quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

A Grande Caravana pela Justiça Climática

A crise climática já está sobre nós. Nunca como hoje fcou tão claro que o mundo em que as sociedades modernas foram construídas já não existe. As alterações climáticas são o momento que defne a Humanidade: este é o momento em que tudo vai mudar, desde os indivíduos às nossas sociedades,chegando ao núcleo dos nossos sistemas económicos e políticos. Ou mudamos tudo, ou um clima inabalável irá mudar tudo contra nós.

Chegou a hora de nos fazermos à estrada.

De acordo com a ciência, é perfeitamente possível parar o colapso do clima. É também a maior tarefa jamais colocada a qualquer geração de pessoas vivas neste planeta. Precisamos de o fazer agora. Governos, instituições internacionais, empresas privadas, empresas multinacionais e instituições fnanceiras estão demasiado ligados à manutenção do capitalismo para serem o veículo desta mudança. Assim, todas as iniciativas para travar esta crise falharam repetidamente, à medida que a situação se agravou. Mas as pessoas, os movimentos sociais e as organizações populares são o instrumento chave para a mudança de sistema de que temos vindo a falar há tantos anos.

Em 2022 fazemo-nos à estrada. O Acordo de Glasgow - uma plataforma global de movimentos e organizações de base pela justiça climática em todos os continentes - apela à organização descentralizada de caravanas, para afrmar uma nova Primavera dos povos. Marcharemos por vales e montanhas, em todos os continentes, para nos ligarmos directamente às comunidades atingidas pela crise climática nos seus muitos aspectos - desde secas, inundações, incêndios forestais, subida do nível do mar, colapso da biodiversidade, degradação da água, até a confitos e migrações - e para confrontarmos os criadores desta crise existencial. Iremos fazer-nos à estrada durante duas semanas a um mês, abordando as principais questões e confrontando os principais poluidores em territórios de todo o mundo.

Esta caravana global terá formatos diferentes, ajustando-se às características, movimentos e lutas de cada território. Queremos estar lá, onde a crise climática é mais sentida, com os protectores dos territórios, da água, dos solos, das forestas, dos animais, com os protectores da vida e das pessoas. Queremos construir justiça climática na linha da frente, e queremos desafar os mercadores da morte do capitalismo - fóssil, industrial, extrativista, ou seja lá o que for que se pinte com ela. Marcaremos nos nossos caminhos algumas das infra-estruturas de maior emissão nos nossos territórios - poços de petróleo e gás, minas, refnarias, portos, centrais eléctricas a carvão e gás, empresas de cimento e papel, siderúrgicas, químicas, agricultura intensiva e pecuária. Apontaremos também a destruição ambiental, o corte e destruição de forestas, a degradação dos ecossistemas e a destruição dos meios de subsistência das pessoas.

A única forma de vencer a luta pela justiça climática, a luta por um futuro, é fazermo-nos à estrada e criarmos uma história comum com as comunidades que estão nesta luta há muito tempo. É falar de justiça climática nas lutas concretas em cada território. Para travar o caos climático, precisamos de um movimento maior e mais forte do que o mundo alguma vez viu, mais forte do que este frágil sistema alguma vez experimentou. Precisamos de um movimento popular e efcaz, activo e empenhado na construção de um futuro para a Humanidade e para o Sistema Terra.

Chegou a hora de nos fazermos à estrada.

Marcharemos para encontrar outros, bem como nós próprios, para fortalecer a nossa determinação, para nos empenharmos cada vez mais na luta pelas nossas vidas. Precisamos de construir as nossaspontes, de construir as nossas alianças, de conhecer os nossos pontos fortes e a nossa determinação.

Apelamos a todos os movimentos e organizações empenhados na justiça social, histórica e climática para que atendam a este apelo e marchem connosco, para percorrer a pé as ruas, as zonas rurais, as aldeias e os bairros de lata, para envolver-se com as comunidades nas linhas da frente das crises permanentes deste sistema. Apelamos também a todos os movimentos e organizações para irem à fonte física da crise climática - as fábricas e máquinas expulsoras de fumo cuja continuação signifca o nosso desaparecimento colectivo.

