domingo, 29 de outubro de 2023

Árvores e Alergias

A intensidade e frequente referência a alegados problemas de saúde pública causados pelo arvoredo e seus pólenes justificam o esclarecimento real das pessoas, com base na informação da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC). Referimo-nos, por exemplo, aos incómodos sentidos com a presença de "novelos nocivos" ou o vulgo "algodão", produzido por algumas árvores, na altura de dispersão da sua semente.

Sobre tal assunto vale a pena recordar que:

- as árvores são garantia de manutenção da qualidade do ar, actuando como verdadeiros agentes da sua depuração.

- A poluição atmosférica é catalisadora de reações de hipersensibilidade a alguns agentes alergizantes, tais como o pó, ácaros, fungos ou pólenes.

- As plantas identificadas com efeitos alergizantes associam-se maioritariamente às gramíneas e à parietária, cujo agente de reação é o seu pólen. Estes pólens assumem dimensões extremamente pequenas, muitas vezes impercetíveis a "olho nu" e, como tal, dificilmente identificáveis pelos doentes, como agente causal das suas reações e problemas alérgicos.

- Com a sua grande capacidade de dispersão, o pólen sentido em determinado ponto poderá provir de áreas bastante longínquas, uma vez que se movimenta em grandes distâncias, por vezes centenas de quilómetros. Estudos científicos vários apontam para o facto de o pólen da maioria das árvores, nomeadamente as que produzem o vulgo "algodão", não causar alergias de maior. Apenas as suas sementes e invólucro sedoso, podem provocar reações mecânicas, irritativas mas não alérgicas.

- Neste tipo de árvores, o "algodão" é a estrutura que garante a disseminação da semente. Resulta, assim, que quando as árvores produzem o "algodão" já não existe qualquer formação do seu pólen. Esta já terá obrigatoriamente acontecido.

- A libertação e disseminação destas sementes é coincidente com o período de produção do pólen das gramíneas, parietária, entre outras, o que significa que muitas das reacções alérgicas sentidas são da responsabilidade deste grupo de plantas - "ervas" - e não das árvores propriamente ditas.

- Na bibliografia da especialidade não existem referências científicas que apontem para o elevado potencial alérgico do pólen das árvores mais associadas a estes "novelos" ou "algodão". Sugerimos, para mais informações, a séria consulta e estudo dos dados apresentados, por exemplo, pela Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC).


Tecnologia e pesquisa unem forças contra alergias ao pólen

una bambina si soffia il naso in mezzo a un prato fiorito

Cada vez mais pessoas no mundo sofrem de rinite alérgica. Novos instrumentos de medição, revolucionários e testados na Suíça, prometem aperfeiçoar as previsões sobre a presença de pólen no ar. Uma inovação que beneficia, principalmente, pessoas alérgicas, mas não se limita a elas.

Luigi Jorio, con il contributo di Tomoko Muth

Olhos avermelhados, nariz escorrendo e espirros são sintomas comuns para os aproximadamente 1,7 milhão de suíços alérgicos a pólen de árvores ou gramíneas. Isso representa cerca de 20% da população, uma proporção semelhante à observada globalmente.

Bernard Clot conhece bem o que significa conviver com a rinite alérgica. Na infância, não podia brincar ao ar livre durante o verão por sofrer de ataques de asma alérgica. "Foi uma fase complicada", relembra o senhor de 60 anos. Embora sua alergia tenha desaparecido há anos graças a uma terapia de dessensibilização, o pólen ainda fazem parte de seu dia a dia.

Atualmente, Clot atua como biometeorólogo no Departamento Federal de Meteorologia e Climatologia (MeteoSchweizLink externo), investigando a influência de fenômenos atmosféricos e características do ar, como a concentração de pólenes, nos seres vivos.

Parte do aumento de alergias a pólen e a outros bioaerossóis (partículas microscópicas de origem biológica presentes no ar) deve-se à poluição e às mudanças climáticasLink externo. Este não é apenas um problema de saúde: na Suíça, os custos diretos e indiretos relacionados a essa condição alérgica variam entre um a 3,5 bilhões de francos por ano. "Daí a importância de ter dados atualizados e precisos sobre pólenes", afirma Clot.

Medindo quantidade de pólen

No topo da estação meteorológica de Payerne (oeste) um dispositivo de alta tecnologia aspira o ar e todas as suas partículas. Os grãos de pólen são direcionados para uma câmara de medição, onde duas câmeras ultrarrápidas, juntamente com lasers de diferentes comprimentos de onda, determinam sua forma e tamanho.

Os dados recolhidos são processados por algoritmos de inteligência artificial, aptos a identificar seletivamente o pólen mais alergênico, como os de gramíneas e ambrósia.

