cancerígenos (7), o Estado está se aliando aos agroquímicos contra seus próprios cidadãos! oferecendo-lhe uma política dedicada à defesa dos seus interesses.

De acordo com o kit de imprensa publicado quando foi criado (8), Deméter é competente para punir “ ações de natureza ideológica ” e “ simples ações simbólicas de denegrir o meio agrícola ”…

Um quadro de intervenção idêntico ao de uma verdadeira polícia de opinião !

Acontecimentos recentes relatados pela France Inter (9) demonstraram isso e nos alertam para as atividades perturbadoras desta célula:

>> Por ter dado a sua opinião sobre o estabelecimento de estufas de tomateiro acima do solo em vários hectares de zonas húmidas durante um relatório da France 3 Nouvelle-Aquitaine , o porta-voz de Sources et Rivières du Limousin foi convocado pela gendarmerie e foi objecto de uma investigação por iniciativa própria da polícia .

>> O presidente de uma pequena associação de moradores contrários à pulverização massiva de agrotóxicos nas residências também sofreu múltiplas pressões da célula de Déméter : repetidos telefonemas para saber o conteúdo e participantes de reuniões locais, visitas dos gendarmes em armas e colete à prova de balas na casa dele

>> Uma jornalista alemã foi pura e simplesmente impedida de fazer o seu trabalho e obrigada, para além de qualquer enquadramento legal, a apagar a gravação da sua entrevista com um agricultor !

Todos esses casos concretos são extremamente alarmantes para a democracia :

Não são apenas os opositores da agricultura intensiva que estão na mira de Deméter...

…mas todos aqueles que expressam uma opinião contrária aos interesses da agroindústria !

É necessário a todo custo evitar essa espiral totalitária autorizada pelo Ministério do Interior em benefício exclusivo dos proponentes do modelo agrícola industrial (10).

Junte-se à nossa mobilização agora para mostrar às autoridades governamentais que:

  • Defenderemos custe o que custar a liberdade de cada cidadão de proteger os vivos;
  • Continuaremos a denunciar as consequências dramáticas da agricultura intensiva que devasta os insetos, esgota as cadeias alimentares e leva os ecossistemas à beira da ruptura ;
  • Mobilizamos sistematicamente os cidadãos e nos recusamos a participar por meio de nossos impostos na iníqua guerra do agronegócio contra nossas liberdades.

► EU ASSINO

Se nada for feito para expor essa tendência autoritária, centenas de outras associações podem, por sua vez, ser consideradas delinquentes.

POLLINIS, financiando estudos que demonstram a intolerável nocividade dos agrotóxicos e seus danos à biodiversidade (11), e publicando seus resultados, inevitavelmente se expõe à ira da indústria !

O simples fato de citar estudos científicos que alertam para a urgência da luta em prol da proteção da biodiversidade e da denúncia...

  • Por exemplo, que os fungicidas SDHI matam abelhas e minhocas mais do que os fungos contra os quais são usados ​​(12)…
  • Que atacam a respiração das células humanas, que encontramos nos cabelos dos bebês e de suas mães (13); que eles são muito propensos a causar hecatombes de câncer e doenças epigenéticas nos próximos 20 anos (14)…
  • Que os neonicotinóides matadores de abelhas correm o risco de serem reautorizados em milhares de hectares de beterraba em 2022 , pois cientistas e agrônomos do INRAE ​​alertam que haverá muito poucos pulgões este ano (15)…
  • Que vestígios desses pesticidas neurotóxicos são encontrados no plasma e no líquido cefalorraquidiano de 100% das crianças suíças estudadas e na urina de 93% delas (16)…
  • Que nosso ambiente está massivamente contaminado por pesticidas despejados por milhares de toneladas todos os anos por mais de 50 anos (17)…
  • Que os encontramos em TODO O SOLO , agrícola ou não, tratado ou não, mesmo em áreas protegidas que pensávamos ter sido poupadas até então (18)….
  • Que os encontramos em todos os lençóis freáticos, em todos os córregos e rios, onde matam insetos, artrópodes e microrganismos essenciais… e batráquios, répteis, peixes que deles dependem (19);
  • Que 1 em cada 4 abelhas já desapareceu em 30 anos (20);
  • E que 100% dos polinizadores podem desaparecer em 100 anos se nada for feito hoje (21)…

…poderia em breve ser considerado “agribashing” e resultar em um pedido de ordem ou uma prisão ?

Esta situação não deve ser tolerada !

Para salvar nossas liberdades e impedir que a indústria ponha definitivamente as mãos nos meios repressivos do Estado , POLLINIS chamou Maître Corinne Lepage , a poderosa advogada especializada em questões ambientais (22).

Juntos, denunciamos a ilegalidade do acordo entre os sindicatos da agricultura industrial (FNSEA e JA) e o Ministério da Agricultura, para a criação do Demeter, em três bases:

>> Ataque à liberdade de comunicação, ao sigilo da instrução e das investigações;

>> Ruptura da igualdade entre os sindicatos agrícolas representativos;

>> Delegação séria de missões de polícia administrativa a atores privados.

