quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

A Grande Caravana pela Justiça Climática

A crise climática já está sobre nós. Nunca como hoje fcou tão claro que o mundo em que as sociedades modernas foram construídas já não existe. As alterações climáticas são o momento que defne a Humanidade: este é o momento em que tudo vai mudar, desde os indivíduos às nossas sociedades,chegando ao núcleo dos nossos sistemas económicos e políticos. Ou mudamos tudo, ou um clima inabalável irá mudar tudo contra nós.

Chegou a hora de nos fazermos à estrada.

De acordo com a ciência, é perfeitamente possível parar o colapso do clima. É também a maior tarefa jamais colocada a qualquer geração de pessoas vivas neste planeta. Precisamos de o fazer agora. Governos, instituições internacionais, empresas privadas, empresas multinacionais e instituições fnanceiras estão demasiado ligados à manutenção do capitalismo para serem o veículo desta mudança. Assim, todas as iniciativas para travar esta crise falharam repetidamente, à medida que a situação se agravou. Mas as pessoas, os movimentos sociais e as organizações populares são o instrumento chave para a mudança de sistema de que temos vindo a falar há tantos anos.

Em 2022 fazemo-nos à estrada. O Acordo de Glasgow - uma plataforma global de movimentos e organizações de base pela justiça climática em todos os continentes - apela à organização descentralizada de caravanas, para afrmar uma nova Primavera dos povos. Marcharemos por vales e montanhas, em todos os continentes, para nos ligarmos directamente às comunidades atingidas pela crise climática nos seus muitos aspectos - desde secas, inundações, incêndios forestais, subida do nível do mar, colapso da biodiversidade, degradação da água, até a confitos e migrações - e para confrontarmos os criadores desta crise existencial. Iremos fazer-nos à estrada durante duas semanas a um mês, abordando as principais questões e confrontando os principais poluidores em territórios de todo o mundo.

Esta caravana global terá formatos diferentes, ajustando-se às características, movimentos e lutas de cada território. Queremos estar lá, onde a crise climática é mais sentida, com os protectores dos territórios, da água, dos solos, das forestas, dos animais, com os protectores da vida e das pessoas. Queremos construir justiça climática na linha da frente, e queremos desafar os mercadores da morte do capitalismo - fóssil, industrial, extrativista, ou seja lá o que for que se pinte com ela. Marcaremos nos nossos caminhos algumas das infra-estruturas de maior emissão nos nossos territórios - poços de petróleo e gás, minas, refnarias, portos, centrais eléctricas a carvão e gás, empresas de cimento e papel, siderúrgicas, químicas, agricultura intensiva e pecuária. Apontaremos também a destruição ambiental, o corte e destruição de forestas, a degradação dos ecossistemas e a destruição dos meios de subsistência das pessoas.

A única forma de vencer a luta pela justiça climática, a luta por um futuro, é fazermo-nos à estrada e criarmos uma história comum com as comunidades que estão nesta luta há muito tempo. É falar de justiça climática nas lutas concretas em cada território. Para travar o caos climático, precisamos de um movimento maior e mais forte do que o mundo alguma vez viu, mais forte do que este frágil sistema alguma vez experimentou. Precisamos de um movimento popular e efcaz, activo e empenhado na construção de um futuro para a Humanidade e para o Sistema Terra.

Chegou a hora de nos fazermos à estrada.

Marcharemos para encontrar outros, bem como nós próprios, para fortalecer a nossa determinação, para nos empenharmos cada vez mais na luta pelas nossas vidas. Precisamos de construir as nossaspontes, de construir as nossas alianças, de conhecer os nossos pontos fortes e a nossa determinação.

Apelamos a todos os movimentos e organizações empenhados na justiça social, histórica e climática para que atendam a este apelo e marchem connosco, para percorrer a pé as ruas, as zonas rurais, as aldeias e os bairros de lata, para envolver-se com as comunidades nas linhas da frente das crises permanentes deste sistema. Apelamos também a todos os movimentos e organizações para irem à fonte física da crise climática - as fábricas e máquinas expulsoras de fumo cuja continuação signifca o nosso desaparecimento colectivo.

Apelamos a todos os movimentos e organizações para que se façam à estrada.

Precisamos de vencer para que a civilização sobreviva e foresça! Juntem-se a nós na Grande Caravana pela Justiça Climática!

 

sábado, 18 de dezembro de 2021

1961 - INÍCIO DA GUERRA COLONIAL - FASCISTA

Uma guerra inútil e à partida perdida, como o definiram os próprios comandantes das Forças Armadas de então e que, por isso, foram afastados, pela facção Salazarista. 

Segundo Fernando Rosas, "... a guerra colonial iria originar um duplo efeito contraditório: em termos imediatos, decepada a hierarquia reformista das Forças Aramadas e reposto o controle do regime sobre elas, salvara-o; a prazo, o seu prolongamento, sem solução admissível que não fosse a de continuar, ditaria o fim do Estado Novo, mesmo na sua versão de tentativa liberalizadora que o marcelismo representaria.

Em segundo lugar, ainda que sobrevivendo, o regime não revive, não conquista, como no passado, um novo alento, fruto do restabelecimento da unidade no seu seio e do alargamento dos seus apoios. Salazar tentara ainda a velha fórmula de equilíbrio na sequência da «abrilada» de 1961 chegara a convidar Caetano (que recusa) para ministro da Economia, promovera o jovem reformador colonial, Adriano Moreira, a titular do Ultramar e vai guardando nas pastas económicas alguns marcelistas (como Dias Rosas ou Mota Veiga) ou homens de formação moderna e desenvolvimentistas (como Teixeira Pinto). Mas o essencial era inegociável e incontornável: Moreira é afastado em fins de 1962, mais as suas propostas moderadamente descentralizadoras e reformistas; (...). E todo o regime, essencialmente apoiado na ultradireita civil e militar, colonialista e integrista, se crispa repressivamente, se fecha tanto mais quanto maior é o isolamento interno e externo - «orgulhosamente sós».

A guerra colonial - fascista vai desencadear-se na Guiné-Bissau em 1963 e em Moçambique em 1964, devido à recusa, por parte da ditadura, em negociar a autonomia, com vista à independência, com os movimentos de libertação. 

 A guerra colonial - fascista causou a morte a cerca de 60 mil pessoas, incluindo militares, guerrilheiros e civis, mas permitiu a pilhagem, por mais 13 anos, aos então Donos de Portugal, enquanto a esmagadora maioria das portuguesas e portugueses, que trabalhavam, viviam em condições miseráveis e os seus filhos iam para a destruição e morte. 

Como o demonstra o seguinte relato:

«Chinteya, uma rapariga de quatro anos, assustada, chora Um soldado, simulando compaixão, aproxima-se e, acariciando a criança, pergunta-lhe se estás com fome. Sem, porém, esperar a resposta, continua: "Toma o biberão". E metendo à força o cano duma arma de fogo pela boca da criança, diz: "Chupa! E dispara. A criança cai com um rombo na nuca

 Não foi Chinteya a única vítima tratada assim; várias outras tiveram a mesma sorte.»

Do relatório dos padres da missão de S. Pedro sobre os massacres de Tete de 16/19 de Dezembro de 1972. 

E, como é do conhecimento de todos, a guerra colonial -fascista está na origem do movimento dos capitães que levou a cabo o golpe de Estado que derrubou a ditadura colonial-fascista. Isto é, foi a luta dos movimentos de libertação dos povos das Nações que estiveram subjugadas pelo colonialismo português que contribuíram, decididamente, para o derrube da ditadura colonial-fascista. Esta também oprimia, perseguia, prendia, torturava, assassinava, explorava e mantinha na miséria a esmagadora maioria das portuguesas e portugueses, que sobreviviam da força do seu trabalho.

Fontes: História de Portugal, Direcção de José Mattoso; Autor: Fernando Rosas, VII vol., Círculo de Leitores, 1994, p. 540; e,

Documentos Secretos - Massacres na Guerra Colonial - Tete, um exemplo, Organização, introdução de notas de José Amaro, Edição e Coordenação de José Fortunato: Distribuição: Ulmeiro, 1976, p. 3.

 

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021


Manifestação em Lisboa – Transportes Públicos Para Todos

Às 15:00 do dia 19 de Dezembro saímos de novo às ruas numa marcha do Príncipe Real até ao Cais do Sodré!

A mobilidade é um direito!

A transição energética exige um novo paradigma nos transportes públicos, mas as políticas actuais estão longe de ser compatíveis com esta necessidade. 