Essas informações sobre as concentrações de pólen no ar podem aprimorar as previsões em curto e médio prazo, beneficiando milhões de alérgicos na Suíça e na Europa. Além disso, pesquisadores e profissionais da saúde podem usar esses dados históricos para avaliar a eficácia de tratamentos.

MeteoSchweiz lidera o projeto europeu EUMETNET AutopollenLink externo, que busca automatizar e padronizar a monitorização de pólen no continente. "O pólen não reconhece fronteiras", conclui Clot.

un uomo accanto a un apparacchio per la misurazione dei pollini nell aria
Bernard Clot, da MeteoSwiss, ao lado do dispositivo de medição de pólen. Luigi Jorio / SWI swissinfo.ch

Detectar pólen a cinco mil metros

Além dos demais instrumentos, o telhado abriga uma inovação desenvolvida pelo Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL) em parceria com centros de pesquisa na Grécia, capaz de analisar o que ocorre em altas altitudes.

O protótipo em teste em Payerne emite um impulso laser verticalmente e consegue identificar a presença e concentração de partículas, sejam biológicas ou não, até uma altitude de cinco mil metros.

Em maio e junho, por exemplo, evidenciou que o ar suíço estava saturado de partículas de fumaça oriundas de incêndios na América do Norte. Atualmente, existem apenas quatro instrumentos desse tipo em operação no mundo, e o da Suíça é o mais avançado em termos de capacidade, conforme informações da EPFL.

Esta tecnologia permitirá estudar a dispersão de pólen a longas distâncias e avaliar o impacto na saúde humana e no clima das diversas partículas presentes no ar, incluindo bactérias, salienta Athanasions Nenes, diretor do Laboratório de Processos Atmosféricos e seus Impactos da EPFL. A relevância dessas partículas para a saúde é "notoriamente subestimada", e é crucial entender o que ocorre acima de nós, destaca.

Revolução na medição automática

O sistema suíço de medição de pólen é inteiramente automatizado e fornece informações em tempo real. É um avanço significativo em comparação à medição manual, o método padrão adotado globalmente até há alguns anos e ainda em uso em diversos países, conforme Clot. Neste método tradicional, os grãos de pólen são coletados em uma fita plástica fixada a um disco metálico e, posteriormente, analisados ao microscópio. Os resultados são obtidos após sete a nove dias.

O Japão, onde alergias a pólen são tratadas como uma questão nacional de saúdeLink externo, liderava em automação de medição, de acordo com Clot. Porém, ao contrário da rede suíça, detectava apenas dois tipos de pólen: cedro e cipreste japonês, principais causadores de alergias na população local.

Todavia, visto que algumas pessoas são também alérgicas a gramíneas ou ambrósia, os instrumentos suíços poderiam ser de grande utilidade para o Japão, sugere Yoshie Nakamura, porta-voz do serviço meteorológico nacional japonês.

Rede identifica sete tipos de pólen

A Suíça é pioneira ao implementar uma rede nacional automatizada para detectar diferentes tipos de pólen. Em funcionamento desde o início deste ano, a rede possui 15 estações de monitoramento espalhadas pelas principais regiões climáticas e vegetativas do país.

Os níveis de sete variedades de pólen (nogueira, vidoeiro, bétula, freixo, faia, carvalho e gramíneas) são disponibilizados na página da MeteoSchweiLink externoz e atualizados a cada hora. Pessoas alérgicas podem ainda acessar o radar de pólenLink externo para acompanhar as previsões para o dia seguinte, similar ao acompanhamento das condições meteorológicas.

Bernard Clot ressalta que o sistema foi projetado para reconhecer outras partículas alergênicas, como esporos de fungos. "O objetivo é refinar as previsões para melhorar a qualidade de vida das pessoas alérgicas", diz.

Ele antevê uma expansão na gama de partículas detectadas no futuro, incluindo poluentes, microplásticos e partículas que afetam a saúde das plantas cultivadas.

Mudança climática provoca alergia

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que até 2050, metade da população global sofrerá de algum tipo de alergia. Esse aumento é atribuído a uma combinação de fatores ambientais e mudanças em nosso estilo de vida, sendo que uma higiene excessiva pode diminuir nossa resistência a agentes externos.

Diversos estudos, como um realizado na BasileiaLink externo, têm destacado um crescimento na produção de pólen pelas árvores. Embora as florestas europeias estejam se expandindo desde a década de 1990, isso justifica apenas parcialmente o aumento dos pólens, de acordo com Clot.

O aumento das temperaturas e do CO2 na atmosfera faz com que as plantas produzam mais pólen. A duração e a intensidade da estação de pólens aumentaram para várias espécies vegetais alergênicas, observou Marloes Eeftens, pesquisadora do Instituto Tropical e de Saúde Pública Suíço, em um estudoLink externo publicado em 2021. "Pessoas alérgicas sofrem por mais tempo e suas reações a estas maiores concentrações são mais intensas", ela destacou.