Mas para que essa luta tenha alguma chance de sucesso, e para que a ameaça de uma polícia do pensamento a serviço da indústria agroquímica seja afastada com firmeza, é preciso que o alerta seja ouvido até as mais altas autoridades do Estado .

Ajude-nos a pesar com todas as nossas forças sobre as instituições públicas que deveriam garantir a liberdade de expressão e informação.

Juntos, vamos opor uma barreira salutar às manobras deletérias das empresas agroquímicas .

► ENTRO NA MOBILIZAÇÃO

O trabalho de milhares de associações e ativistas ambientais é ameaçado pelas práticas escandalosas e autoritárias de Deméter, embora não tenham realizado nenhuma ação violenta ou ilegal.

Para evitar a todo custo que a indústria aproveite a complacência do Estado para impor à força seus perigosos pesticidas ...

devemos ser várias centenas de milhares, até milhões , para apoiar aqueles que lutam para viver em um ambiente saudável, respirar ar livre de pesticidas e salvaguardar os serviços essenciais que os insetos prestam ao homem e à natureza.

Quanto mais de nós para assinar a carta aberta ao Primeiro-Ministro e do Ministro do Interior, e vamos ser legítima para exigir a dissolução do Demeter e privar definitivamente o agronegócio do uso de vigilância, intimidação e criminalização de seus adversários.

Podemos contar com o seu apoio?

► ASSINO A CARTA ABERTA

Agradecemos antecipadamente por sua ação decisiva.

A equipa POLINIS



Referências

1. Ministério da Agricultura, "Demeter", uma unidade nacional de combate ao agrobashing e intrusões em fazendas , 24 de dezembro de 2019

2. Arnaud Sacleux, Extinção em massa: insetos estão desaparecendo em um ritmo alarmante , National Geographic

3. Código Penal, Artigo 450-1 , 01 de janeiro de 2002

4. Bruno David: "A velocidade de extinção das espécies é sem precedentes" , Les Echos

5. Agricultura, Ecossistemas e Meio Ambiente, Resíduos de pesticidas atualmente usados ​​em solos e minhocas: Uma ameaça silenciosa? , Volume 305, 1º de janeiro de 2021, 107167

6. Relatório do Governo sobre o Estado do Meio Ambiente, Pesticidas em Águas Subterrâneas , 2019

7. Public Eye, gigantes agroquímicos ganham bilhões com pesticidas cancerígenos ou prejudiciais às abelhas , 20 de fevereiro de 2020

8. Ministério do Interior, Kit de imprensa sobre a apresentação de Demeter , 13 de dezembro de 2019

9. France Inter, Oponentes da agricultura intensiva na mira da célula Demeter , 29 de outubro de 2021

10. Célula Demeter: o preocupante braço armado a serviço da agricultura convencional - POLLINIS 09 de abril de 2021

11. POLLINIS, Inseticida e fungicida: uma mistura ainda mais tóxica para polinizadores , 12 de abril de 2021

12. Bénit, P., Kahn, A., Chretien, D., Bortoli, S., Huc, L., Schiff, M., & Rustin, P., Suscetibilidade evolutivamente conservada da cadeia respiratória mitocondrial aos pesticidas SDHI e seus consequência no impacto de SDHIs em células cultivadas humanas , 2019, PLoS one.
Fisher A 2nd, DeGrandi-Hoffman G, Smith BH, Johnson M, Kaftanoglu O, Cogley T, Fewell JH, Harrison JF. O teste de campo da colônia revela uma toxicidade dramaticamente maior de um fungicida mitotóxico amplamente utilizado em abelhas (Apis mellifera) . Sobre Pollut. 15 de janeiro de 2021;269:115964. doi: 10.1016/j.envpol.2020.115964. Epub 2020 23 de novembro. PMID: 33261965.

13. Beranger, R., Hardy, EM, Dexet, C., Guldner, L., Zaros, C., Nougadere, A., Metten, MA, Chevrier, C. e Appenzeller BM (2018). Análise múltipla de pesticidas em amostras de cabelo de mulheres grávidas francesas: resultados da coorte nacional de nascimentos ELFE . Sobre Int 120: 43-53

14. Parece necessária uma revolução urgente no uso de antifúngicos . Lançamento, 15 de abril de 2018

15. Carta aberta ao CEO do INRAE ​​sobre a reautorização de neonicotinóides para beterraba. Agência do INRAE ​​da SUD Research EPST, 11/01/2022

16. Laubscher, B., Diezi, M., Renella, R. et ai. Múltiplos neonicotinóides no líquido cefalorraquidiano, plasma e urina de crianças . Saúde Ambiental 21, 10 (2022)

17. C. Pelosi, C. Bertrand, G. Daniele, M. Coeurdassier, P. Benoit, S. Nélieu, F. Lafay, V. Bretagnolle, S. Gaba, E. Vulliet, C. Fritsch, Resíduos de pesticidas em solos e minhocas: uma ameaça silenciosa? , Agricultura, Ecossistemas e Meio Ambiente, Volume 305, 2021, 107167, ISSN 0167-8809
J. Stolte, M. Tesfai, L. Øygarden, S. Kværnø, J. Keizer, F. Verheijen, et ai. Ameaças do Solo na Europa: Status, Métodos, Fatores e Efeitos nos Serviços Ecossistêmicos (2016)

18. Brühl, CA, Bakanov, N., Köthe, S. et al. Exposição direta de insetos a pesticidas em áreas de conservação da natureza na Alemanha. Sci Rep 11, 24144 (2021).