Apelamos a todos os movimentos e organizações para que se façam à estrada.

Precisamos de vencer para que a civilização sobreviva e foresça! Juntem-se a nós na Grande Caravana pela Justiça Climática!

 

sábado, 18 de dezembro de 2021

1961 - INÍCIO DA GUERRA COLONIAL - FASCISTA

Uma guerra inútil e à partida perdida, como o definiram os próprios comandantes das Forças Armadas de então e que, por isso, foram afastados, pela facção Salazarista. 

Segundo Fernando Rosas, "... a guerra colonial iria originar um duplo efeito contraditório: em termos imediatos, decepada a hierarquia reformista das Forças Aramadas e reposto o controle do regime sobre elas, salvara-o; a prazo, o seu prolongamento, sem solução admissível que não fosse a de continuar, ditaria o fim do Estado Novo, mesmo na sua versão de tentativa liberalizadora que o marcelismo representaria.

Em segundo lugar, ainda que sobrevivendo, o regime não revive, não conquista, como no passado, um novo alento, fruto do restabelecimento da unidade no seu seio e do alargamento dos seus apoios. Salazar tentara ainda a velha fórmula de equilíbrio na sequência da «abrilada» de 1961 chegara a convidar Caetano (que recusa) para ministro da Economia, promovera o jovem reformador colonial, Adriano Moreira, a titular do Ultramar e vai guardando nas pastas económicas alguns marcelistas (como Dias Rosas ou Mota Veiga) ou homens de formação moderna e desenvolvimentistas (como Teixeira Pinto). Mas o essencial era inegociável e incontornável: Moreira é afastado em fins de 1962, mais as suas propostas moderadamente descentralizadoras e reformistas; (...). E todo o regime, essencialmente apoiado na ultradireita civil e militar, colonialista e integrista, se crispa repressivamente, se fecha tanto mais quanto maior é o isolamento interno e externo - «orgulhosamente sós».

A guerra colonial - fascista vai desencadear-se na Guiné-Bissau em 1963 e em Moçambique em 1964, devido à recusa, por parte da ditadura, em negociar a autonomia, com vista à independência, com os movimentos de libertação. 

 A guerra colonial - fascista causou a morte a cerca de 60 mil pessoas, incluindo militares, guerrilheiros e civis, mas permitiu a pilhagem, por mais 13 anos, aos então Donos de Portugal, enquanto a esmagadora maioria das portuguesas e portugueses, que trabalhavam, viviam em condições miseráveis e os seus filhos iam para a destruição e morte. 

Como o demonstra o seguinte relato:

«Chinteya, uma rapariga de quatro anos, assustada, chora Um soldado, simulando compaixão, aproxima-se e, acariciando a criança, pergunta-lhe se estás com fome. Sem, porém, esperar a resposta, continua: "Toma o biberão". E metendo à força o cano duma arma de fogo pela boca da criança, diz: "Chupa! E dispara. A criança cai com um rombo na nuca

 Não foi Chinteya a única vítima tratada assim; várias outras tiveram a mesma sorte.»

Do relatório dos padres da missão de S. Pedro sobre os massacres de Tete de 16/19 de Dezembro de 1972. 

E, como é do conhecimento de todos, a guerra colonial -fascista está na origem do movimento dos capitães que levou a cabo o golpe de Estado que derrubou a ditadura colonial-fascista. Isto é, foi a luta dos movimentos de libertação dos povos das Nações que estiveram subjugadas pelo colonialismo português que contribuíram, decididamente, para o derrube da ditadura colonial-fascista. Esta também oprimia, perseguia, prendia, torturava, assassinava, explorava e mantinha na miséria a esmagadora maioria das portuguesas e portugueses, que sobreviviam da força do seu trabalho.

Fontes: História de Portugal, Direcção de José Mattoso; Autor: Fernando Rosas, VII vol., Círculo de Leitores, 1994, p. 540; e,

Documentos Secretos - Massacres na Guerra Colonial - Tete, um exemplo, Organização, introdução de notas de José Amaro, Edição e Coordenação de José Fortunato: Distribuição: Ulmeiro, 1976, p. 3.