A poluição atmosférica também desempenha um papel. Árvores crescendo em ambientes poluídos produzem pólens mais alergênicos e irritantes. Ademais, poluentes danificam as mucosas das vias respiratórias, debilitando nossas defesas e facilitando a penetração de alérgenos, intensificando as reações alérgicas.

mappa dell europa che mostra l evoluzione della percentuale della popolazione allergica all ambrosia
Evolução da porcentagem de pessoas alérgicas à ambrósia em um cenário de emissões moderadas de gases de efeito estufa. University of East Anglia

Dados em tempo real

Apesar de tratamentos personalizados serem eficazes, evitar o contato com substâncias alergênicas é a primeira linha de defesa. Ferramentas testadas em Payerne, que fornecem dados em tempo real sobre a dispersão de pólen, são instrumentos valiosos nesse combate.

Estas informações auxiliam pessoas alérgicas em suas rotinas diárias, permitindo que planejem atividades e tomem medicamentos com base nas previsões polínicas. Poderiam, por exemplo, optar por atividades internas ao invés de correr ao ar livre ou decidir o melhor local para passeios ao ar livre.

O impacto tangível destas ferramentas motiva profissionais como Clot. Durante um evento de consciencialização sobre a rede de medição de pólen em Berna, muitos indivíduos expressaram sua gratidão à equipe da MeteoSchweiz. "Isso é extremamente gratificante", comenta.

Edição: Sabrina Weiss

Adaptaçâo: Alexander Thoele

Este conteúdo foi publicado em 30. agosto 2023 - 09:57. https://www.swissfo.ch/por/...

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

SETE RAZÕES para TRAVAR o acordo de comércio UE-MERCOSUL

7 razões para travar o acordo comercial UE-Mercosul

7 razões para travar o acordo comercial UE-Mercosul

Após mais de 20 anos de negociações, a União Europeia e o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai) chegaram a um acordo de comércio livre, em 2019. Se for ratificado, tornar-se-á um dos maiores acordos comerciais do mundo.

Este acordo que beneficia as grandes empresas, impulsionaria o comércio de produtos nocivos entre as duas regiões, eliminando a maior parte das tarifas sobre mercadorias, mesmo que estas sejam prejudiciais, como os pesticidas ou carros a combustão. Teria, pois, consequências desastrosas para o ambiente, o clima, a saúde das pessoas e os direitos humanos.

A Friends of the Earth Europe elaborou e a TROCA traduziu a brochura sobre as 7 razões pelas quais o acordo UE-Mercosul é um acordo tóxico que devemos travar AGORA!.

Não deixes de te informar e divulgar.

 

 

 

domingo, 22 de outubro de 2023

A COMISSÃO EUROPEIA SERVE OS INTERESSES DAS CORPORAÇÕES AGROQUÍMICAS


É um escândalo à escala europeia, que envolve os lobbies agroquímicos, os nossos representantes políticos e a Comissão Europeia.


Em causa: o lobby desastroso de um punhado de empresas agroquímicas, que lhes permitiu continuar a colocar no mercado, durante mais de 10 anos, pesticidas ultratóxicos para as abelhas e a biodiversidade em toda a Europa. …


…com a intolerável cumplicidade de líderes que cederam à sua pressão, privando a Europa de “testes de abelhas” – medidas essenciais que teriam poupado milhares de milhões de polinizadores (1)…


…e o da Comissão Europeia, que lutou com unhas e dentes contra o POLLINIS para não deixar vazar nada sobre estes compromissos.


Para acabar com o escândalo na Europa, a POLLINIS precisa de você!


Com o apoio dos cidadãos dos quais a nossa associação depende a 100%, queremos lançar uma investigação sem precedentes sobre o bloqueio dos “testes de abelhas” , e chegar ao fundo de uma questão que mobilizou as nossas equipas e centenas de milhares de cidadãos. mais de 5 anos.


Por favor, leia esta mensagem de advertência e apoie urgentemente a salutar investigação da POLLINIS sobre o lobby dos assassinos de abelhas.


Através de muito trabalho e determinação, e graças à vitória que obtivemos perante o Tribunal Geral da União Europeia (2) contra a Comissão Europeia e os lobbies, e à mobilização de mais de 130.000 cidadãos empenhados.


… A POLLINIS obteve acesso a documentos nunca antes publicados sobre as negociações secretas entre os Estados - Membros e a Comissão Europeia, que permitiram à Bayer-Monsanto, Syngenta-ChemChina, Corteva e BASF continuarem sem salvaguardas. .


Uma riqueza de informações extremamente densa, mas fragmentada, que nossa pequena equipe estudará a fundo para reconstruir o que realmente aconteceu.