19. Matthias Liess, Liana Liebmann, Philipp Vormeier, Oliver Weisner, Rolf Altenburger, Dietrich Borchardt, Werner Brack, Antonis Chatzinotas, Beate Escher, Kaarina Foit, Roman Gunold, Sebastian Henz, Kristina L. Hitzfeld, Mechthild Schmitt-Jansen, Norbert Kamjunke , Oliver Kaske, Saskia Knillmann, Martin Krauss, Eberhard Küster, Moritz Link, Maren Lück, Monika Möder, Alexandra Müller, Albrecht Paschke, Ralf B. Schäfer, Anke Schneeweiss, Verena C. Schreiner, Tobias Schulze, Gerrit Schüürmann, Wolf von Tümpling , Markus Weitere, Jörn Wogram, Thorsten Reemtsma, Pesticidas são os estressores dominantes para insetos vulneráveis ​​em riachos de terras baixas , Water Research, Volume 201, 2021, 117262, ISSN 0043-1354.
Säterberg et ai. , 2013. Alta frequência de extinções funcionais em redes ecológicas. Natureza
Schäfer RB, et ai. (2007) Efeitos de pesticidas na estrutura da comunidade e funções do ecossistema em riachos agrícolas de três regiões biogeográficas na Europa. Sci Total Aprox. 382(2–3):272–285.

20. Zattara, Eduardo E. et al. Registros mundiais de ocorrência sugerem um declínio global na riqueza de espécies de abelhas . One Earth, Volume 4, Edição 1, 114 - 123

21. Le Monde, Insetos podem desaparecer do planeta em 100 anos , 11 de fevereiro de 2019

22. POLLINIS interpõe recurso contra a célula da Gendarmerie Déméter - POLLINIS 14 de abril de 2020









POLLINIS Associação sem fins lucrativos (Lei 1901)

10, rue Saint-Marc 75002 Paris

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sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Manifesto Por Uma Caravana Pela Justiça Climática

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segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

A CONSOLIDAÇÃO DE UMA NOVA FASE DO CAPITALISMO

Posted: 03 Jan 2022 01:27 PM PST



# Publicado em português do Brasil

Paula Giménez e Matías Caciabue* | Carta Maior


Estamos nos habituando a ouvir, através das nossas múltiplas telas, declarações de grandes milionários afirmando que o mundo mudou para sempre. Bill Gates, fundador da Microsoft, prevê para 2022 arealização de “reuniões por meio de avatares digitais em espaços 3D”. Marck Zuckerberg, CEO do Facebook, apresentou o Metaverse, um conglomerado de serviços digitais cujo desenvolvimento significaria uma “encarnação da internet”.

Também Elon Musk, o CEO da Tesla e SpaceX, projeta uma “cidade do futuro, Starbase, desde a qual será possível viajar a Marte”, enquanto Larry Fink, CEO do poderoso Fundo Financeiro de Investimento Global BlackRock, nos avisa que as mudanças climáticas devem trazer uma “reformulação fundamental das finanças”.

Para onde eles estão indo? Qual é a ligação entre a nova era digital e as finanças? Por que a mudança climática é uma variável em jogo?

Há anos, os capitais que controlam o sistema econômico mundial vêm conduzindo um processo de digitalização e financeirização da economia. A crise de 2008 revelou os níveis de concentração e centralização do capital mundial em um punhado de bancos e fundos de investimento, controlando a rede financeira transnacional.

Esses mesmos atores financeiros fomentaram a criação de “indústrias intensivas em conhecimento”, desencadeando a chamada quarta revolução industrial. Tudo isso foi acelerado com o isolamento causado pela pandemia de covid-19. A partir daí, grande parte de nossas relações (econômicas, políticas e sociais) passaram a ser mediadas pela virtualidade.

O mundo está, portanto, passando por uma transformação estrutural. Esses mesmos bilionários chamam isso de “transição tecnológica, climática e socioeconômica”. Ninguém pode negar que essa transição decorre do vertiginoso desenvolvimento das forças produtivas da nascente revolução tecnológica e do surpreendente salto na composição orgânica do capital, que permite a digitalização, a virtualização e a automação dos processos econômicos. Em suma, o salto na escala científico-tecnológica promoveu um processo que está transformando profundamente as relações sociais de produção.

Segundo um infográfico elaborado em 2020 por Andrés Llorente, acadêmico que analisa o mercado financeiro, três grandes fundos de investimento globais (BlackRock, State Street e Vanguard) representam, juntos, 19,81% do índice de ações industriais (Dow Jones) de Wall Street. O estudo mostra, por sua vez, a presença de cada um desses fundos, em proporções semelhantes, nas principais empresas de setores estratégicos da indústria mundial.