 

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021


Manifestação em Lisboa – Transportes Públicos Para Todos

Às 15:00 do dia 19 de Dezembro saímos de novo às ruas numa marcha do Príncipe Real até ao Cais do Sodré!

A mobilidade é um direito!

A transição energética exige um novo paradigma nos transportes públicos, mas as políticas actuais estão longe de ser compatíveis com esta necessidade. 

Somos confrontados com uma realidade de frotas velhas e com poucas condições, com horários escassos, atrasos sistemáticos e com sobrelotamentos que põem em risco a nossa saúde. A fraca rede de transportes públicos reforça o isolamento social das comunidades mais marginalizadas, nas quais a oferta é praticamente, se não mesmo, inexistente, representando um sério entrave à coesão territorial nacional. A verdade é que o investimento actual se resume a insuficientes melhorias que manterão os transportes públicos em segundo plano. 

Portugal é o segundo país onde mais se usa o carro em toda a União Europeia. Por falta de condições, vemo-nos obrigados a optar pelo transporte individual que, para além de provocar graves problemas de congestionamento, é responsável por uma fatia significativa das nossas emissões nacionais de gases com efeito de estufa. 


Uma solução efectiva para a crise climática e para a mobilidade nunca passará pela massificação de carros elétricos ou impostos “verdes”, mas sim por uma aposta e investimento na nossa rede de transportes públicos. A predominância do transporte colectivo é a única opção viável a longo prazo. 

Este Natal exigimos uma mudança de cenário.


É necessário um investimento musculado para estender as frotas, estender as rotas e aumentar a frequência dos horários. É necessário tornar os transportes públicos gratuitos, de forma a torná-los mais acessíveis e a incentivar ainda mais a sua utilização. Quanto aos trabalhadores, é inquestionável, são necessários mais e com melhores condições de trabalho.


Este Natal não queremos promessas vazias, este Natal exigimos os transportes a que temos direito.

Por um país mais sustentável, mais acessível e coeso, reivindicamos transportes públicos para todos!


No próximo dia 19 sai à rua e vem lutar connosco!

sábado, 11 de dezembro de 2021

POLLINIS



Notícias da nossa luta

POR UMA AGRICULTURA SEM PESTICIDAS QUE RESPEITE OS POLINIZADORES
Boletim de Notícias




PARE A EXTINÇÃO



A todas as pessoas,

Um impasse crucial para a democracia e o direito à informação de todos os cidadãos está ocorrendo neste exato momento em Bruxelas: a Comissão Europeia e os representantes dos países europeus mantêm firmemente a omerta sobre as negociações sobre a autorização de pesticidas e proteção das abelhas ...

... para o benefício exclusivo dos lobistas da indústria e contra todos os princípios democráticos !

Para forçar o acesso a documentos que são de interesse direto para os cidadãos, e que a Comissão Europeia continua a nos recusar deliberadamente, POLLINIS recorreu ao Tribunal de Justiça da União Europeia para garantir que o nosso direito fundamental de sermos mantidos informados de tudo seja reconhecido e respeitado, o que se negocia e que diz respeito diretamente às abelhas e à biodiversidade, ao NOSSO meio ambiente e à NOSSA saúde!

Nesta luta decisiva pelo respeito dos nossos direitos fundamentais, perante uma Comissão Europeia que insiste na protecção do trabalho paralelo dos lobistas da indústria, POLLINIS conta com o apoio da Provedora de Justiça Europeia Emily O'Reilly, que se pronunciou firmemente a favor dos nossos demandas.

Influência secreta . Há 8 anos, a indústria agroquímica vem utilizando regras de sigilo para influenciar os representantes dos ministérios da agricultura dos países europeus, e para bloquear a adoção de novos procedimentos que permitem FINALMENTE avaliar correta e realmente, a periculosidade dos agrotóxicos nas abelhas e outros essenciais polinizadores. Atualizados, esses " testes de abelhas " provavelmente teriam a consequência direta de prejudicar os enormes lucros dos agroquímicos multinacionais.