Somos confrontados com uma realidade de frotas velhas e com poucas condições, com horários escassos, atrasos sistemáticos e com sobrelotamentos que põem em risco a nossa saúde. A fraca rede de transportes públicos reforça o isolamento social das comunidades mais marginalizadas, nas quais a oferta é praticamente, se não mesmo, inexistente, representando um sério entrave à coesão territorial nacional. A verdade é que o investimento actual se resume a insuficientes melhorias que manterão os transportes públicos em segundo plano. 

Portugal é o segundo país onde mais se usa o carro em toda a União Europeia. Por falta de condições, vemo-nos obrigados a optar pelo transporte individual que, para além de provocar graves problemas de congestionamento, é responsável por uma fatia significativa das nossas emissões nacionais de gases com efeito de estufa. 


Uma solução efectiva para a crise climática e para a mobilidade nunca passará pela massificação de carros elétricos ou impostos “verdes”, mas sim por uma aposta e investimento na nossa rede de transportes públicos. A predominância do transporte colectivo é a única opção viável a longo prazo. 

Este Natal exigimos uma mudança de cenário.


É necessário um investimento musculado para estender as frotas, estender as rotas e aumentar a frequência dos horários. É necessário tornar os transportes públicos gratuitos, de forma a torná-los mais acessíveis e a incentivar ainda mais a sua utilização. Quanto aos trabalhadores, é inquestionável, são necessários mais e com melhores condições de trabalho.


Este Natal não queremos promessas vazias, este Natal exigimos os transportes a que temos direito.

Por um país mais sustentável, mais acessível e coeso, reivindicamos transportes públicos para todos!


No próximo dia 19 sai à rua e vem lutar connosco!

sábado, 11 de dezembro de 2021

POLLINIS



Notícias da nossa luta

POR UMA AGRICULTURA SEM PESTICIDAS QUE RESPEITE OS POLINIZADORES
Boletim de Notícias




PARE A EXTINÇÃO



A todas as pessoas,

Um impasse crucial para a democracia e o direito à informação de todos os cidadãos está ocorrendo neste exato momento em Bruxelas: a Comissão Europeia e os representantes dos países europeus mantêm firmemente a omerta sobre as negociações sobre a autorização de pesticidas e proteção das abelhas ...

... para o benefício exclusivo dos lobistas da indústria e contra todos os princípios democráticos !

Para forçar o acesso a documentos que são de interesse direto para os cidadãos, e que a Comissão Europeia continua a nos recusar deliberadamente, POLLINIS recorreu ao Tribunal de Justiça da União Europeia para garantir que o nosso direito fundamental de sermos mantidos informados de tudo seja reconhecido e respeitado, o que se negocia e que diz respeito diretamente às abelhas e à biodiversidade, ao NOSSO meio ambiente e à NOSSA saúde!

Nesta luta decisiva pelo respeito dos nossos direitos fundamentais, perante uma Comissão Europeia que insiste na protecção do trabalho paralelo dos lobistas da indústria, POLLINIS conta com o apoio da Provedora de Justiça Europeia Emily O'Reilly, que se pronunciou firmemente a favor dos nossos demandas.

Influência secreta . Há 8 anos, a indústria agroquímica vem utilizando regras de sigilo para influenciar os representantes dos ministérios da agricultura dos países europeus, e para bloquear a adoção de novos procedimentos que permitem FINALMENTE avaliar correta e realmente, a periculosidade dos agrotóxicos nas abelhas e outros essenciais polinizadores. Atualizados, esses " testes de abelhas " provavelmente teriam a consequência direta de prejudicar os enormes lucros dos agroquímicos multinacionais.

Todas as informações sobre o intenso lobbying das empresas e os escandalosos compromissos dos Estados-Membros são, portanto, mantidas em segredo pela Comissão Europeia, que continua a recusar o acesso da POLLINIS ao processo e aos relatórios das negociações, apesar de ter remetido ao mediador. União Europeia , o que provou que estávamos certos e apesar da nossa ação judicial em curso para obter estes documentos .

Um caso clássico de abuso de sigilo, com desrespeito aos seres vivos e ao direito dos cidadãos à informação, recentemente tomado como exemplo pela Sra. O'Reilly durante uma conferência sobre transparência na União Europeia:

1 milhão de assinaturas para a iniciativa de cidadania europeia

O Provedor de Justiça Europeu não escondeu a sua exasperação com a recusa da Comissão em publicar os documentos essenciais para os cidadãos solicitados pela POLLINIS.

Compromissos . Nenhuma regra obriga os Estados-Membros a justificar a suspensão, sob pressão da indústria , de protocolos que manteriam os pesticidas mais perigosos fora do mercado e poupariam abelhas e polinizadores. Os representantes dos países europeus podem, portanto, jogar um jogo duplo, convocando publicamente, perante os seus eleitores, a protecção da biodiversidade, ao mesmo tempo que defendem os interesses dos industriais em Bruxelas. Isso foi demonstrado em uma conferência online de polinizadores organizada pelo Parlamento Europeu. Convidados pelo eurodeputado Martin Hojsík a exprimir a sua posição sobre a protecção das abelhas e dos polinizadores, os representantes dos países europeus presentes fecharam-se num silêncio muito constrangedor para todos os que assistiram ao local. À parte a confortável opacidade dos salões de Bruxelas, o silêncio é necessário: nenhum Estado se atreve a aceitar os seus compromissos com a indústria!

Debate público . Para contrariar a evidente influência do agronegócio nessas deliberações de suma importância para as abelhas, é, portanto, vital que esses debates sejam conduzidos de forma transparente, em público ou em cinema, com relatos oficiais de todas as discussões, como deve acontecer em qualquer instituição democrática. A mobilização de várias ONGs e do Parlamento Europeu obrigou os ministros da agricultura europeus a se pronunciarem publicamente sobre a “taxa de mortalidade aceitável” para colônias de abelhas expostas a um pesticida. No centro das atenções, os estados tiveram que deixar de lado as demandas ultrajantes da indústria - que queria um pesticida que mata até 23% de uma colmeia ainda poderia ser permitido! - e teve que adotar um compromisso , ainda insuficiente para o POLLINIS , mas bem abaixo das reivindicações dos lobbies.

Espalhando © Shutterstock

Para a indústria, o desaparecimento de quase um quarto das abelhas das colônias sob efeito de agrotóxicos é considerado "aceitável". © Shutterstock

Luta de longo prazo. Hoje, como os processos de autorização de pesticidas continuam subestimando sua periculosidade, e os temidos neonicotinóides destruidores de abelhas, proibidos pela União Européia, continuam a ser exportados para países de baixa renda por meio de mastodontes agroquímicos, POLLINIS continua sua mobilização e demandas, com você e mais mais de 300.000 cidadãos mobilizados , a adoção imediata de testes que eliminam definitivamente os pesticidas que matam as abelhas. Por favor, compartilhe nossa petição com dois ou três parentes que possam estar interessados ​​nesta luta, para colocar pressão implacável sobre as autoridades em favor dos seres vivos.

 

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

A tecnologia não nos vai salvar de nada – João Camargo

Em 1793 Eli Whitney, um professor e engenheiro nos Estados Unidos, inventou o descaroçador de algodão. Houve quem tivesse interpretado a invenção como um avanço tecnológico que poderia ser um passo em frente na abolição da escravatura, já que uma componente bastante relevante do trabalho escravo até então era justamente separar os caroços do algodão para o mesmo poder ser transformado. O resultado, no entanto, foi o contrário: com o trabalho de descaroçar simplificado, todo o processo acelerou e os proprietários de escravos aumentaram drasticamente as áreas plantadas no Sul dos Estados Unidos, aumentando a quantidade de escravos para números nunca antes vistos e provocando uma degradação ambiental pesada nos territórios cultivados com esta monocultura. Os lucros dos proprietários de escravos tornaram-se estratosféricos e a população de pessoas escravizadas passou de cerca de 700 mil em 1790 para quase 4 milhões no início da Guerra Civil americana. A tecnologia foi simplesmente cooptada pela estrutura de poder para reforçar o status quo.

Não existem tecnologias neutras. Existem, quanto muito, tecnologias de mais difícil controle como monopólios, mas mesmo estas podem ser subvertidas pelo patenteamento e pela propriedade. É mais fácil controlar um monopólio energético se se for proprietário de uma infraestrutura de produção e de uma rede de distribuição. Mais fácil se torna ainda se a fonte dessa energia for de difícil acesso, como por exemplo uma mina de carvão, uma plataforma petrolífera no meio do mar ou um campo de petróleo e gás que necessita de infraestrutura pesada e perigosa e pessoal muito qualificado para operar. Por isso também a indústria fóssil foi a rocha sobre a qual se erigiu a economia do capitalismo moderno.

Por outro lado, se considerarmos por exemplo a energia solar e eólica, cujas fontes pelo menos teoricamente se prestam a dificilmente ser monopolizadas, vemos na mesma emergir três padrões principais de subversão:

  • o controlo da tecnologia que permite a sua captura;
  • a exigência da produção massiva de aparelhos que permitem a sua captura e transformação;
  • a reprodução do modelo energético fóssil reconstituído com fontes renováveis.