Articulados em uma complexa rede financeira, esses fundos concentram o controle de setores estratégicos, como a conectividade 5G e 6G, inteligência artificial, chips, semicondutores, dispositivos, plataformas de serviços de internet, indústria aeroespacial, bio e nanotecnologia, energia de transição e agricultura tecnológica (AgroTech).

Este emaranhado financeiro e tecnológico configura um sistema baseado em transformação digital, hiperconectividade, sistemas ciberfísicos, além de robótica colaborativa e sensível. Todos esses desdobramentos são decisivos para definir quem conformará a fração do capital que acumula e detém o poder econômico no século XXI, já iniciado.

Quais projetos estão competindo por esta reconfiguração?

O contexto pandêmico revelou, mais do que qualquer episódio ou conflito, tudo o que está em jogo. Quemcontrolar esses setores tecnológicos estratégicos vai definir quem será o grande vencedor do século em curso.

Como a Guerra do Vietnã, as lutas de libertação no terceiro mundo, a quebra dos acordos de Bretton Woods e a conversão do dólar em moeda hegemônica, a crise do petróleo de 1973, aentrada da China no capitalismo mundial a partir da estratégia de Deng Xiaoping de “um país, dois sistemas”, a ascensão da doutrina neoliberal com Reagan e Thatcher à frente do sistema institucional anglo-americano e a dissolução da União Soviética marcaram, como um todo, o fim da chamada “Era de Ouro” do capitalismo pós-guerra. A crise global causada pela pandemia iniciou a consolidação definitiva de uma nova fase do capital.

É no marco desse capitalismo em sua nova fase digital que se intensificam as lutas pela governança global, enquadradas na já conhecida tensão entre Estados Unidos e China, mais como redes financeiras e tecnológicas do que como Estados. Está se delineando uma nova geopolítica mundial, com a mudança do centro de gravidade para o eixo da Ásia-Pacífico.

Pode-se afirmar, em outras palavras, que o centro de poder formado por uma nova aristocracia financeira e tecnológica ultrapassou amplamente os Estados. A luta intercapitalista, ou seja, a luta entre as diferentes frações do capital para impor sua visão consubstanciada em um projeto estratégico, não se restringe a limites territorialmente definidos nos Estados, mas se constitui em uma rede que existe acima e apesar deles.

Essa nova personificação se enfrenta em dois blocos de poder, duas visões de mundo que expressam seus interesses em programas políticos: o digital financeirizado da Huawei e o digital financeirizado daAmazon. Esclarecemos, no entanto, que a complexidade do comportamento desta realidade requer a superação de leituras lineares para sua abordagem.

Esses dois blocos de poder expressam seu interesse por meio de dois projetos estratégicos para o mundo, com uma sede territorial nos Estados Unidos e outra na China, também conhecida como “as duas rotas”.

Uma rota, a do projeto digital financeirizado da Huawei, com sede na China, mas com capitais globais e com grande influência do Partido Comunista Chinês, lançou “A Nova Rota da Seda”, ou “Rota Digital da Seda”, como a descreveu Xi Jinping: “uma proposta global de integração em infraestrutura, economia e finanças”.

Depois do chamado milagre chinês, sua escala não parou mais de crescer. Agora, este projeto é baseado no plano de desenvolvimento para 2035, elaborado pelo gigante asiático, que propõe aumentar o investimento em setores de tecnologia cruciais, incluindo veículos inteligentes, novos robôs, big data, investigação biológica e agricultura molecular.

A outra rota, o projeto digital financeirizado da Amazon, com sede nos Estados Unidos, encabeça a chamada “Rota do Megabyte”, já anunciada por Trump em 2019. Seu sucessor, Joe Biden, assumiu o projeto e lançou uma proposta de infraestrutura que acrescenta, por exemplo, um investimento de 50 bilhões de dólares para desenvolver a indústria de semicondutores. Em junho de 2021, graças a uma iniciativa norte-americana, o G7 lançou o plano B3W ou “Reconstruir Melhor para o Mundo”, um projeto direcionado a nações da América Latina, Caribe, África e Indo-Pacífico.

Em seu discurso ao Congresso em abril deste ano, Biden disse que “estamos competindo com a China e outros países para vencer o Século XXI”. No entanto, e ao contrário do bom senso e da agenda pública, a disputa entre os Estados Unidos e a China não diminuiu o investimento de capital dos grandes fundos de investimento globais nos dois países. Ao menos no ano passado, aconteceu exatamente o contrário.

Um informe da empresa de investigação Rhodium Group, divulgado em fevereiro de 2021 pelo jornal britânico Financial Times, mostrou a profundidade dos laços de investimento entre os Estados Unidos e a China, além das estatísticas oficiais. Este relatório afirma que “a dinâmica do capital supera em muito a retórica competitiva que as duas potências podem apresentar em termos geopolíticos, já que, apesar de todos os esforços do governo Trump, os investimentos dos Estados Unidos na China só aumentaram”, conclui.

Por exemplo, em setembro passado, a Black Rock se tornou a primeira administradora de ativos estrangeiros a operar um negócio de propriedade integral na indústria de fundos mútuos da China, um negócio de3,6 trilhões de dólares. Os dados mostram que a rede financeira tem capacidade de interpenetração e controle além dos limites dos países.