Todas as informações sobre o intenso lobbying das empresas e os escandalosos compromissos dos Estados-Membros são, portanto, mantidas em segredo pela Comissão Europeia, que continua a recusar o acesso da POLLINIS ao processo e aos relatórios das negociações, apesar de ter remetido ao mediador. União Europeia , o que provou que estávamos certos e apesar da nossa ação judicial em curso para obter estes documentos .

Um caso clássico de abuso de sigilo, com desrespeito aos seres vivos e ao direito dos cidadãos à informação, recentemente tomado como exemplo pela Sra. O'Reilly durante uma conferência sobre transparência na União Europeia:

1 milhão de assinaturas para a iniciativa de cidadania europeia

O Provedor de Justiça Europeu não escondeu a sua exasperação com a recusa da Comissão em publicar os documentos essenciais para os cidadãos solicitados pela POLLINIS.

Compromissos . Nenhuma regra obriga os Estados-Membros a justificar a suspensão, sob pressão da indústria , de protocolos que manteriam os pesticidas mais perigosos fora do mercado e poupariam abelhas e polinizadores. Os representantes dos países europeus podem, portanto, jogar um jogo duplo, convocando publicamente, perante os seus eleitores, a protecção da biodiversidade, ao mesmo tempo que defendem os interesses dos industriais em Bruxelas. Isso foi demonstrado em uma conferência online de polinizadores organizada pelo Parlamento Europeu. Convidados pelo eurodeputado Martin Hojsík a exprimir a sua posição sobre a protecção das abelhas e dos polinizadores, os representantes dos países europeus presentes fecharam-se num silêncio muito constrangedor para todos os que assistiram ao local. À parte a confortável opacidade dos salões de Bruxelas, o silêncio é necessário: nenhum Estado se atreve a aceitar os seus compromissos com a indústria!

Debate público . Para contrariar a evidente influência do agronegócio nessas deliberações de suma importância para as abelhas, é, portanto, vital que esses debates sejam conduzidos de forma transparente, em público ou em cinema, com relatos oficiais de todas as discussões, como deve acontecer em qualquer instituição democrática. A mobilização de várias ONGs e do Parlamento Europeu obrigou os ministros da agricultura europeus a se pronunciarem publicamente sobre a “taxa de mortalidade aceitável” para colônias de abelhas expostas a um pesticida. No centro das atenções, os estados tiveram que deixar de lado as demandas ultrajantes da indústria - que queria um pesticida que mata até 23% de uma colmeia ainda poderia ser permitido! - e teve que adotar um compromisso , ainda insuficiente para o POLLINIS , mas bem abaixo das reivindicações dos lobbies.

Espalhando © Shutterstock

Para a indústria, o desaparecimento de quase um quarto das abelhas das colônias sob efeito de agrotóxicos é considerado "aceitável". © Shutterstock

Luta de longo prazo. Hoje, como os processos de autorização de pesticidas continuam subestimando sua periculosidade, e os temidos neonicotinóides destruidores de abelhas, proibidos pela União Européia, continuam a ser exportados para países de baixa renda por meio de mastodontes agroquímicos, POLLINIS continua sua mobilização e demandas, com você e mais mais de 300.000 cidadãos mobilizados , a adoção imediata de testes que eliminam definitivamente os pesticidas que matam as abelhas. Por favor, compartilhe nossa petição com dois ou três parentes que possam estar interessados ​​nesta luta, para colocar pressão implacável sobre as autoridades em favor dos seres vivos.

 

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

A tecnologia não nos vai salvar de nada – João Camargo

Em 1793 Eli Whitney, um professor e engenheiro nos Estados Unidos, inventou o descaroçador de algodão. Houve quem tivesse interpretado a invenção como um avanço tecnológico que poderia ser um passo em frente na abolição da escravatura, já que uma componente bastante relevante do trabalho escravo até então era justamente separar os caroços do algodão para o mesmo poder ser transformado. O resultado, no entanto, foi o contrário: com o trabalho de descaroçar simplificado, todo o processo acelerou e os proprietários de escravos aumentaram drasticamente as áreas plantadas no Sul dos Estados Unidos, aumentando a quantidade de escravos para números nunca antes vistos e provocando uma degradação ambiental pesada nos territórios cultivados com esta monocultura. Os lucros dos proprietários de escravos tornaram-se estratosféricos e a população de pessoas escravizadas passou de cerca de 700 mil em 1790 para quase 4 milhões no início da Guerra Civil americana. A tecnologia foi simplesmente cooptada pela estrutura de poder para reforçar o status quo.