Nosso objetivo, quando todas as peças do quebra-cabeça estiverem juntas, é entender:


>> como os lobbies do agronegócio obtiveram de nossos líderes a rejeição sistemática dos procedimentos desenvolvidos pela EFSA (3), a autoridade sanitária europeia, que teriam permitido colocar os pesticidas tóxicos fora do caminho de perigo para as abelhas , os polinizadores e todos os insetos essencial para os ecossistemas;


>> que os estados europeus cederam secretamente às sirenes das empresas para manter artificialmente no mercado os pesticidas responsáveis ​​por um colapso catastrófico da biodiversidade.


Para levar a cabo esta investigação, a POLLINIS apela ao apoio de todos os cidadãos para financiar uma investigação histórica sobre os lobbies e trazer a verdade à luz!

► FAÇO UMA DOAÇÃO

Os documentos em nossa posse contêm dados confidenciais sobre as reuniões do Comité Permanente de Plantas, Animais, Alimentos e Rações para Animais (SCO PAFF)…


…o obscuro comité europeu que reúne, sob a presidência da Comissão Europeia, representantes dos ministérios da agricultura dos países da UE responsáveis ​​pela validação de protocolos de avaliação da toxicidade dos pesticidas.


Isento de qualquer transparência para com os cidadãos, este comité continua a autorizar os grandes produtores de pesticidas a comercializar substâncias químicas cujos efeitos deletérios para as abelhas selvagens, nem a toxicidade a longo prazo para a biodiversidade (4 ) são conhecidos ...


…nem as consequências cumulativas com as dezenas de substâncias tóxicas que já se encontram na natureza (5), envenenando de forma duradoura insectos (6) e minhocas (7)...


… embora um conjunto de protocolos validados pela própria autoridade europeia de saúde (EFSA) tivesse permitido excluir do mercado em 2013 muitos pesticidas que matam a biodiversidade.


Um grande escândalo cujos detalhes foram confiscados aos cidadãos, até hoje.


Aqui na POLLINIS, vamos dissecar estes documentos linha por linha, palavra por palavra, para relatar aos cidadãos a sabotagem fatal dos protocolos da EFSA benéficos para as abelhas – que permitiram às empresas agroquímicas continuar o lucrativo negócio de pesticidas que traz várias dezenas de de bilhões de dólares a cada ano (8).


É essencial porque, se deixarmos triunfar os lobbies em detrimento das abelhas, dos polinizadores e de todos os insectos essenciais cujas populações estão em colapso por toda a Europa (9)…


...se deixarmos que as empresas ponham em perigo os ecossistemas dos quais depende diretamente o futuro das gerações presentes e futuras...


…a indústria dos pesticidas pode silenciosamente continuar a influenciar os nossos líderes para que as suas substâncias que matam as abelhas nunca sejam proibidas.


É por isso que queremos levar a cabo esta investigação a todo o custo: para sensibilizar o maior número possível de cidadãos e meios de comunicação social para este escândalo ambiental e democrático , e para expor a pressão colossal das empresas sobre os nossos representantes políticos que precipitaram a extinção da vida. .


Mas para chegar lá, precisaremos de toda a ajuda possível!


Como sabem, o trabalho de investigação da POLLINIS é inteiramente financiado por pessoas empenhadas em proteger as abelhas e os polinizadores e em bloquear as manobras injustas das multinacionais contra estes pequenos e vulneráveis ​​insectos.


Sem este apoio massivo e desinteressado , não seríamos capazes de publicar uma segunda opinião independente sobre as travessuras perniciosas das empresas, nem garantir 100% a nossa liberdade de expressão e acção para enfrentar os gigantes dos pesticidas.


É única e exclusivamente a sua ajuda que torna isso possível.


É por isso que sugerimos que você apoie agora a investigação incansável da POLLINIS sobre os lobbies que trabalharam em segredo com os nossos líderes para destruir as proteções das abelhas.

► FAÇO UMA DOAÇÃO

Para realizar a investigação, a POLLINIS não começa do nada…


A nossa equipa mantém-se forte contra os lobbies e a Comissão Europeia há mais de 5 anos, graças à força que os cidadãos nos dão:


Setembro de 2018 : POLLINIS pede à Comissão Europeia acesso aos relatórios SCOPAFF para compreender porque é que os “testes de abelhas” – os procedimentos para avaliar a toxicidade dos pesticidas nas abelhas propostos pela EFSA – têm sido sistematicamente bloqueados desde 2013.

Um pedido baseado nos textos das leis europeias que conferem aos cidadãos europeus o mais amplo direito de acesso ao processo de tomada de decisão (10).


Novembro de 2018 : A Comissão Europeia recusa-se a divulgar os documentos, sob o pretexto de que os votos decisivos dos nossos representantes políticos sobre o destino das abelhas não seriam de interesse público superior...


Dezembro de 2018 : POLLINIS leva o caso ao Provedor de Justiça Europeu para denunciar a decisão inaceitável da Comissão Europeia.