Enquanto os dois projetos acima mencionados desenham o futuro do planeta, os Estados funcionam como cadeias de suprimentos. Suas funções são adquirir dívidas, vender produtos, especular com títulos e, claro, construir paliativos para as dolorosas condições de vida em que vivem as grandes maiorias sociais.

De fato, as grandes figuras dessa nova aristocracia financeira e tecnológica se confrontam entre si e utilizam os Estados como instrumento a partir do qual sanções, leis antitruste, controle de dados e listas negras de empresas são implementadas como instrumentos para essa disputa.

Para onde estão nos levando?

O mundo que procuram impor inclui cidades inteligentes, interligadas através de 6G, com o teletrabalho como modo de vida, a internet das coisas, a digitalização absoluta da vida doméstica, do trabalho, a vida educacional e social. Esses níveis de conectividade criam as condições para um aumento da hipervigilância e do controle e previsão de nossos comportamentos. Uma espécie de panóptico foucaultiano em cada dispositivo.

Shoshana Zuboff, professora emérita da Escola de Negócios de Harvard, descreveu em seu livro “The Era of Surveillance Capitalism” como “as empresas tornam-se capazes de influenciar e modificar o comportamento individual e coletivo, em escala. Uma vez que controlam espaços críticos de conexão e comunicação, conseguem impor uma intervenção direta na autonomia humana”. Ela completa dizendo que as empresas capturam nossos dados e nos devolvem “com mensagens destinadas a ajustar, manipular e modificar nossas atitudes, minando nossa própria capacidade de agir e pensar por nós mesmos”.

A revolução tecnológica em curso afirma, por si só, que existem as condições para resolver os grandes problemas da humanidade. Mas, por outro lado, no Fórum Econômico Mundial de Davos, que aconteceu em fevereiro de 2021, foram listadas oito previsões para o futuro, entre as quais a primeira era que: “em 2030, você não terá nada, mas você será feliz”.

Esta revolução do capital já mostra suas consequências. Por um lado, a obsolescência cada vez mais evidente dos modelos de produção e consumo, como é o caso da energia fóssil, onde chega a ser considerada a aplicação de um imposto sobre o carbono pela utilização deste tipo de combustível. Uma crise que traz consigo o aumento dos preços da energia, a expansão dos processos inflacionários e a escassez de alimentos e produtos.

O aumento das desigualdades é outra consequência. A concentração de riqueza não é uma novidade, mas a pandemia aprofundou as desigualdades. O Banco Mundial estima que os surtos sucessivos de covid-19 aumentaram o número de cidadãos que vivem em extrema pobreza em 100 milhões, chegando a um total de 711 milhões, a maioria vivendo na África e na Ásia. Os pobres do mundo representam dezesseis vezes a população da Argentina.

Enquanto isso, os 10% mais ricos da população concentram 76% da riqueza mundial, conforme revelado pela Oxfam em seu relatório publicado em 10 de janeiro de 2020. Ou seja, cerca de 2 mil bilionários do mundo têm mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas.

Só em 2020, 255 milhões de pessoas perderam seus empregos, e se espera que em 2022 haverá mais de 100 milhões de pessoas se mudando do seu local de origem e solicitando asilo como refugiados.

As projeções da OIT (Organização Internacional do Trabalho), em um relatório sobre o “Emprego Mundial e Perspectivas Sociais: Tendências para 2021” indicam que o déficit de empregos resultante da crise global chegará a 75 milhões quando se tenha um balanço final de 2021. Também se espera que esse índice caia para 23 milhões em 2022.

A correspondente escassez de jornada de trabalho, que engloba a escassez de empregos e a redução de horas, equivale a 100 milhões de empregos de tempo integral em 2021, e 26 milhões de empregos de tempo integral em 2022. Soma-se a esse cenário os níveis persistentes de desemprego, subutilização da força de trabalho e más condições de trabalho, dilemas que já estavam vigentes antes da pandemia. O número de desempregados no mundo em 2022 está projetado em 205 milhões, bem acima dos 187 milhões de 2019.

Em apenas nove meses, as mil pessoas com as maiores fortunas do mundo já haviam recuperado as perdas econômicas causadas pela pandemia de covid-19, enquanto as pessoas mais pobres poderiam precisar de mais de uma década para se recuperar dos impactos econômicos, segundo um relatório da Oxfam publicado em janeiro de 2021.

Na América Latina e no Caribe, 20% da população concentra 83% da riqueza. O número de bilionários na região cresceu de 27 para 104 desde 2000. Em nítido contraste, a pobreza extrema está aumentando. Em 2019, 66 milhões de pessoas – ou seja, 10,7% da população – viviam em extrema pobreza, segundo dados da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe).

A política do medo e da incerteza também se estabeleceu como uma das consequências que terão maior impacto a longo prazo. Em um estado de guerra multidimensional, o controle de nossos corpos e mentes torna-se um objetivo estratégico. O medo se torna uma arma poderosa de controle social. A mídia e as redes sociais afetam a psique coletiva, desarticulam o tecido social e manipulam a opinião pública.