Não precisamos olhar muito longe para perceber como o problema se pode avolumar olhando para a história de outra fonte de energia não fóssil: a hídrica. A construção desenfreada de barragens por todo o mundo, em dimensões cada vez maiores teve como efeito concreto transformar o que era de todos (a água), numa mercadoria controlada por muito poucos (os operadores , sejam públicos ou privados), com os rios a serem aprisionados, provocando a degradação das massas de água por todo o mundo, a ruptura da conectividade dos rios, a disrupção por vezes irreversível dos ciclos de vida de vários animais e plantas, a falta de acesso a água a várias comunidades que estavam adaptadas aos ciclos naturais e a interrupção da alimentação dos deltas e dos litorais, ficando os nutrientes e sedimentos que mantinham as linhas de costa e várias espécies marinhas aprisionados nos paredões. As grandes barragens também modificaram a nível local os ciclos hidrológicos, criando novos fenómenos climáticos e promovendo o aumento da evaporação das águas paradas e sua degradação com aumento de matéria biológica em decomposição. As dimensões crescentes das barragens levaram à expropriação de terras e destruição de alguns dos solos mais ricos e férteis do mundo, aqueles próximos de rios e deltas, para poder inundar essas áreas ou pelo menos torná-las potencialmente inundáveis. Para mimetizar o carácter de “pilha” dos combustíveis fósseis, uma nova geração de projectos hidráulicos passou a ter dois paredões, bombando para montante a água, mantendo-a ainda mais contida e degradada.

A construção de novas barragens e constante crescimento de capacidade instalada de produção de origem hídrica em nada afectou a expansão da produção eléctrica com base em fósseis, que continua a crescer (aliás, a fatia de energia hídrica no mix energético global é cada vez menor). Uma tecnologia potencialmente benéfica – ou pelo menos não tão destrutiva como os fósseis – foi transformada num catalisador de catástrofes sociais e ambientais para satisfazer os imperativos do poder e do status quo. Apesar de estar inequivocamente estabelecido que todos os cenários de alterações climáticas apontam para um aumento de escassez de água, novas barragens continuam a ser construídas, com um aumento muito assinalável de novas infraestruturas previstas até 2030 (um aumento de emissões de gases com efeito de estufa é expectável, associado aos primeiros 10 a 15 anos das novas barragens, em particular nos reservatórios tropicais, onde estão muitos dos novos projectos).

A previsão de aumento de preponderância também existe naturalmente para as energias renováveis. Os projectos anunciados e os modelos de produção previstos para a energia solar e eólica preparam, grosso modo, a reprodução das piores características do modelo fóssil: a recriação de sistemas de produção de grande capacidade, ocupando largas áreas de solo (em particular no solar), e mantendo as grandes e ineficientes redes de distribuição sob o controlo de entidades comerciais (pública ou privada) que determinam os preços conforme uma série de factores de alienação. Para compensar a falta de capacidade de armazenamento das renováveis, preparam-se uma série de processos paralelos com os seus próprios impactos devastadores, em particular a mineração para obtenção de lítio, cobalto, cobre e outras matérias primas, mas também a ideia da produção em massa de veículos eléctricos, os sonhos do hidrogénio e da amónia. Os próprios materiais para produzir painéis ou ventoinhas na escala que o sistema exige para se manter inalterado necessitarão de uma quantidade descomunal de matérias-primas que anunciam um novo assalto aos solos, subsolos e comunidades por todo o mundo.

Mas a ideia não é sequer substituir os fósseis por renováveis, é continuar a aumentar a disponibilidade de energia, seja fóssil, renovável, hídrica, nuclear ou outra. Isto é perfeitamente ilustrado pela proposta da Galp de avançar agora para a refinação simultânea de petróleo e lítio em Sines. Não existe cenário contemplado por qualquer governo que implique a estabilização da energia ou da produção. Todos, todos contemplam um aumento da energia e da produção em geral. Este é o cenário que todos os governos e todas as instituições prevêem para o tempo em que vivemos. Poderíamos dizer que são irrealistas pelos evidentes constrangimentos materiais que já existem, mas eles são muito mais do que isso, são a manifestação da pulsão suicida do capitalismo.

Não existe nenhuma versão deste modelo económico, produtivo e visão do mundo que não implique a mercantilização de todas as dimensões da vida e da natureza, nenhuma versão que não ponha o lucro crescente à frente da sobrevivência. Não existe nenhuma estrutura accionista que não entre em pânico quando não veja crescimento económico imediato e previsto para os próximos anos e a próxima década. A promessa do lucro vindouro num mundo em colapso é a contradição final do sistema capitalista.

A tecnologia não nos vai salvar de nada. Todas as tecnologias são simplesmente cooptadas pela estrutura de poder vigente para reforçar o status quo, não têm características autónomas. A única maneira da tecnologia servir para algo no sentido de travar a crise climática é se este sistema e este status quo forem destruídos, abolindo a mercantilização e a propriedade das infraestruturas e sistemas comuns, para poderem ser libertados para fornecer aquilo de que verdadeiramente necessitamos e não aquilo que é útil para as elites económicas e políticas usarem para consolidar o seu poder. Nesse sentido, não vale a pena olhar para as tecnologias como se pertencessem ao reino da magia. Elas não nos salvarão de nada, mesmo que tenham como base boas ideias – dentro deste sistema elas só alimentarão a degradação social e ambiental, garantindo o colapso. Não há nenhum atalho, nenhum acidente que resolva esta crise civilizacional. Só a acção concertada e completamente intencional de construir um novo mundo depois de desmantelado este status quo e esta estrutura de poder nos pode abrir as portas a um futuro digno e justo.


Artigo originalmente publicado no Expresso a dia 6 de Dezembro de 2021.

Lei de Bases do Clima legisla o esgotamento do orçamento de carbono de Portugal em 2026.

Comunicado | Lei de Bases do Clima legisla o esgotamento do orçamento de carbono de Portugal em 2026.

Depois de meses de trabalho e negociações dentro do parlamento, com celebrações de vitória depois da votação final no plenário, contas simples revelam que a nova Lei de Bases do Clima no melhor caso reduz em dois anos o fim do orçamento de carbono para Portugal.

*

O governo português tinha planos para neutralidade carbónica 2050 e também um Plano Nacional de Energia e Clima 2030, ambos com metas de cortes nas emissões. Agora, depois de meses de negociações e com os votos a favor de quase todos os partidos no parlamento, declarou “um passo em frente”, com um consenso entre partidos de que vão acabar com o orçamento de carbono de Portugal em cinco a quinze anos, oficializado com a publicação da lei.

Antes da Lei de Bases do Clima

Em Agosto de 2021, o Climáximo preparou um relatório, “Orçamento do Carbono vs. Políticas Climáticas: Quanto tempo temos ainda?”, em que comparou a ciência climática de 1,5 ºC e as políticas climáticas actuais. De acordo com as contas que analisaram as metas anunciadas do governo e os números do último relatório do IPCC, chegámos às seguintes conclusões:

  • Se considerarmos um cenário de emissões cumulativas iguais per capita, o orçamento a acaba em 2026.
  • Se considerarmos um cenário de emissões iguais per capita, o orçamento para Portugal acabaria em 2035.
  • Se consideramos justiça global, o orçamento já está esgotado (o orçamento já é negativo).
  • Há mais cenários no relatório, em que o orçamento continua negativo.

Depois da Lei de Bases do Clima

De acordo com as metas nacionais de mitigação na Lei de Bases do Clima, actualizamos as contas de seguinte forma:

  • No cenário de emissões cumulativas per capita, o orçamento acaba em 2026 na mesma.
  • No cenário de emissões per capita, o orçamento acaba em 2037 (dois anos adicionais face às políticas anteriores).
  • No cenário de justiça global, o orçamento continua negativo.

A nossa pergunta então é: o que é que estes políticos celebraram?

Celebraram porque consagraram na lei que vão empurrar-nos para o abismo do caos climático em uma década? Celebraram porque, ao mesmo tempo que aprovarem o mesmo prazo para acabar com o orçamento de carbono, entretanto conseguiram legislar mecanismos de mercado para fazer as pessoas a pagar a crise climática? Celebraram porque estão a mentir na nossa cara e acham que ninguém repara?

*

Com esta nota, o Climáximo apela a políticas públicas baseadas na realidade física e não na manutenção das relações de poder, e reconhece que quem está inserido nelas e depende do status quo actual não vai resolver a crise climática.

Os políticos estão a mentir. Sabem que estão a mentir. Sabem que nós sabemos que estão a mentir.