Maio de 2019 : o Provedor de Justiça Europeu publica um parecer que concorda inteiramente com o POLLINIS: “ A Comissão deve permitir ao público o acesso aos documentos solicitados, que indicam as posições dos Estados-Membros sobre o projecto de guia das abelhas ” (11).


Julho de 2019 : POLLINIS publica uma primeira investigação sobre o intenso lobby que as empresas agroquímicas implementaram para impedir a Europa de avaliar os efeitos devastadores dos pesticidas nos polinizadores (12).


Junho de 2020 : A nossa equipa leva a Comissão Europeia a tribunal para combater o bloqueio injustificado de documentos.


Setembro de 2022 : Após dois anos de procedimentos e luta passo a passo perante o Tribunal Geral da União Europeia, a POLLINIS obtém uma vitória histórica a favor da transparência e da democracia, que obriga a Comissão Europeia a tornar públicos os documentos exigidos pela sua associação e muito mais de 100.000 cidadãos (13)!


Outono de 2022 : POLLINIS pressiona a Comissão Europeia para obter a divulgação dos documentos, sem outro resultado senão uma resposta vaga e incompleta das autoridades europeias.


Verão de 2023 : reviravolta dramática! A POLLINIS recebe da Comissão Europeia centenas de páginas de documentos confidenciais que cobrem as reuniões da SCOPAFF e as trocas de correio eletrónico entre os Estados-Membros, durante um período de 2013 a 2019.


Uma pilha enorme, mas fragmentada, de documentos, que a nossa pequena equipa deve agora estudar rigorosamente para extrair o máximo de informação…


Nesta salutar luta pela transparência – que travamos com os nossos meios de associação, face a empresas multibilionárias – precisamos de toda a ajuda que nos puderem dar.


Cada contribuição, mesmo mínima, é infinitamente valiosa: alguns doadores da associação contribuem com 10 euros ou 20 euros, outros podem dar 50 euros, 100 euros, 200 euros, por vezes até mais!


Você também pode optar por apoiar o trabalho investigativo da POLLINIS ao longo do ano com uma doação mensal. Isto permite à sua associação saber com que meios pode contar todos os meses para defender os interesses dos cidadãos contra a ganância dos lobbies agroquímicos.


Através da sua doação, dê à POLLINIS os meios para realizar uma investigação sobre os lobbies e a opacidade das negociações europeias, que têm permitido às empresas perpetuar o massacre de abelhas e polinizadores.

► FAÇO UMA DOAÇÃO

A sua doação permitirá à POLLINIS constituir uma equipa de investigação especializada e determinada e dedicar o tempo necessário à revisão dos documentos administrativos que a Comissão Europeia nos forneceu.


Com o seu apoio, vamos publicar uma investigação sem precedentes baseada nos documentos que nos foram enviados pela Comissão Europeia e em todas as outras informações necessárias para os interpretar, para levantar o mais possível o véu sobre as negociações secretas da SCOPAFF...


... que sacrificaram em grande parte as abelhas e a biodiversidade para permitir que as grandes multinacionais que controlam o mercado de pesticidas obtivessem milhares de milhões de dólares em lucros em detrimento dos seres vivos e do nosso ambiente.


Mas não podemos fazer isso sem a sua ajuda.


Ajude a POLLINIS a levantar o escândalo sobre a operação opaca que permite aos Estados-Membros tomarem decisões contrárias ao interesse geral e à protecção da biodiversidade sem terem de se justificar ou de prestar contas aos cidadãos:

► FAÇO UMA DOAÇÃO

Agradecemos antecipadamente por toda a força que vocês nos darão para liderar esta luta meticulosa e feroz!