Depressão, pânico, ansiedade, angústia, fobias, são os diagnósticos frequentes que, em 2020, impulsionaram o aumento do consumo de psicofármacos. Somente na Argentina, durante a pandemia de covid-19, o clonazepam e o alprazolam figuraram entre os 15 psicotrópicos mais vendidos no país, e “os pedidos pelos produtos desse grupo farmacológico aumentaram 6,5%, ou seja, o mercado foi ampliado em 6,9 milhões de unidades”.

É evidente que as consequências desse processo de concentração econômica afetam de forma significativa, principalmente as classes subalternas, cada vez mais alienadas, mais separadas de sua produção.

A máscara que não deixa ver

A vida concebida em termos de consumo, não só de substâncias, mas também de mercadoria, impõe o ideal de felicidade em torno da posse de dinheiro, mostrando o paradigma da ostentação, a “felicidade”exposta em fotos com “filtros” nas redes sociais.

É claro que essas condições são acessíveis apenas a uma pequena minoria. Não poder realizar esse sonho faz com que as pessoas adoeçam, se desumanizem e se frustrem enormemente, levando a comportamentos como o vício, a banalização, o individualismo e uma série de valores que revelam até que ponto é o capitalismo que está doente.

A relação entre pessoas (entre corpos) é dominada pela mercantilização. Marx fala do dinheiro como uma forma que “oculta, em vez de revelar, o caráter social dos empregos privados e, portanto, as relações sociais entre os trabalhadores individuais”. Desse modo, realiza-se a manifestação fetichista do capitalismo, onde, ao não observar que os bens são produto de uma relação social, eles substituem o sujeito. O objeto mercadoria é personificado, separando o sujeito do objeto.

Basta, portanto, obter o objeto, como se fosse algo mágico, místico, que se consegue com dinheiro, e que, agora, é levado até a sua casa pelas plataformas de comércio eletrônico. Nessa relação, o indivíduo é apenas a personificação do dinheiro. E tudo isso gerando uma aparente sensação de “liberdade”. Uma realidade que nos parece mascarada, mistificada, oculta. Por trás desse sistema de relações, o “sentimento” de igualdade e liberdade se esvai, e a coerção surge como elemento central para a reprodução do sistema.

É irreversível?

Com o desenvolvimento alcançado a nível científico e tecnológico, a humanidade poderá viver na prosperidade. As pessoas podem usufruir de dignas condições sociais, ambientais, sanitárias, educacionais e de trabalho, tecendo redes territoriais, respeitando a natureza e os demais, consolidando outra forma de desenhar a sociedade humana.

Uma comunidade organizada que aproveita a liberdade potencial conferida pelo desenvolvimento tecnológico atual, onde o trabalho vivo necessário (capital variável) para a produção da riqueza social é cada vez mais reduzido. Não é por acaso que centenas de centrais sindicais em todo o mundo lutam por jornadas de trabalho reduzidas e semanas de trabalho inferiores a quatro dias.

No entanto, os processos de acumulação e concentração, inerentes ao desenvolvimento do capitalismo como sistema, só são possíveis à custa da fome e do sofrimento de grandes maiorias. O capital sabe que a exploração econômica é a principal variável da dominação política. A revolução tecnológica acelera o processo de apropriação da riqueza por aqueles poucos bilionários, algo que o discurso “libertário” contemporâneo coloca como “digno”, “natural” e “inevitável”, e, portanto, impossível de modificar. Mas, a história é sempre produto da ação de homens e mulheres.

Isso possibilita o desenvolvimento de uma individualidade comunitária, coletiva, geradora de consciência social e promotora de crises com a matriz da “sede por dinheiro sem dinheiro”, criando condições para que essa “sede” seja coletivizada e rompa os laços místicos, mágicos apreendidos e impostos. Observar o desenvolvimento disso tem a ver com a habilidade de romper com o sentido comum.

Os corpos predispostos ao coletivo, à comunidade, estabelecem uma    relação material com a realidade. São formados como sujeitos, estabelecendo a relação com os objetos do mundo, não mais mediados pela necessidade dos outros de ser um corpo que produz e consome, mas pela necessidade organizada de ser um corpo que produz poder, de transformar as relações sociais de produção, de desvendar suas forças místicas e deixar a máscara cair de uma vez por todas.

*Paula Giménez é psicóloga, mestra em Segurança e Defesa Nacional, e em Segurança Internacionale Estudos Estratégicos. Matías Caciabue é cientista político e professor da Universidade de Hurlingham. Ambos são investigadores do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

*Publicado originalmente em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli

 

Acordo de Glasgow: Compromisso Climático dos Povos

O quadro institucional utilizado por governos, organizações internacionais e por todo o sistema económico para a crise climática está a falhar em manter o aquecimento global abaixo dos 1,5 ou 2°C até 2100. Desde o seu aparecimento, que países desenvolvidos e empresas poluidoras, como a indústria de combustíveis fósseis, têm orquestrado o falhanço sistemático deste quadro institucional. Em vez disso, foi criada uma ilusão de ação climática, enquanto os passos decisivos continuam a ser adiados e as emissões de gases com efeito estufa continuam a aumentar. Como resultado de décadas de interferência por estes intervenientes, os compromissos já fracos têm sido continuamente desprezados e, assim, os principais acordos institucionais para as alterações climáticas, nomeadamente o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris, não produziram a redução nas emissões globais de gases com efeito estufa que é necessária para travar os piores impactos das alterações climáticas. O Acordo de Paris é apenas um procedimento e não será capaz de atingir o seu próprio objetivo, de prevenir as piores consequências das alterações climáticas.