Não existem tecnologias neutras. Existem, quanto muito, tecnologias de mais difícil controle como monopólios, mas mesmo estas podem ser subvertidas pelo patenteamento e pela propriedade. É mais fácil controlar um monopólio energético se se for proprietário de uma infraestrutura de produção e de uma rede de distribuição. Mais fácil se torna ainda se a fonte dessa energia for de difícil acesso, como por exemplo uma mina de carvão, uma plataforma petrolífera no meio do mar ou um campo de petróleo e gás que necessita de infraestrutura pesada e perigosa e pessoal muito qualificado para operar. Por isso também a indústria fóssil foi a rocha sobre a qual se erigiu a economia do capitalismo moderno.

Por outro lado, se considerarmos por exemplo a energia solar e eólica, cujas fontes pelo menos teoricamente se prestam a dificilmente ser monopolizadas, vemos na mesma emergir três padrões principais de subversão:

  • o controlo da tecnologia que permite a sua captura;
  • a exigência da produção massiva de aparelhos que permitem a sua captura e transformação;
  • a reprodução do modelo energético fóssil reconstituído com fontes renováveis.

Não precisamos olhar muito longe para perceber como o problema se pode avolumar olhando para a história de outra fonte de energia não fóssil: a hídrica. A construção desenfreada de barragens por todo o mundo, em dimensões cada vez maiores teve como efeito concreto transformar o que era de todos (a água), numa mercadoria controlada por muito poucos (os operadores , sejam públicos ou privados), com os rios a serem aprisionados, provocando a degradação das massas de água por todo o mundo, a ruptura da conectividade dos rios, a disrupção por vezes irreversível dos ciclos de vida de vários animais e plantas, a falta de acesso a água a várias comunidades que estavam adaptadas aos ciclos naturais e a interrupção da alimentação dos deltas e dos litorais, ficando os nutrientes e sedimentos que mantinham as linhas de costa e várias espécies marinhas aprisionados nos paredões. As grandes barragens também modificaram a nível local os ciclos hidrológicos, criando novos fenómenos climáticos e promovendo o aumento da evaporação das águas paradas e sua degradação com aumento de matéria biológica em decomposição. As dimensões crescentes das barragens levaram à expropriação de terras e destruição de alguns dos solos mais ricos e férteis do mundo, aqueles próximos de rios e deltas, para poder inundar essas áreas ou pelo menos torná-las potencialmente inundáveis. Para mimetizar o carácter de “pilha” dos combustíveis fósseis, uma nova geração de projectos hidráulicos passou a ter dois paredões, bombando para montante a água, mantendo-a ainda mais contida e degradada.

A construção de novas barragens e constante crescimento de capacidade instalada de produção de origem hídrica em nada afectou a expansão da produção eléctrica com base em fósseis, que continua a crescer (aliás, a fatia de energia hídrica no mix energético global é cada vez menor). Uma tecnologia potencialmente benéfica – ou pelo menos não tão destrutiva como os fósseis – foi transformada num catalisador de catástrofes sociais e ambientais para satisfazer os imperativos do poder e do status quo. Apesar de estar inequivocamente estabelecido que todos os cenários de alterações climáticas apontam para um aumento de escassez de água, novas barragens continuam a ser construídas, com um aumento muito assinalável de novas infraestruturas previstas até 2030 (um aumento de emissões de gases com efeito de estufa é expectável, associado aos primeiros 10 a 15 anos das novas barragens, em particular nos reservatórios tropicais, onde estão muitos dos novos projectos).