Atenciosamente,


A equipe POLLINIS

Referências

  1. POLLINIS, Relatório sobre o bloqueio a nível europeu de “testes de abelhas” , maio de 2019.
  2. Tribunal Geral da União Europeia, Pollinis França/Comissão , 14 de setembro de 2022.
  3. EFSA, Orientações sobre a avaliação de riscos de produtos fitofarmacêuticos em abelhas (Apis mellifera, Bombus spp. e abelhas solitárias) , 4 de julho de 2013.
  4. Agência Europeia do Ambiente, Como os pesticidas impactam a saúde humana e os ecossistemas na Europa , 26 de abril de 2023.
  5. Vera Silva, Hans GJ Mol, Paul Zomer, Marc Tienstra, Coen J. Ritsema, Violette Geissen, Resíduos de pesticidas em solos agrícolas europeus – Uma realidade oculta revelada , Ciência do Meio Ambiente Total, Volume 653, 2019, Páginas 1532-1545, ISSN 0048-9697.
  6. Carsten A. Brühl, Nikita Bakanov, Sebastian Köthe, Lisa Eichler, Martin Sorg, Thomas Hörren, Roland Mühlethaler, Gotthard Meinel, Gerlind UC Lehmann, Exposição direta de insetos a pesticidas em áreas de conservação da natureza na Alemanha , Scientifics Reports, 16 de dezembro de 2021.
  7. C. Pelosi et al. , Resíduos de pesticidas usados ​​atualmente em solos e minhocas: uma ameaça silenciosa? , Agricultura, Ecossistemas e Meio Ambiente, Volume 305, 1º de janeiro de 2021.
  8. A comercialização de pesticidas em todo o mundo representa mais de 50 mil milhões de euros em volume de negócios anual .” France Inter, Os pesticidas ainda têm um futuro brilhante pela frente na França , 27 de dezembro de 2022.
  9. Hallmann CA, Sorg M, Jongejans E, Siepel H, Hofland N, et al. (2017) Mais de 75 por cento de declínio ao longo de 27 anos na biomassa total de insetos voadores em áreas protegidas . PLOS UM 12(10): e0185809.
  10. Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia, Regulamento (CE) n.º 1049/2001 sobre o acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão , 31 de maio de 2001.
  11. Provedor de Justiça Europeu, Recomendação do Provedor de Justiça Europeu no caso acima mencionado relativo à recusa da Comissão Europeia em conceder acesso às posições dos Estados-Membros sobre as orientações relativas à avaliação dos riscos associados aos produtos fitofarmacêuticos para as abelhas, maio 10 de outubro de 2019.
  12. POLLINIS, Pesticidas e polinizadores: estarão a Comissão e os Estados-Membros cedendo à pressão dos agroquímicos? , julho de 2019.
  13. Tribunal Geral da União Europeia, Pollinis França/Comissão , 14 de setembro de 2022.

sábado, 14 de outubro de 2023

Feminismo no Ribatejo: Maria Veleda, desde 1898

Dos primórdios do feminismo no Ribatejo, são de salientar duas conferências proferidas pela professora Maria Veleda, ainda no tempo da monarquia.

A primeira no Rossio ao Sul do Tejo (Abrantes), em 1907. E a segunda na cidade de Santarém, em 1909. Ambas promovidas pelo Partido Republicano Português.

Amnésia

Numa biografia que publicou sobre Maria Veleda, em 1995, a feminista Hortense de Almeida critica “os historiadores da República” que “deram a conhecer os nomes dos homens que se evidenciaram na defesa dos ideais que marcaram a luta política contra a monarquia mas, injustamente, silenciaram a acção das mulheres que a seu lado se bateram pelo mesmo objectivo”.

Chama a atenção que “essas mulheres, não obstante a amnésia dos historiadores, não foram figuras anónimas no seu tempo”. Muito pelo contrário, “a sua actuação no movimento revolucionário tornou-as conhecidas tanto de correligionários como de adversários políticos e fê-las merecer a simpatia do povo que as tratava com carinho e respeito por “senhoras republicanas”.

E aponta Maria Veleda como uma das “mais aguerridas” [Almeida (1995), págs. 145 e 147].

Condenada

Efetivamente, Maria Veleda teve um papel destacado. Desde logo pela sua intervenção na imprensa republicana. Chegou até a ser condenada a uma pesada multa, por um artigo em que criticou a rainha Amélia por esta “não ter deixado de assistir a um espectáculo teatral a que se dirigia quando a sua carruagem atropelou uma mulher e o seu filho de colo, que ficou esmagado” [Almeida, pág. 155].

Já depois de derrubada a monarquia, Maria Veleda liderou a «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas». Como presidente da direção em pelo menos dois mandatos anuais (1913 e 1914).

Teve ainda uma atividade marcante por meio de conferências que proferiu em vários pontos do país. Publicou aliás um livro com os textos algumas dessas suas intervenções: «A Conquista», de 1909.

Em Abrantes

A conferência de Maria Veleda no Rossio ao Sul do Tejo foi presidida por Ramiro Guedes, um médico de Abrantes que viria a ser o primeiro governador civil republicano do distrito de Santarém.

Há relato de que teve “grande concorrência de público, entre o qual se via representado em larga escala o elemento feminino”. E de que no final, Maria Veleda “foi extraordinariamente aplaudida” [«O Abrantes», 08/09/1907, pág. 2].

Falou ali acerca da história da mulher através dos séculos, da sua in- fluência “na educação e na emancipação dos povos”, e do seu papel numa “sociedade futura”.

E terminou com este apelo: “Levemos a mulher para o socialismo […] O lugar da feminista não é nas fileiras burguesas nem tão poucos nas alas reacionárias: – é nos partidos operários, em volta da bandeira vermelha!” [Veleda (1909), pág. 202].

Evocou mesmo o exemplo de algumas das mais célebres socialistas europeias da época, como as alemãs Rosa Luxemburgo e Clara Zetkin. Maria Veleda não chegou a aderir a um partido operário. Mas, no seio do feminismo republicano, representou de facto uma linha mais progressista, mais aberta às ‘mulheres do povo’. Distinta da linha mais elitista e burguesa, personificada por Ana de Castro Osório.