Centenas de governos, municípios e organizações declararam emergência climática. Protestos massivos nas ruas de todo o mundo também alertaram, repetidamente, para a necessidade da tomada de ação decisiva por justiça climática até 2030 e para o consenso científico sobre a necessidade de cortar 50% das emissões globais de gases com efeito estufa, dentro deste período. Para alcançar alguma medida destes objetivos, nenhum projeto ou infraestrutura de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) pode ser desenvolvido. Este poderoso movimento pela justiça climática precisa de ferramentas novas e fortalecidas para lidar com estas contradições fundamentais e para reverter a narrativa global da impotência institucional, transformando-a em poder social que possa trazer consigo uma mudança duradoura.

Como tal, as organizações 1 e movimentos sociais subscritoras assumem:

1. O quadro político para estes cortes necessários e ações climáticas será o da justiça climática,

que se define como uma exigência social e política que defende a redistribuição de poder, de conhecimento e de bem-estar. Propõe uma nova noção de prosperidade dentro dos limites naturais e distribuição justa de recursos, defendendo uma verdadeira ligação entre os sistemas de conhecimento tradicionais e ocidentalizados. A justiça climática exige uma ciência pública e participativa que responde às necessidades da humanidade e da Terra, em particular, para travar a crise climática. Assim sendo:

  • Reconhece a interdependência de todas as espécies, afirma a necessidade de reduzir com o objetivo de eliminar, a produção de gases com efeito de estufa e poluentes locais associados;
  • Reconhece e integra a economia dos cuidados na vida quotidiana, defendendo a responsabilidade compartilhada das pessoas, independentemente da sua identidade de género, para com o cuidado e as atividades de manutenção, não só dentro de casa, mas também na sociedade - a justiça climática coloca a vida no centro;
  • Apoia as mudanças estruturais na sociedade necessárias para reparar séculos de racismo estrutural, colonialismo e imperialismo – a justiça climática é justiça racial;
  • Compreende a economia como sendo um subsistema do ambiente, e não o contrário, defendendo o planeamento democrático2 baseado nas necessidades reais, substituindo a opressão, a imposição e a apropriação pela cooperação, solidariedade e ajuda mútua;
  • Defende uma transição justa para quem trabalha atualmente nos setores que precisam ser desmantelados, reconfigurados ou reduzidos, providenciando a sua subsistência nas diferentes economias e sociedades, introduzindo a democracia energética3 e a suficiência energética4. Esta transição deve ser baseada na equidade e na justiça, reparando os danos do passado e garantindo a subsistência dos/as trabalhadores/as e das comunidades no futuro, com a necessária transição de uma economia extractivista para uma sociedade climaticamente segura, construindo poder económico e político para criar uma economia regenerativa;
  • Significa recuperar o conhecimento das comunidades indígenas, promovendo os efeitos benéficos da atividade humana pragmática sobre os ciclos de vida e os ecossistemas;
  • Defende a introdução de reparações para comunidades e povos na linha de frente do colonialismo, da globalização e da exploração, reconhecendo que existe uma dívida histórica e ecológica que deve ser paga ao Sul Global, e que as origens de tais dívidas devem ser travadas;
  • Reconhece que os efeitos do colapso climático se fazem sentir aqui e agora. As comunidades mais pobres do mundo estão a perder as suas casas e meios de subsistência, a sofrer danos nas suas terras e na sua cultura, e precisam urgentemente de financiamento. A solidariedade e a pressão globais são necessárias para denunciar as empresas e os governos responsáveis pelas perdas e danos nestas comunidades, e para dar voz às pessoas e áreas mais afetadas;
  • Defende a proteção, liberdade de movimento e os direitos sociais, políticos e cívicos de todas as pessoas migrantes;
  • Defende a soberania alimentar como direito dos povos de definir a sua política agrícola e alimentar, sem qualquer “dumping” em relação a países terceiros;
  • Opõe-se ao crescimento económico exponencial e ilimitado – refletido atualmente na soberania do capital -, entendendo o capitalismo como incompatível com os princípios do sistema de vida;
  • Recusa o capitalismo verde e “soluções” por ele propostas (sejam elas geoengenharia “baseada na natureza”, trocas de carbono, mercados de carbono ou outras) e o extrativismo5;

2. Tomar nas suas próprias mãos a necessidade de cortar coletivamente as emissões de gases com efeito estufa e manter os combustíveis fósseis no solo.

Ao participar no Acordo de Glasgow, as organizações manterão o foco principal fora da luta institucional, ou seja, fora das negociações com os governos e com as Nações Unidas.