Imagem produzida via Carbon Budget Calculator de acordo com as metas anunciadas na Lei.

domingo, 5 de dezembro de 2021

SEM MEMÓRIA SOMOS NADA...

Memória

No 110.º aniversário do Sindicato do Pessoal do Arsenal da Marinha

No início de dezembro de 1911 nascia um dos grandes sindicatos operários da cidade de Lisboa, até ser dissolvido pela ditadura de Salazar (em 1934).

A trabalhadores até então dispersos por organizações de diferentes ofícios, trazia o modelo do sindicato de empresa. Também reuniu trabalhadores da Cordoaria Nacional, em Belém. Mas foi sobretudo o sindicato de pessoal do Arsenal da Marinha, à época ainda instalado na margem norte do Tejo, entre o Cais do Sodré e o Terreiro do Paço.

Na capital de um país industrialmente atrasado, particularmente no sector metalúrgico, as indústrias militares (da marinha e do exército) ocuparam um especial lugar de vanguarda pela sua dimensão e capacidade técnica. E entre os seus trabalhadores se reuniram importantes núcleos militantes.

Arsenalistas da marinha, como António Marques Batista, estiveram presentes nas lutas da primeira experiência de central sindical e de sindicalismo de classe em Portugal, em 1872: a “Fraternidade Operária”, liderada por José Fontana.

Estiveram também na revolução republicana de 5 de outubro de 1910. Como José Santos Belém, civil que “na primeira hora da revolução” participou no assalto ao quartel de infantaria 16, em Campo de Ourique, “sendo, até final do movimento, o companheiro dos primeiros soldados que levantaram as armas contra a monarquia” [O Mundo, 18/11/1912, p.3].

Depois, na linha da frente da resistência contra a ditadura militar e a ditadura de Salazar salientou-se o arsenalista da marinha Bento Gonçalves, que foi secretário-geral do PCP e morreu prisioneiro do campo de concentração do Tarrafal (em 1942).

Os exemplos abundam. E na história da A Voz do Operário também há um importante contributo de arsenalistas da marinha.

Joaquim Gomes

Joaquim Gomes colaborou n’A Voz do Operário quase desde o início (1879) e até ao final da sua vida (1913).

Foi neste jornal um importante defensor das ideias socialistas, sempre apelando à consciência de classe dos trabalhadores. Evocava por vezes memórias do tempo da Fraternidade Operária e guardava um grande respeito por José Fontana.

Aquando da fundação do sindicato do Arsenal da Marinha, Joaquim Gomes já estaria reformado. Mas no seu tempo foi um activo sindicalista metalúrgico, chegando a presidir a uma associação de operários ferreiros.

Agostinho de Carvalho

Entre os sócios que mais contribuíram para que A Voz do Operário conseguisse ultrapassar o desafio de sobreviver sob uma ditadura de tipo fascista, na difícil década de 1930, esteve o arsenalista da marinha Agostinho de Carvalho. Foi nessa altura presidente da direção, da assembleia-geral e do conselho fiscal desta sociedade.

Já no início do século XX ele se empenhou noutro desafio que à época marcou A Voz do Operário: estabelecer a igualdade de direitos entre todos os sócios. Na altura só uma pequena minoria, os que eram operários tabaqueiros, tinham direito de ser eleitos para os corpos sociais.

Agostinho de Carvalho era tio do célebre anarco-sindicalista Emídio Santana, mas teve ele próprio uma notável história militante.

Em 1898, por exemplo, foi um dos fundadores da cooperativa que criou o primeiro jornal diário operário em Portugal, A Luta (lançado no 1º de Maio de 1900).

Destacado sindicalista metalúrgico no tempo da monarquia, foi um dos muitos militantes operários que então se empolgaram com a luta republicana. Preso político sob a ditadura de João Franco (ainda no reinado de D. Carlos), foi depois candidato a deputado da lista “radical” nas primeiras eleições da República (em 1911). Mas o novo regime não correspondeu às suas expectativas, até voltou a ser preso político. E em 1917 aderia ao velho Partido Socialista Português.

Agostinho de Carvalho era o sócio nº1 do Sindicato do Arsenal da Marinha. A ele coube inaugurar um retrato de Lénine na sede desse sindicato (em 1919).

Abílio Alves de Lima

Entre 1954 e 1974, o 1º secretário da assembleia-geral da Voz do Operário foi um indivíduo discreto mas com um notável currículo sindical e anti-fascista: Abílio Alves de Lima.

Ele tinha sido o secretário-geral do sindicato do Arsenal da Marinha em 1923 e de novo em 1930, além de seu delegado ao conselho da CGT (entre 1923 e 1925).

Fora também um dos fundadores da corrente sindical pró-comunista (em 1923).

Era um homem que tinha ido à Rússia dos Sovietes. Foi lá como delegado do seu sindicato ao 4º congresso da Internacional Sindical Vermelha, em 1928. E lá, em Moscovo, proferiu um discurso que reflecte bem as dificuldades e as divisões que afectavam o movimento sindical português. Segundo um resumo publicado à época, Abílio Alves de Lima:

“Assinalou a crescente repressão contra o movimento sindical, por parte do governo fascista. A actividade dos partidários da Internacional Sindical Vermelha em Portugal sofre da falta de dirigentes capazes. É necessário criar um novo centro nacional geral do movimento sindical, pois a confederação anarco-sindicalista portuguesa já não existe” [Humanité, 26/03/1928, p.3]

Segundo ele próprio contou mais tarde, ao regressar da Rússia, Abílio Alves de Lima aderiu ao PCP com Bento Gonçalves e organizaram a célula deste partido no Arsenal da Marinha. Daí, partiram para a reorganização que em 1929 lançou o PCP na resistência clandestina à ditadura. Enquanto Bento Gonçalves se tornou secretário-geral do partido, Abílío Alves de Lima assumiu a liderança da secção portuguesa do Socorro Vermelho Internacional [O Eco do Arsenal, Junho 1974, pp. 25/6].

 Artigo originalmente publicado no A Voz do Operário a dia 03 de Dezembro.

sábado, 20 de novembro de 2021


Este é o tempo da Revolução Climática – João Camargo

O movimento de justiça climática deve abandonar definitivamente o processo da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climática, mais conhecido por COP – Conferências das Partes. A sua presença ali está a legitimar um aparelho antidemocrático, autoritário e repressivo que nunca irá produzir o que precisa de ser feito mesmo a nível técnico: o corte de emissões de 45-55% até 2030 em relação aos níveis de 2010 e o fim da utilização de combustíveis fósseis.

Hoje, a agenda das COP está totalmente limitada às novas narrativas para a abertura de novas fronteiras de exploração e acumulação capitalista: dos mercados de carbono às compensações de carbono, do capitalismo verde à mineração intensiva. O espaço da COP é o terreno para uma nova expropriação de terras a nível global, uma nova Conferência do Congo em que os países ricos desenham e decidem onde expandir-se, o que destruir de seguida no Sul Global e nos países mais pobres.

O movimento pela justiça climática cresceu em torno da história das COP e dos seus sucessivos fracassos, rejeitando o ambientalismo liberal e conservador que dominou durante muito tempo esta área, mas existe ainda assim uma melancolia em abandonar o passado por um futuro que ainda é incerto (sendo que a certeza de seguir as instituições é a garantia do colapso). As COP foram o local onde o movimento pela vez se reuniu, articulou, onde descobriu a natureza global da luta, partilhando as experiências e as ruas.

Mas precisamos olhar para a realidade. Em 1995, na COP1, em Berlim, as emissões de gases com efeito de estufa, na sua maioria provenientes da queima de petróleo, gás e carvão, foram claramente identificadas como a causa das alterações climáticas. Nessa COP foi proposto um compromisso juridicamente vinculativo de estabilização das emissões de gases com efeito de estufa nos níveis de 1990 até ao ano 2000 e uma redução desses níveis após o ano 2000. Bons, os tempos da ingenuidade.

Entretanto, mais de metade de todas as emissões históricas de CO2 desde o início da revolução industrial aconteceram desde a realização dessa COP. Essa é a verdadeira consequência da COP. Bem, não a única, porque a COP produziu também complacência e derrotismo.

No campo da justiça, como no das emissões, o processo das COP fez o contrário do seu propósito. Os mecanismos desenvolvidos ao longo de décadas – o Protocolo de Quioto, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, REDD+, todos reforçaram o extrativismo e o assalto de terras, o despejo e a expropriação de comunidades pobres de todo o mundo. Emissões neutras e mercados de carbono são o novo nome do jogo e o seu objectivo é proporcionar oportunidades económicas para as empresas privadas afundarem ainda mais os seus dentes na natureza e nas comunidades. Não se trata de um acidente, é o seu próprio desenho do processo.