Em Santarém

A conferência de Maria Veleda em Santarém foi presidida pelo futuro primeiro presidente da Câmara republicano, José Montez.

Reuniu “muitas senhoras que enchiam mais de metade do vasto salão”. E ouviu-se o hino da Revolução Francesa – «A Marselhesa».

O tema foi «A educação da mulher em Portugal». No típico tom anticlerical da propaganda republicana da época, falou nos “horrores da mulher fanatizada pelo jesuíta, que dela faz um instrumento cegamente obediente, e disse que a liberdade é impossível enquanto a mulher não quebrar as cadeias que a prendem à reacção” [«O Século», 11/04/1909, pág. 2].

No «Correio do Ribatejo»

Da presença de Maria Veleda na imprensa ribatejana, cabe uma posição pioneira a este jornal, pois publicou um poema dela ainda no século XIX, em 1898: “Mater dolorosa” (“mãe de luto”, em latim).

LUÍS CARVALHO – INVESTIGADOR

 Artigo originalmente publicado no Correio do Ribatejo a 30 de Setembro de 2023

terça-feira, 10 de outubro de 2023

As lágrimas de crocodilo do primeiro ministro

Opinião

As lágrimas de crocodilo do primeiro-ministro, mas vale a pena lutar pela habitação

Rita Silva

Investigadora, ativista no movimento Vida Justa

Se António Costa está realmente solidário com quem sente na pele o que é não ter acesso à habitação digna que possa suportar com o seu rendimento, então que tome medidas já

O primeiro-ministro António Costa deu uma entrevista dois dias depois das grandes manifestações pela habitação que aconteceram por todo o país. Nessa entrevista disse que estava muito solidário com os manifestantes e que se identificava muito com a manifestação de Sábado. Mas não lhe fica bem esta hipocrisia. Afinal de contas ele faz parte do problema e tem grandes responsabilidades na emergência nacional que estamos a passar na habitação. A crise na habitação não é uma inevitabilidade, não decorre de uma lei natural. O mercado é produto de leis e políticas, aprovadas ou continuadas pelo governo de António Costa e responsáveis pela enorme crise que se vive na habitação.

Se António Costa está realmente solidário com quem sente na pele o que é não ter acesso à habitação digna que possa suportar com o seu rendimento, então que tome medidas já. É que há várias medidas que já poderia ter tomado, nomeadamente: controlar e baixar as rendas; controlar e baixar as prestações bancárias e limitar os lucros astronómicos da banca; suspender imediatamente os despejos e oposição à renovação de contratos como fez durante a pandemia, perante este novo estado de calamidade porque é mais que evidente que as pessoas não encontram alternativa no mercado para arrendar outra casa nem têm qualquer resposta da parte do estado; pode também retirar a licença aos alojamentos locais que estão ilegalmente a transformar habitação em hotéis; pode requisitar casas vazias para alojar quem precisa de casa para viver.

É também lamentável que nessa entrevista António Costa se tenha solidarizado na mesma medida com os coitados dos proprietários. Mas não são eles, os que praticam rendas abusivas, que estão a abrir uma enorme brecha social neste país? Qual é o seu contributo? Promover a miséria, quando a renda superou os rendimentos do trabalho? No entanto, António Costa não anunciou que não deixará as rendas aumentar na medida da inflação e por isso, parece provável, que vamos ter novo aumento nas rendas em 2024. Se António Costa acha que os proprietários são afetados pela inflação e merecem compensação, porque não compensou na mesma medida os salários de quem trabalha?

Mas vale a pena lutar! Foi com a luta que se conseguiu arrancar a ferros duas medidas que ainda não estão concretizadas na prática (temos de ver para crer) mas que são importantes. António Costa parece que desta vez vai mesmo acabar com os vistos gold e, anunciou na referida entrevista, que acabará com o regime fiscal injusto dos residentes não habituais. Estes programas não são insignificantes, têm sido, na verdade, grandes motores da especulação em Portugal, porque inflacionam os preços virando o mercado para um poder de compra que nada tem que ver com os salários de quem vive e trabalha neste país. Isto só demonstra que vale a pena lutar! No entanto, o anúncio destas medidas, que só apontam para 2024, vem demasiado tarde, mesmo muito tarde, e o mal está feito. Os preços estão absurdos, não vão baixar por isto, promove corridas a estes regimes enquanto estes durarem e o imobiliário português já está completamente integrado nos circuitos da especulação imobiliária e rentista internacional. Agora é preciso fazer muito mais, e é por isso que a luta não vai parar.