3. A produção de um inventário

dos principais setores e emissores de gases com efeito estufa e os seus projetos futuros em cada território, que serão depois divulgados a nível nacional e internacional. Haverá um grupo de trabalho técnico para apoiar e acompanhar a elaboração deste inventário.

4. A produção de uma agenda climática territorial a partir do inventário.

A agenda climática é um plano de ação, elaborado por comunidades, movimentos e organizações que trabalham no terreno, e que é baseado no inventário das maiores fontes de emissão de gases com efeito estufa (existentes e planeadas) na sua área de atuação. O seu objetivo é colocar-nos no caminho certo para nos mantermos abaixo dos 1,5ºC de aquecimento global até 2100, dentro de um quadro claro de justiça climática.

5. Que a não-cooperação política e económica, bem como a intervenção não violenta, em particular a desobediência civil, são as principais ferramentas para o cumprimento do Acordo de Glasgow.

Ao mesmo tempo, reconhecemos que, para os grupos oprimidos e para aquelas pessoas que vivem em sociedades mais opressivas, é muito mais difícil participar na desobediência civil. A estratégia de desobediência civil6 é apenas uma forma de atingir o objetivo do Acordo de Glasgow.

Além disso, reconhecemos que a estratégia de desobediência civil tem sido utilizada há muito tempo, sob vários nomes, por muitas pessoas antes de nós, particularmente em comunidades marginalizadas e no Sul Global, e não seríamos capazes de nos juntar a esta luta sem os seus sacrifícios passados e contemporâneos, as suas ações sucessivas contra as alterações climáticas através das suas lutas para manter os combustíveis fósseis no subsolo e a sua resistência a outras causas do aquecimento global;

6. Definir as suas próprias estratégias e táticas locais e nacionais

sobre a forma de implementar a agenda climática e para apelar ao apoio de outras organizações pertencentes ao Acordo de Glasgow (nacional e internacionalmente). As organizações do Norte Global sublinham o seu compromisso em apoiar as organizações do Sul Global, através da solidariedade com a luta existente e abordando diretamente projetos liderados por governos, empresas ou bancos sediados no Norte Global.


Notas:

As indicações dos cortes territoriais necessários serão baseadas em metodologias como o Paris Equity Check, que propõe contribuições nacionais equitativas baseadas em emissões históricas e capacidade.

Três meses depois da assinatura do acordo de Glasgow, todos os membros terão produzido o seu primeiro inventário territorial de principais emissores e de novos projetos. Em seguida, será iniciado o processo de construção da agenda climática correspondente, com informações sobre as prioridades para o encerramento e a transformação. Em cada território, os membros irão produzi-los coletivamente. As informações serão centralizadas num site público do Acordo de Glasgow e reportadas diretamente a todos os membros.

Haverá grupos de trabalho que receberão comunicações de todas as organizações sobre a assistência necessária. As assembleias globais, regionais e territoriais serão usadas como espaço de estratégia e de coordenação.


Definições:


  1. Neste contexto, as organizações são diferentes tipos de grupos, tais como movimentos sociais, coletivos, grupos de base, associações, comunidades, organizações não-governamentais, tanto formais quanto informais, locais, regionais, nacionais ou internacionais, de uma natureza sem fins lucrativos, excluindo partidos políticos e entidades religiosas. ↩︎

  2. Definimos planeamento democrático como a plena participação dos trabalhadores e da sociedade na vida produtiva da comunidade. A direção e o controlo da economia devem ser realizados por acordo, persuasão, participação, consulta e outros métodos democráticos livres. ↩︎

  3. Soberania energética é o direito dos indivíduos, comunidades e povos conscientes de tomarem as suas próprias decisões sobre a produção, a distribuição e o consumo de energia de forma adequada às suas circunstâncias ecológicas, sociais, económicas e culturais, desde que não afetem outros negativamente. ↩︎

  4. A suficiência energética é um estado em que as necessidades básicas das pessoas por serviços de energia são atendidas de forma equitativa, enquanto, ao mesmo tempo, os impactos do sistema energético não excedem os limites ambientais. ↩︎

  5. O extrativismo é entendido como uma forma de produção baseada na extração cada vez maior de materiais e de excedentes, desconsiderando todos os impactos no meio ambiente e na sociedade. ↩︎

  6. Neste contexto, a desobediência civil é definida como uma ação pública não violenta, intencional e justificada, dirigida a governos, empresas públicas e privadas e infraestruturas, que pretendemos utilizar como último recurso, uma vez que ações passadas mostraram que o poder político e económico tem sido inflexível e apático em relação à crise ambiental global. Nós interpretamos a desobediência civil como uma tática coletiva utilizada com sinceridade e convicção moral, que defende a justiça entre pessoas livres e iguais, e que consiste em ações cuidadosamente escolhidas usando meios legítimos não violentos. Seremos abertos e responsáveis pelos nossos atos de desobediência civil e agiremos em solidariedade com outras pessoas que enfrentam repressão ou consequências legais pelas suas ações de desobediência civil. Dada a emergência climática e ecológica, acreditamos de que a inação é criminosa e que somos responsáveis se não violarmos as leis que estabelecem, protegem ou amplificam o colapso do nosso contexto ambiental global. ↩︎