A previsão de aumento de preponderância também existe naturalmente para as energias renováveis. Os projectos anunciados e os modelos de produção previstos para a energia solar e eólica preparam, grosso modo, a reprodução das piores características do modelo fóssil: a recriação de sistemas de produção de grande capacidade, ocupando largas áreas de solo (em particular no solar), e mantendo as grandes e ineficientes redes de distribuição sob o controlo de entidades comerciais (pública ou privada) que determinam os preços conforme uma série de factores de alienação. Para compensar a falta de capacidade de armazenamento das renováveis, preparam-se uma série de processos paralelos com os seus próprios impactos devastadores, em particular a mineração para obtenção de lítio, cobalto, cobre e outras matérias primas, mas também a ideia da produção em massa de veículos eléctricos, os sonhos do hidrogénio e da amónia. Os próprios materiais para produzir painéis ou ventoinhas na escala que o sistema exige para se manter inalterado necessitarão de uma quantidade descomunal de matérias-primas que anunciam um novo assalto aos solos, subsolos e comunidades por todo o mundo.

Mas a ideia não é sequer substituir os fósseis por renováveis, é continuar a aumentar a disponibilidade de energia, seja fóssil, renovável, hídrica, nuclear ou outra. Isto é perfeitamente ilustrado pela proposta da Galp de avançar agora para a refinação simultânea de petróleo e lítio em Sines. Não existe cenário contemplado por qualquer governo que implique a estabilização da energia ou da produção. Todos, todos contemplam um aumento da energia e da produção em geral. Este é o cenário que todos os governos e todas as instituições prevêem para o tempo em que vivemos. Poderíamos dizer que são irrealistas pelos evidentes constrangimentos materiais que já existem, mas eles são muito mais do que isso, são a manifestação da pulsão suicida do capitalismo.

Não existe nenhuma versão deste modelo económico, produtivo e visão do mundo que não implique a mercantilização de todas as dimensões da vida e da natureza, nenhuma versão que não ponha o lucro crescente à frente da sobrevivência. Não existe nenhuma estrutura accionista que não entre em pânico quando não veja crescimento económico imediato e previsto para os próximos anos e a próxima década. A promessa do lucro vindouro num mundo em colapso é a contradição final do sistema capitalista.

A tecnologia não nos vai salvar de nada. Todas as tecnologias são simplesmente cooptadas pela estrutura de poder vigente para reforçar o status quo, não têm características autónomas. A única maneira da tecnologia servir para algo no sentido de travar a crise climática é se este sistema e este status quo forem destruídos, abolindo a mercantilização e a propriedade das infraestruturas e sistemas comuns, para poderem ser libertados para fornecer aquilo de que verdadeiramente necessitamos e não aquilo que é útil para as elites económicas e políticas usarem para consolidar o seu poder. Nesse sentido, não vale a pena olhar para as tecnologias como se pertencessem ao reino da magia. Elas não nos salvarão de nada, mesmo que tenham como base boas ideias – dentro deste sistema elas só alimentarão a degradação social e ambiental, garantindo o colapso. Não há nenhum atalho, nenhum acidente que resolva esta crise civilizacional. Só a acção concertada e completamente intencional de construir um novo mundo depois de desmantelado este status quo e esta estrutura de poder nos pode abrir as portas a um futuro digno e justo.


Artigo originalmente publicado no Expresso a dia 6 de Dezembro de 2021.

Lei de Bases do Clima legisla o esgotamento do orçamento de carbono de Portugal em 2026.

Comunicado | Lei de Bases do Clima legisla o esgotamento do orçamento de carbono de Portugal em 2026.

Depois de meses de trabalho e negociações dentro do parlamento, com celebrações de vitória depois da votação final no plenário, contas simples revelam que a nova Lei de Bases do Clima no melhor caso reduz em dois anos o fim do orçamento de carbono para Portugal.

*

O governo português tinha planos para neutralidade carbónica 2050 e também um Plano Nacional de Energia e Clima 2030, ambos com metas de cortes nas emissões. Agora, depois de meses de negociações e com os votos a favor de quase todos os partidos no parlamento, declarou “um passo em frente”, com um consenso entre partidos de que vão acabar com o orçamento de carbono de Portugal em cinco a quinze anos, oficializado com a publicação da lei.