Durante a COP26 foi anunciado que mais de 800 novos poços de petróleo e gás seriam explorados em várias novas fronteiras, desde a Amazónia ao Ártico em degelo. No final da COP, o governo dos Estados Unidos abriu o maior leilão de contratos de petróleo no mar da sua história. É isto.

Ao escolher Sharm-El-Sheik no Egipto e os UAE como próximos locais de reunião, está garantido que não haverá participação da sociedade civil na COP27 e COP28. A COP está morta para nós.

Mas não só. A COP usa explicitamente os movimentos sociais, apresentando a sua presença como prova visual de que se trata de um processo aberto, democrático e legítimo. Usa o movimento como álibi para a sua farsa.

As próximas duas COP, em 2022 e 2023 serão no Egipto e nos Emirados Árabes Unidos. No Egipto, o evento será num resort de luxo fechado em Sharm El-Sheik, organizado pelas mãos sangrentas da ditadura militar que esmagou a Revolução Egípcia no golpe de Estado de 2013. Depois, a COP passará para os Emirados Árabes Unidos, um petro-estado monárquico absolutista que defende as formas mais agudas de greenwashing, expansão da produção de combustíveis fósseis, repressão política e social, incluindo o apedrejamento e a flagelação.

Não há só um problema em participar nestes acontecimentos porque eles legitimam alguns dos governos mais repressivos e autoritários do mundo, há também o problema de continuar a legitimar o processo autoritário da COP. Mas essa questão está decidida por nós: ao escolher Sharm-El-Sheik no Egipto e os UAE como próximos locais de reunião, está garantido que não haverá participação da sociedade civil na COP27 e COP28. A COP está morta para nós.

Isto significa que o movimento pela justiça climática irá mudar. Alguns ainda acreditam que certos governos e estados podem ser persuadidos a melhorados, e isso pode ser verdade em alguns (poucos) contextos, mas o quadro institucional internacional foi objectivamente barrado ao movimento. Isto significa que não outro outro caminho para o movimento que não a mudança de sistema de que falamos há tanto tempo.

Afastar-se da COP é abandonar a agenda do capitalismo global, que não tem outro caminho além do que propõe há décadas: mercados de carbono, offsets de carbono e mecanismos especulativos cada vez maiores num contexto de intensificação da exploração da terra, das pessoas e dos combustíveis fósseis.

Isso significa que temos de construir a nossa agenda: Justiça Climática, Justiça Social, Transição Justa. Tudo isto é impossível em capitalismo, como o é, aliás, travar a crise climática e manter o planeta num rumo habitável, de menos de 1,5ºC de aumento de temperatura até 2100. É impossível com estas instituições, criadas para preservar a estabilidade e a normalidade do capitalismo. Estabilidade e normalidade neste tempo significam colapso.

O nosso programa, a nossa estratégia, as nossas táticas, têm de apontar a uma mobilização crescente e à disrupção, à criação da plataforma política e da organização internacional que permita um plano global de travar o colapso e criar as instituições que nos levarão à construção de uma nova economia e de uma nova sociedade. É muito? Claro. É complicado? Sem dúvida. Mas não assistiremos ao colapso na complacência e na espera daqueles que já provaram inequivocamente a sua incapacidade para salvar-se e salvar-nos.

O nosso tempo é agora, a nossa tarefa é a revolução.

A divisão histórica entre movimentos e partidos reformistas e revolucionários pouco significa hoje em dia, uma vez que a revolução tem sido largamente abandonada mesmo pelos movimentos que recrutam através de retórica revolucionária, fazendo da revolução um termo simbólico e não uma estratégia. A adopção de fórmulas de condições objectivas e subjectivas para uma revolução apenas levou a uma fetichização do passado e à táctica de não haver táctica de revolução. A aceitação do fim de grandes histórias e narrativas que construíram a modernidade significou a desistência de uma grande vitória. Vivemos entre pequenas vitórias e pequenas derrotas, rapidamente ultrapassadas e esquecidas para a próxima tendência e questão.

Afastar-se da COP é abandonar a agenda do capitalismo global, que não tem outro caminho além do que propõe há décadas: mercados de carbono, offsets de carbono e mecanismos especulativos cada vez maiores num contexto de intensificação da exploração da terra, das pessoas e dos combustíveis fósseis.

O capitalismo prospera com as pequenas histórias e interpretações diversas que mantêm sempre o grande quadro intocado. Fukuyama disse que a história tinha terminado e que o capitalismo tinha ganho, e todos começaram a agir como se fosse mesmo assim. O capitalismo continuou a proporcionar uma alienação cada vez mais adaptada ao consumidor e o próprio conceito de revolução tornou-se um slogan vazio. A globalização e a financeirização ajudaram ainda mais a confusão: onde se baseia agora o poder? Onde está o novo Palácio de Inverno para levar ou o novo rei para decapitar? Quem é o chefe se todas as encomendas vêm de uma aplicação? Porque é que os revolucionários estão sempre a ler livros com 100 anos e a apoiar a lei e a ordem?

A cultura apocalíptica e a pornografia de desastres, por outro lado, são-nos empurradas todos os dias para os olhos através do aparelho mediático e da agenda cultural, com o claro propósito de criar apenas portas fechadas na nossa mente para que aprendamos a deixar de nos preocupar com o que quer que seja que não seja imediato. A humanidade e a civilização não estão condenadas. Não há destino para nós, e as civilizações não estão “naturalmente” programadas para se auto-destruírem.

O futuro será escrito pelas pessoas que reconhecem a necessidade de agir e que, de facto, se organizam para agir. Em breve haverá apenas dois grandes grupos: os que organizam o desaparecimento da Humanidade e os que organizam o seu salvamento. Uma revolução hoje em dia só significa alguma coisa se quebrar o aparelho de destruição construído pelo capitalismo e remover as causas das alterações climáticas: o sistema de produção baseado em combustíveis fósseis. Isso chega? Não. Será preciso mudar muito mais, muito mais que técnicas, as próprias relações sociais conformadas durante mais de dois séculos para garantir que as rodas do capitalismo global estavam sempre oleadas.

Mas já vivemos em profunda convulsão ambiental e social, que não desacelerará, mas sim agravar-se-á. Haverá motins, guerras e rebeliões contra os efeitos da crise climática, contra a destruição das condições materiais que permitiram a existência de civilização de há milhares de anos para cá. Só uma revolução contra a causa da crise climática – o capitalismo – nos ganhará um futuro.

As revoluções não acontecem, elas são feitas.


Artigo originalmente publicado no Setenta e Quatro a dia 19 de Novembro.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

PELO COMPROMISSO CLIMÁTICO DOS POVOS

 

A última COP – João Camargo

Chega ao fim a 26ª edição da Conferência das Partes da Conferência-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. A conclusão é semelhante a tantas anteriores, um adiamento permanente da única medida que pode resolver a crise climática – o fim da produção e combustão de petróleo, gás e carvão – e a promoção de negócios vestidos de acção climática – offsets de carbono, captura de carbono, novos produtos “inovadores”. A notícia relevante é que as próximas COPs vão ser no Egipto e nos Emirados Árabes Unidos, enterrando de vez a ficção de que virão daí quaisquer soluções para a crise climática. Em Glasgow realizou-se, então, a última COP.

São duas escolhas criteriosas e finais. A COP 27 no resort de luxo de Sharm-El-Sheik, Egipto, em 2023, legitimando a ditadura assassina de Abdel Fattah el-Sisi, general que afogou em sangue os revolucionários da Praça de Tahrir e a COP 28 em 2024 nos Emirados Árabes Unidos, um petro-estado governado por uma cleptocracia real. Significa a ruptura absoluta com a sociedade civil mundial. Finalmente. Nem as elites do capitalismo global continuam a fingir que ligam o mínimo aos países mais pobres, aos movimentos sociais e à sociedade, nem estes movimentos podem fingir continuar a acreditar que influenciam as decisões suicidas do capitalismo global.

De hoje em diante o movimento pela justiça climática tem de olhar para a COP como o movimento antiglobalização olhava para a Organização Mundial do Comércio ou para o G20: a única interacção útil para o movimento é impedir a sua realização, porque é nesses espaços que se organiza a destruição do que falta, a expansão das novas fronteiras de exploração capitalista, a organização da próxima ronda de acumulação dos 1%, a materialização do colapso climático.

A COP de Glasgow foi portanto a última enquanto processo de ilusões. Porque ainda as havia. Porque ainda havia muita gente que falava da COP – já com muitas reticências – como lugar onde se influenciavam decisores e decisões. Sob as ditaduras de ferro e aço de Sisi e dos sete xeques sob Al Nahyan não haverá sequer espaço para simbólicas contra-cimeiras e protestos.