Antes da Lei de Bases do Clima

Em Agosto de 2021, o Climáximo preparou um relatório, “Orçamento do Carbono vs. Políticas Climáticas: Quanto tempo temos ainda?”, em que comparou a ciência climática de 1,5 ºC e as políticas climáticas actuais. De acordo com as contas que analisaram as metas anunciadas do governo e os números do último relatório do IPCC, chegámos às seguintes conclusões:

  • Se considerarmos um cenário de emissões cumulativas iguais per capita, o orçamento a acaba em 2026.
  • Se considerarmos um cenário de emissões iguais per capita, o orçamento para Portugal acabaria em 2035.
  • Se consideramos justiça global, o orçamento já está esgotado (o orçamento já é negativo).
  • Há mais cenários no relatório, em que o orçamento continua negativo.

Depois da Lei de Bases do Clima

De acordo com as metas nacionais de mitigação na Lei de Bases do Clima, actualizamos as contas de seguinte forma:

  • No cenário de emissões cumulativas per capita, o orçamento acaba em 2026 na mesma.
  • No cenário de emissões per capita, o orçamento acaba em 2037 (dois anos adicionais face às políticas anteriores).
  • No cenário de justiça global, o orçamento continua negativo.

A nossa pergunta então é: o que é que estes políticos celebraram?

Celebraram porque consagraram na lei que vão empurrar-nos para o abismo do caos climático em uma década? Celebraram porque, ao mesmo tempo que aprovarem o mesmo prazo para acabar com o orçamento de carbono, entretanto conseguiram legislar mecanismos de mercado para fazer as pessoas a pagar a crise climática? Celebraram porque estão a mentir na nossa cara e acham que ninguém repara?

*

Com esta nota, o Climáximo apela a políticas públicas baseadas na realidade física e não na manutenção das relações de poder, e reconhece que quem está inserido nelas e depende do status quo actual não vai resolver a crise climática.

Os políticos estão a mentir. Sabem que estão a mentir. Sabem que nós sabemos que estão a mentir.


Imagem produzida via Carbon Budget Calculator de acordo com as metas anunciadas na Lei.

domingo, 5 de dezembro de 2021

SEM MEMÓRIA SOMOS NADA...

Memória

No 110.º aniversário do Sindicato do Pessoal do Arsenal da Marinha

No início de dezembro de 1911 nascia um dos grandes sindicatos operários da cidade de Lisboa, até ser dissolvido pela ditadura de Salazar (em 1934).

A trabalhadores até então dispersos por organizações de diferentes ofícios, trazia o modelo do sindicato de empresa. Também reuniu trabalhadores da Cordoaria Nacional, em Belém. Mas foi sobretudo o sindicato de pessoal do Arsenal da Marinha, à época ainda instalado na margem norte do Tejo, entre o Cais do Sodré e o Terreiro do Paço.

Na capital de um país industrialmente atrasado, particularmente no sector metalúrgico, as indústrias militares (da marinha e do exército) ocuparam um especial lugar de vanguarda pela sua dimensão e capacidade técnica. E entre os seus trabalhadores se reuniram importantes núcleos militantes.

Arsenalistas da marinha, como António Marques Batista, estiveram presentes nas lutas da primeira experiência de central sindical e de sindicalismo de classe em Portugal, em 1872: a “Fraternidade Operária”, liderada por José Fontana.

Estiveram também na revolução republicana de 5 de outubro de 1910. Como José Santos Belém, civil que “na primeira hora da revolução” participou no assalto ao quartel de infantaria 16, em Campo de Ourique, “sendo, até final do movimento, o companheiro dos primeiros soldados que levantaram as armas contra a monarquia” [O Mundo, 18/11/1912, p.3].

Depois, na linha da frente da resistência contra a ditadura militar e a ditadura de Salazar salientou-se o arsenalista da marinha Bento Gonçalves, que foi secretário-geral do PCP e morreu prisioneiro do campo de concentração do Tarrafal (em 1942).

Os exemplos abundam. E na história da A Voz do Operário também há um importante contributo de arsenalistas da marinha.