Isso significa que o movimento pode finalmente libertar-se da ilusão do institucionalismo e vai necessariamente deixar de seguir a agenda capitalista global para a crise climática. No ano passado foi lançado o Acordo de Glasgow – Compromisso Climático dos Povos – exactamente com esse objectivo, de dar ao movimento novas ferramentas. O movimento pela justiça climática tem neste momento nas suas mãos a melhor chance de conseguir travar esta crise. Com o seu próprio programa, a sua própria organização e sem ter medo do seu próprio poder.


Artigo originalmente publicado no Expresso a dia 12 de Novembro de 2021.

sábado, 13 de novembro de 2021

Este texto não é sobre a COP26. É sobre ti. – Sinan Eden

A COP26 abriu com as perguntas erradas e está a fechar com as respostas erradas. “Irão os líderes mundiais atender à última chamada pelo planeta?”, perguntou-se no início. Será que a COP26 vai estabelecer os compromissos e as metas para limitar o aquecimento abaixo dos 1,5°C? Será que haverá financiamento suficiente para os países do Sul Global que estão a liderar a ação climática? Será que haverá investimento adequado na transição energética?

São todas, todas, TODAS, perguntas erradas.

Em primeiro lugar, se 26 anos de respostas negativas não chegaram, nada vai chegar. Pôr a mão na água a ferver uma vez é aprendizagem, a segunda vez é teste, a 26ª vez é idiotice.

Em segundo lugar, as empresas de combustíveis fósseis que controlam os políticos (e os políticos que controlam as empresas de combustíveis fósseis – qual é a diferença, mesmo?) querem repetir exatamente a mesma pergunta, porque nela está implícita que a conclusão é: ou eles ou nada. There is no alternative. (Imagine-se: o dossier da Visão sobre a COP26 foi patrocinado – na capa da revista! – pela Galp)

Nasceu torto e nem se quer endireitar. Portanto, a mesma performance mediática continua sobre a COP26 e os seus resultados e desilusões. Não tenho nada a acrescentar sobre esse jogo, mas tenho algo para te dizer: temos de parar esta loucura.

Em terceiro lugar, uma cimeira não começa no vazio. Há dezenas de grupos de trabalho, várias reuniões pré-COP. Isto é, nós sabemos os possíveis resultados destes encontros bem antes deles acontecerem. Este ponto é importante, porque nos diz que as pessoas que fazem estas perguntas (os jornalistas, os políticos, os “especialistas”, todos eles) já sabem as respostas. A pergunta é falsa. Estão a mentir. Estão a mentir na nossa cara, deliberadamente, há décadas.

Depois, com as curiosidades erradas bem colocadas e bem espalhadas, começou a COP26, a cimeira do clima “mais branca e mais privilegiada” de sempre. Durante a COP26, na Cimeira Popular, a plataforma Acordo de Glasgow apresentou um novo relatório, Drill Baby Drill, que mostra que, independentemente dos discursos, das conferências de imprensa e das declarações, os governos já fizeram um compromisso: 800 furos de petróleo e gás planeados até ao final de 2022. Para que serve uma cimeira do clima enquanto está tudo montado ao contrário?

Nasceu torto e nem se quer endireitar. Portanto, a mesma performance mediática continua sobre a COP26 e os seus resultados e desilusões. Não tenho nada a acrescentar sobre esse jogo, mas tenho algo para te dizer: temos de parar esta loucura. Porque temos de atender à verdadeira loucura: o sistema que nos trouxe até aqui e nos está a empurrar para o abismo.

Porque à questão do clima tem um elemento distinto: o caos climático será resultado do business as usual, de deixar tudo como está. O colapso civilizacional, neste caso, não é porque alguém tocou no botão das armas nucleares ou porque alguém declarou uma guerra para instituir democracia num país com petróleo. Não é por um ato deliberado. É pela inação. É pela inércia sistémica. É por continuarmos as nossas vidas ignorando que a nossa casa está a arder. É por obedecermos ao sistema e nos submetermos a um suposto “realismo” político, negacionista da realidade climática.

Temos de deixar de olhar para as cimeiras. Na verdade, temos de começar a olhar para as cimeiras como cenas de crime, como também são as assembleias dos acionistas das petrolíferas. As COP são o problema. Não só pelas falsas soluções das supostas emissões negativas e compensações das emissões, não é só pelos compromissos não-vinculativos, não é só por causa dos mecanismos de mercado que tornam tudo em mercadorias, mas também pela sua própria estrutura.

O crime que os políticos cometeram durante a COP26 é o mesmo crime que cometem diariamente: o crime de deixar as coisas como estão. O governo português, com o seu Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e o Plano Nacional Energia e Clima 2030, tem planos de esgotar o orçamento de carbono de Portugal entre 2026 e 2035. Isto é, se Portugal quer fazer a sua parte para nos mantermos abaixo de 1,5°C, e se os planos atuais se prolongarem por mais cinco a 10 anos, teríamos de encerrar a economia inteira. Isto é o plano de Portugal. O que me interessa então se o António Costa foi a Glasgow ou não?

Que me interessa a quem Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, apertou as mãos, quando ele continua a autorizar novos projetos de combustíveis fósseis? Para a recuperação da ᴄᴏᴠɪᴅ-19 a administração Trump e o congresso dos Estados Unidos alocaram 2,9 biliões  de dólares e o Banco da Reserva Federal inventou outros quatro biliões em empréstimos e estímulos. Isto representa um quarto do PIB dos Estados Unidos em 2019.

Agora,  Biden propôs um orçamento de 3,5 biliões de dólares para uma série de programas ao longo de 10 anos. Nem isso conseguiu e ficou agora com 1,75 biliões para uma década, o que perfaz 175 mil milhões de euros. Disto, só 55 mil milhões vão para o clima. Isto é 50 vezes menos que as despesas da COVID-19 do ano passado. Porque devo em qualquer momento imaginar que esse mesmo Biden pudesse “salvar o planeta”?

A verdade é que a crise climática está muito para além da nossa capacidade cognitiva. Faço ativismo climático há quinze anos. Porém, um tornado de fogo, algo que estava para lá da minha imaginação, tornou-se real quando vi uma foto dos incêndios florestais em 2020, na Califórnia, Estados Unidos. É um redemoinho de vento criado e composto por fogo. Nos incêndios de grandes extensões, as zonas de pressão mudam, criando os seus próprios ventos e acabando por produzir um tornado que, por sua vez, colhe as chamas do incêndio. É um feitiço mágico que esperaria de uma personagem do videojogo Diablo II, não que fosse uma notícia verdadeira.

Sejamos honestas connosco. Isto será uma revolução. Não sabemos que forma ela terá. Mas se ganharmos isto tudo, se travarmos o caos climático, as pessoas depois vão referir-se a este período como uma Revolução pelo Clima.

E, supostamente, a minha mente é treinada para lidar com as imagens da catástrofe climática. Agora tenho o tornado de fogo como protetor de ecrã no meu telemóvel, para me lembrar regularmente o quão comprometidos além do concebível nós estamos. Depois, em 2021, a Tower Bridge, em Londres, ficou inundada pelas chuvas fortes. Uma ponte inundada, uma ponte! Na mesma altura, 300 incêndios florestais torraram a zona costeira da Turquia. Vários destes fogos chegaram a zonas residenciais, com um deles a ter mesmo atingido a termoelétrica a carvão – a central foi destruída pelo incêndio que ela própria causou. Sei que isto é forte. É difícil. É horroroso.

Uma forma de negacionismo ao lidar com esta realidade é acharmos que a responsabilidade é dos outros. Há várias formas de o fazer e os governos andam a fazê-lo entre há décadas sobre qualquer tema. Mas nós, as pessoas comuns, também o fazemos.

Desresponsabilizamos-nos quando questionamos se é esta COP que nos vai salvar, se seria ligeiramente melhor se fosse este governo em vez daquele. Delegamos a nossa tarefa aos representantes do sistema que é a raiz do problema.

Isto é confortável e ao mesmo tempo criminoso. Isto é confortável, mas consentir o crime não é um ato neutro. Alguém nos fará prestar contas num futuro demasiado próximo. E não estou a falar em abstrato sobre a responsabilidade da sociedade. Estou a falar sobre ti, sobre mim. A filha do teu primo vai questionar-te a ti, diretamente, daqui a dez anos, depois de mais uma falha de infraestrutura ou de um conflito social. Por que é que deixaste que tudo isto acontecesse? “Eles na COP26 não resolveram o problema” não será uma resposta adequada, porque a pergunta não será sobre eles, mas sobre ti.

Isto é muito pesado para eu conseguir carregar. Sei que tu também não vais conseguir. Vamos juntas?

Portanto, a minha “análise do que foi” a COP26 é, na verdade, uma sugestão concreta: deixarmos de falar sobre o que os “outros” (cimeiras, governos, empresas, aquela associação em que não confias, aquele político que defende a solução de que não gostas, etc.) estão a fazer e deviam fazer, e começarmos a falar sobre o que nós vamos fazer.

Como vamos nós travar o caos climático? Como vamos construir uma nova sociedade? Como vamos responsabilizar os criminosos climáticos?

Sejamos honestas connosco. Isto será uma revolução. Não sabemos que forma ela terá. Mas se ganharmos isto tudo, se travarmos o caos climático, as pessoas depois vão referir-se a este período como uma Revolução pelo Clima. Porque, muito provavelmente, não vamos só “pressionar” os governos. Muito provavelmente, vamos ter de fazer cair os governos existentes e vamos ter de fazer cair os governos que os vão substituir. Sejamos honestas connosco. Nada do que está a acontecer agora está minimamente perto daquilo que deveria estar a acontecer. Nem a nível das políticas públicas, nem a nível das mobilizações sociais. Sejamos honestas connosco. Há uma lacuna de ambição em nós sobre o que realmente devemos fazer.

O futuro está a ser decidido. Está a sê-lo por eles, mas também por nós. O futuro ou seremos nós ou será um inferno terrestre. Ou vamos juntas mudar tudo, ou vamos juntas cair no colapso civilizacional. E há uma proposta bastante prática: no dia 18 de Novembro, quinta-feira, vai haver uma ação de desobediência civil em Sines, na Refinaria da Galp, a infraestrutura mais poluidora em Portugal, para exigir zero emissões, transição justa e democracia energética. Temos autocarros.

Vamos juntas?


Artigo originalmente publicado no Setenta e Quatro a dia 12 de Novembro de 2021.

Contributos para a Memória Histórica

João Black, poeta e fadista operário, autor do hino do jornal A Batalha

No primeiro quartel do século XX floresceu em Lisboa o fado operário como canção de intervenção. Expressou sentimentos de revolta contra a miséria e a desigualdade social. Almejou por revolução e uma sociedade mais justa.

Entre os seus nomes mais marcantes esteve João Salustiano Monteiro, mais conhecido como João Black. Nascido em Almada em 1872, radicou-se em Lisboa, onde faleceu em 1955. Chegou a ser apontado como “o mais primoroso de todos os poetas e de todos os cantadores do seu tempo” [Canção Nacional, 17 de Dezembro de 1927, pág.1].

Num tempo em que, segundo o “historiógrafo” César Nogueira, esta canção “se cantava por cultura e espírito de animar reuniões ou de prestar auxílio fraterno e não era cantada em recintos reservados e luxuosos, onde se paga um tanto por cabeça”. João Black “cultivou o fado, esse antigo fado do povo, mas na poesia lírica é que mais sobressaiu, defendendo as vítimas das injustiças sociais” [República, 16 de Dezembro de 1960, pág.9].

João Black foi um homem especialmente ligado à A Voz do Operário. Aqui estudou. E aqui trabalhou muitos anos, primeiro como tipógrafo, mais tarde como bibliotecário e administrativo. Isto para além de ter colaborado neste jornal ao longo de quase meio século.

Dedicou-se ainda a várias organizações próprias que os funcionários da A Voz do Operário já tiveram: desde uma associação mutualista a uma cooperativa de consumo, passando pelo efémero Sindicato do Pessoal da Sociedade A Voz do Operário, fundado meses antes da ditadura de Salazar decretar a dissolução forçada dos sindicatos livres, em 1933.

Black escreveu vários poemas de homenagem à A Voz do Operário. Um deles é a quadra que está gravada em painel de azulejo numa parede do refeitório escolar desta sociedade.

“De tendência socialista”, João Black “deixava transparecer, em tudo quanto escrevia, as suas preocupações tanto de carácter social como educativo”, recordaria um sindicalista seu contemporâneo [Alexandre Vieira (1959), Figuras gradas do movimento social português, p.12].

Mas Black não se ficou apenas pelo que escreveu e cantou. Salientou-se também pela sua acção no movimento sindical ainda durante a monarquia. Em 1906 foi eleito dirigente da Associação de Classe dos Compositores Tipográficos.

Pela mesma altura, dedicou-se ao associativismo popular, sendo presidente da direção de uma colectividade de Alfama, a “Sociedade Boa União”.

Em 1914, já sob a 1ª República, foi um dos fundadores e primeiros dirigentes da central sindical União Operária Nacional, depois denominada Confederação Geral do Trabalho (CGT).

A nível político, Black tornou-se militante do antigo Partido Socialista Português, chegando a ser membro suplente do seu conselho central. E por este partido foi autarca entre 1913 e 1917. Integrou então a Junta de Freguesia de S. Engrácia, Lisboa (hoje englobada na freguesia de S. Vicente). As autarquias tinham meios muito mais limitados do que hoje, mas ainda assim Black conseguiu desenvolver um serviço de acção social com uma cantina escolar para 40 crianças, às quais também era fornecido vestuário.

Nas últimas eleições autárquicas da 1ª República, no outono de 1925, João Black voltou a ser candidato na freguesia de S. Engrácia, dessa vez como suplente numa lista do “Bloco da Esquerda Social” – dinamizado pelo jovem Partido Comunista Português.

Um dos poemas mais importantes na história do movimento operário em Portugal é a letra do “hino do jornal A Batalha”, de 1919. O seu autor foi João Black:

“Surgindo vem ao longe a nova aurora,

Que os povos há de unir e libertar,

– Desperta, rude escravo, sem demora,

Não leves toda a vida a meditar.

Destrói as cruas leis da sujeição.

E quebra as vis algemas patronais.

O mundo vai ter nova rotação,

Os homens vão ser todos iguais.

É justo aos parasitas dar batalha,

A terra só pertence a quem trabalha” […]

Artigo originalmente publicado no jornal A Voz do Operário, em 01/11/2021

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Reinvidicamos: Menos Emissões; Transição Justa; Democracia Energética

Reivindicações da Acção – Vamos Juntas!

No dia 18 de Novembro, vamos à Refinaria da Galp em Sines numa acção de desobediência civil. Vamos à Refinaria porque é a infraestrutura mais poluente. Vamos à Refinaria porque precisamos duma transição justa baseada nas necessidades das pessoas e do planeta, não nos interesses dos accionistas da empresa. Vamos à Refinaria porque o futuro está nas nossas mãos. Junta-te a nós. Vamos juntas.

 

A Visão: Menos Emissões

  • encerramento planeado e gradual da Refinaria de Sines até 2025

 

O Principio: Transição Justa

  • Elaboração de um plano de transição justa baseado num diálogo social que privilegie os trabalhadores e as comunidades afetadas.
  • Responsabilização plena da Galp e dos seus accionistas pela transição, nomeadamente:
    • Financiando todo o programa de transição.
    • Garantindo Formação profissional para todos os trabalhadores antes do encerramento da Refinaria.
    • Garantindo 100% dos rendimentos dos trabalhadores durante a transição.
  • Garantia imediata de emprego público ou reforma sem perda de rendimentos, para todos os trabalhadores diretos ou indiretos da Refinaria da Galp em Sines, na zona de Sines

 

O Plano: Democracia Energética

  • 100% da energia consumida em Sines tem de ser renovável e produzida localmente, por uma entidade municipal gerida democraticamente, até 2025
  • Criação de um serviço público e descentralizado no setor energético até ao ano 2025, com uma reconversão para 100% renovável até 2030.
Página principal da acção, aqui.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Comunicado | Mais de 25 organizações convocam marcha pela Justiça Climática em Lisboa no dia 7 de novembro, Domingo.

Seguindo a convocatória da coligação internacional dos movimentos “COP26 Coalition”, vai realizar-se uma marcha em Lisboa no dia 7 de novembro, Domingo, às 15:00, do Martim Moniz até à Alameda, organizada pela plataforma Salvar o Clima.

*

A COP26 – Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas arrancou em Glasgow com poucas expectativas e fracas ambições para travar a crise climática.

Problemas globais requerem soluções que incluam todos e todas nos diferentes níveis da sociedade. As decisões tomadas na COP26 vão moldar a forma como os governos respondem – ou não – à crise climática. Vão decidir quem é sacrificado, quem escapa e quem lucra. Até agora, os governos não fizeram muito e o preço da inação será caro. Os governos são coniventes com as empresas e escondem-se atrás de falsas soluções verdes (greenwashing) e de estratégias de mitigação e adaptação que não saem do papel. Deste modo, muitas populações estão já a sofrer as consequências deste descaso ambiental.

A COP26 está a acontecer num momento crucial da história. Em todo o mundo e através de vários movimentos, levanta-se uma nova vaga de resistência, solidariedade global e organizações de base. Temos uma oportunidade única de reformatar o nosso sistema, enquanto recuperamos da pandemia. Podemos intensificar a crise até ao ponto de não retorno ou criar as bases para um mundo justo onde as necessidades de todos/as são atendidas.