Joaquim Gomes

Joaquim Gomes colaborou n’A Voz do Operário quase desde o início (1879) e até ao final da sua vida (1913).

Foi neste jornal um importante defensor das ideias socialistas, sempre apelando à consciência de classe dos trabalhadores. Evocava por vezes memórias do tempo da Fraternidade Operária e guardava um grande respeito por José Fontana.

Aquando da fundação do sindicato do Arsenal da Marinha, Joaquim Gomes já estaria reformado. Mas no seu tempo foi um activo sindicalista metalúrgico, chegando a presidir a uma associação de operários ferreiros.

Agostinho de Carvalho

Entre os sócios que mais contribuíram para que A Voz do Operário conseguisse ultrapassar o desafio de sobreviver sob uma ditadura de tipo fascista, na difícil década de 1930, esteve o arsenalista da marinha Agostinho de Carvalho. Foi nessa altura presidente da direção, da assembleia-geral e do conselho fiscal desta sociedade.

Já no início do século XX ele se empenhou noutro desafio que à época marcou A Voz do Operário: estabelecer a igualdade de direitos entre todos os sócios. Na altura só uma pequena minoria, os que eram operários tabaqueiros, tinham direito de ser eleitos para os corpos sociais.

Agostinho de Carvalho era tio do célebre anarco-sindicalista Emídio Santana, mas teve ele próprio uma notável história militante.

Em 1898, por exemplo, foi um dos fundadores da cooperativa que criou o primeiro jornal diário operário em Portugal, A Luta (lançado no 1º de Maio de 1900).

Destacado sindicalista metalúrgico no tempo da monarquia, foi um dos muitos militantes operários que então se empolgaram com a luta republicana. Preso político sob a ditadura de João Franco (ainda no reinado de D. Carlos), foi depois candidato a deputado da lista “radical” nas primeiras eleições da República (em 1911). Mas o novo regime não correspondeu às suas expectativas, até voltou a ser preso político. E em 1917 aderia ao velho Partido Socialista Português.

Agostinho de Carvalho era o sócio nº1 do Sindicato do Arsenal da Marinha. A ele coube inaugurar um retrato de Lénine na sede desse sindicato (em 1919).

Abílio Alves de Lima

Entre 1954 e 1974, o 1º secretário da assembleia-geral da Voz do Operário foi um indivíduo discreto mas com um notável currículo sindical e anti-fascista: Abílio Alves de Lima.

Ele tinha sido o secretário-geral do sindicato do Arsenal da Marinha em 1923 e de novo em 1930, além de seu delegado ao conselho da CGT (entre 1923 e 1925).

Fora também um dos fundadores da corrente sindical pró-comunista (em 1923).

Era um homem que tinha ido à Rússia dos Sovietes. Foi lá como delegado do seu sindicato ao 4º congresso da Internacional Sindical Vermelha, em 1928. E lá, em Moscovo, proferiu um discurso que reflecte bem as dificuldades e as divisões que afectavam o movimento sindical português. Segundo um resumo publicado à época, Abílio Alves de Lima:

“Assinalou a crescente repressão contra o movimento sindical, por parte do governo fascista. A actividade dos partidários da Internacional Sindical Vermelha em Portugal sofre da falta de dirigentes capazes. É necessário criar um novo centro nacional geral do movimento sindical, pois a confederação anarco-sindicalista portuguesa já não existe” [Humanité, 26/03/1928, p.3]

Segundo ele próprio contou mais tarde, ao regressar da Rússia, Abílio Alves de Lima aderiu ao PCP com Bento Gonçalves e organizaram a célula deste partido no Arsenal da Marinha. Daí, partiram para a reorganização que em 1929 lançou o PCP na resistência clandestina à ditadura. Enquanto Bento Gonçalves se tornou secretário-geral do partido, Abílío Alves de Lima assumiu a liderança da secção portuguesa do Socorro Vermelho Internacional [O Eco do Arsenal, Junho 1974, pp. 25/6].

 Artigo originalmente publicado no A Voz do Operário a dia 03 de Dezembro.