Não devemos entregar a nossa esperança de um planeta sustentável aos líderes mundiais nem às empresas. Nós, cidadãos e cidadãs, podemos exigir e construir um mundo melhor juntos/as.

As soluções transformadoras de que precisamos para sobreviver e construir um mundo mais justo só podem ser alcançadas através da ação coletiva, solidariedade e coordenação, das nossas comunidades locais e internacionais.

*

Neste âmbito, no dia 7 de novembro, Domingo, às 15:00, mais de 25 organizações portuguesas estão a organizar a Marcha Mundial pela Justiça Climática em Lisboa, do Martim Moniz até à Alameda, percorrendo simbolicamente a ciclovia da Avenida Almirante Reis, ameaçada pela nova autarquia.

*

Nota: As manifestações a nível global vão acontecer maioritariamente no Sábado, dia 6. A organização da Marcha em Lisboa alterou a data para dia 7 em solidariedade com a manifestação antirracista “Justiça para Danijoy Pontes” marcada para o dia anterior.

*

Reivindicações da Marcha Mundial pela Justiça Climática

Sem eufemismos: não aos combustíveis fósseis, sem o discurso de emissões líquidas e sem soluções falsas

  • Lutar por 1,5ºC
  • Precisamos de zero emissões, não de zero emissões “líquidas”
  • Deixar os combustíveis fósseis debaixo do solo: nenhum novo investimento ou infraestrutura de combustíveis fósseis
  • Rejeitar soluções falsas: não aos mercados de carbono e tecnologias arriscadas e não comprovadas

Vamos reestruturar o sistema: Queremos uma Transição de Justiça agora!

  • Vamos começar a Transição de Justiça

Justiça climática global: reparações e redistribuição às comunidades indígenas e ao Sul Global

  • Distribuição justa, e esforço adequado pelos países ricos
  • Cancelar as dívidas do Sul Global a todos os credores
  • Financiamento climático baseado em subsídios para o Sul Global
  • Reparações por perdas e danos já ocorridos no Sul Global

Mais informações sobre as reivindicações: https://salvaroclima.pt/marcha-mundial-pela-justica-climatica-6-de-novembro-de-2021/reivindicacoes/

Organizações subscritoras (em atualização na página principal)

A Coletiva || Academia Cidadã || Acréscimo || ADPM – Associação para a Defesa do Património de Mértola || Animal Care & Save Portugal || Animar || Ar Puro || Bloco de Esquerda || CIDAC – Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral || Climáximo || COOLabora – Intervenção Social || Femafro – Associação de Mulheres Negras, Africanas e Afrodescendentes de Portugal || Greve Climática Estudantil || IMVF – Instituto Marquês de Valle Flôr || Lisboa Possível || PAN – Pessoas Animais Natureza || PATAV – Plataforma Anti-Transporte de Animais Vivos || Precários Inflexíveis || Quercus – ANCN || Rede para o Decrescimento || Reflorestar Portugal || Sciaena || SOS Racismo || STCC – Sindicato dos Trabalhadores de Call Center || The Climate Reality Project – Equipa em Portugal || UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta || Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável || Zero Waste Lab

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

PELA JUSTIÇA CLIMÁTICA E SOCIAL

Salvar o Clima

4 Novembro, 19h, Base-FUT

Reunião aberta de preparação

Marcha Mundial pela Justiça Climática

A COP26 começou em Glasgow, já com poucas expectativas que as mesmas instituições que nos trouxeram até aqui podiam resolver o problema que criaram.

Seguindo um apelo internacional, mais de 20 organizações em Portugal convocaram a Marcha Mundial pela Justiça Climática em Lisboa, no dia 7 de Novembro, Domingo, às 15h00.

Junta-te a nós nesta reunião preparatória e sessão de materiais para prepararmos os cartazes e as equipas do dia.

Traz ideias, traz amig@s, e traz alegria.

4 de Novembro, quinta-feira
19h00
Base-FUT (Rua da Maria 15, Anjos, Lisboa)

Marcha Mundial pela Justiça Climática 2021

Vídeos de Divulgação | Pessoas na linha de frente da justiça climática convocam a Marcha.

7 de Novembro, Domingo, 15h00, Martim Moniz. Aparece! Vídeos gravados pelas próprias pessoas e editados pela Sciaena.

terça-feira, 2 de novembro de 2021

A Cimeira do Clima em Glasgow vai ser um falhanço como sempre – João Camargo

Alguém fez as contas e os governos prometem aumentar as emissões de gases com efeito de estufa em 16% até 2030, em vez de cortarem o necessário para evitar os piores cenários (corte de 50% para manter aumento de temperatura abaixo dos 1,5ºC). Em 2021. Só colocando a discussão num patamar ridiculamente baixo – regras para o lucrativo mas inútil comércio de emissões, a raquítica e nunca entregue verba dos países mais ricos para ajudar a adaptação dos países mais pobres, enquanto os mantêm sobre o garrote das dívidas, acertar as datas dos cortes insuficientes que anunciam à imprensa – é que alguém poderá fazer uma avaliação final “positiva”. A COP26 será sempre um falhanço porque, como as suas antecessoras, foi construída para falhar.

As emissões globais de gases com efeito de estufa em 2021 vão ser apenas ligeiramente inferiores às de 2019. Apesar da forte queda de emissões em 2020, a concentração de CO2 na atmosfera não caiu, já que o gás fica lá até centenas de anos. Ainda assim, o Bill Gates aparece em milhares de milhões de anúncios de Youtube todos os dias para anunciar que serão os mercados a criar novas tecnologias mágicas para cortar as emissões até zero. Este discurso será repetido na COP em Glasgow, onde Gates deverá fazer companhia a governantes e outros bilionários, se entretanto estes não tiverem uma imprescindível viagem à lua marcada. Entretanto, o assunto da cimeira, as alterações climáticas, dará um passo atrás para o espectáculo de cores e luzes que é a liderança do capitalismo global dizer à Humanidade e a todas as gerações futuras que terá “mais ambição”. O que está previsto, segundo os seus planos, é o colapso. O único grande desacordo parece ser sobre a data.

Não há qualquer plano realista para cortar as emissões de gases com efeito de estufa para cumprir sequer o Acordo de Paris. Em qualquer país do mundo. Faltaria depois a árdua tarefa de passar do plano para a realidade.

O assunto do financiamento por parte dos países ricos aos países pobres para adaptação aos piores efeitos da crise climática arrasta-se desde muito antes do Acordo de Paris, desde a COP em Copenhaga. Mesmo quando há acordo, a transferência acaba sempre por ser uma fração do acordado e nunca chega no tempo certo. Deveriam ter sido 100 mil milhões por ano, todos os anos, até 2020, apesar de ser obviamente pouquíssimo. Claro que os países ricos acharam que isto devia ter a forma de empréstimos, para aumentar as dívidas neocoloniais. No ano em que mais se emprestou, não chegou aos 80 mil milhões.

Entretanto, milhares de novos projectos fósseis – sejam novos poços, infraestruturas, gasodutos e oleodutos, novos aeroportos e autoestradas – continuam a ser prioridade de investimento para os governos e empresas, para selar definitivamente o destino da Humanidade na catástrofe. O hábito é uma coisa terrível. Os combustíveis fósseis receberam 554 mil milhões de dólares por ano em 2017, 2018 e 2019. Esta é a ambição que conta no que diz respeito à crise climática.

A possibilidade da resolução de qualquer aspecto da crise climática na COP26 é anedótica. Será, no entanto, uma importante feira comercial para uma série de negócios internacionais e tecnologias fantasiosas, um show bonito para enganar a Humanidade. O capitalismo é hoje um culto da morte e a COP é uma das suas principais celebrações.

Sobra a única coisa relevante que há muitos anos se mantém: a Cimeira dos Povos, onde as articulações internacionais entre o movimento social global se fortalecem. Entre 7 e 10 de Novembro, em Glasgow e online, o movimento pela justiça climática vai usar esse espaço para preparar-se para a sua tarefa: travar o colapso. Em 2021 isso implica derrubar este sistema.


Artigo originalmente publicado no Expresso.pt a dia 28 de Outubro de 2021.

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

JUNTA-TE A NÓS! LISBOA, 7 de NOVEMBRO às 15h, MARTIM MONIZ.

 

 

 

Eh! companheiro respondo

respondo do coração

Ser sózinho não é sina

nem de rato de porão

faz também soprar o vento

não esperes o tufão

põe sementes do teu peito

nos bolsos do teu irmão

Em: EH! COMPANHEIRO - Sérgio Godinho