Uma coisa é certa, tem sido pela organização e mobilização das pessoas que temos conseguido que a habitação esteja no centro do debate público e político. É só assim que vamos arrancando vitórias, é só assim que vamos conseguir ter o direito à habitação assegurado para todas as pessoas. É que o primeiro-ministro António Costa pode fazer muita coisa para acabar já com a crise de habitação. É dessas medidas que as pessoas precisam, não da sua empatia. No dia 21 de Outubro há nova manifestação em Lisboa, por uma Vida Justa. 

Artigo originalmente publicado em: https://expresso.pt/opinião//2023-10-10-...

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

O Poeta Eugénio de Andrade nasceu à Cem anos

Eugénio de Andrade nasceu na Póvoa da Atalaia, concelho do Fundão, a 19 de Janeiro de 1923 e morreu a 13 de Junho de 2005 no Porto.

Juntamo-nos às comemorações, dos cem anos do seu nascimento, transcrevendo uma entrevista feita por Antónia de Sousa (Diário de Notícias), em 24 de Julho de 1983. Porque, apesar de terem passado quarenta anos, está actual.

ESTE PAÍS É A MINHA FERIDA*

Em fins de Maio, no Porto, preparei, noite adiante, no silêncio de um quarto de hotel, o que pensava ir ser a entrevista consentida com Eugénio de Andrade. Um amigo servira de mediador entre o meu desejo de, ao vivo, caminhar «pelos afluentes do silêncio» e coher das palavras casuais o que está antes e para além do poema (a verdade do homem) e o poeta que anuíra em me receber. Às cinco da tarde.

Não era um trabalho de encomenda que executava, mas a proposta pessoal de confronto com o mistério da arte, com a voz que nasce do silêncio. Eugénio de Andrade, o poeta escolhido. No jardim de S. Lázaro, perto das cinco, lancei um último olhar aos apontamentos recolhidos, pronta a seguir para o espaço ainda em branco da entrevista, expectante das palavras que iria colher para o leitor e com as quais pretendia fazê-lo comungar dofascínio da criação poética, como reveção ou ampliação de um gosto já adquirido.

Acreditar em prenúncios! A expectativa pacífica em que me encontrava foi perturbada, de repente, pouco antes das cinco, quando descobri que me enganara na rua. E foi uma corrida contra o tempo, uma luta com o labirinto das ruas e, enfim, a casa.

«Pode crer, não é por antipatia por si, mas é-me impossível dar-lhe a entrevista. Estou-me nas tintas para os jornais. Não dou entrevistas. De vez em quando dou uma coisa dessas para as revistas literárias, mas raramente.»

Tento ganhar tempo. Adaptar-me ao inesperado da situação, descobrir a medida exacta da recusa e até que ponto posso voltá-la a meu favor.

E alega:

«Não tinha ainda ouvido dizer que não era um homem fácil, que podia até ser muito antipático, ou brutal?»

Entretanto, escreve uma dedicatória na última edição de um dos seus livros e mostra-se disposto a «despachar-me», amavelmente, com o óbulo de As Palavras Interditas e a «simpatia, apesar da impertinência, do Eugénio de Andrade», como dedicatória. Não sou propriamente coleccionadora de autógrafos. Tenho a maior parte da sua obra, mas não lho digo. Não quero adulá-lo. Não estou vencida e não tenho ainda a certeza de a sua atitude ser uma pose ou verdadeira recusa. «Conversamos um bocadinho e depois expulsa-me...», proponho. E pergunto:

- O que é mais importante na sua obra: a pele, o Alentejo ou a mãe?

Por momentos o silêncio foi denso, pesado, cheio. O rosto e os olhos magoados de Eugénio de Andrade ficam em suspenso e depois observa:

- É uma pergunta bonita! Qualquer dessas coisas é muito importante para mim.

Hesita ainda, mas acaba por afirmar:

- Eu já falei de tudo isso. A pele, isto é, o corpo é extremamente importante na minha poesia. Não esqueça que nós escrevemos num país onde a moral é de sacristia. A mãe é, por excelência, a figura central da minha poesia. O Alentejo é a pátria, a pequena pátria, a pátria «chica», como dizem os espanhóis, porque eu, embora não tenha nascido no Alentejo, nasci naquela parte da Beira Baixa que indubitavelmente o prolonga. É de lá que vêm as imagens arquetípicas da minha poesia, e algumas delas nunca mais se atenuaram. Quero eu dizer: foi com aterra, o vento, a luz, a água, foi sobretudo com a minha mãe, que aprendi essas palavras transparentes, cheias de brilhos. Esse falar materno (Dante também falou do parlar materno, mas num outro sentido) é o da minha poesia. Falar da terra ou da mãe é falar da mesma coisa. Quando digo mãe digo terra, quando digo terra digo mãe. O corpo, esse é uma explosão: é nele que se dá o encontro com o outro, é a descoberta da razão da vida.

«Sinto-me nervosa.» Confesso-o, julgando a situação desbloqueada. «A culpa não é minha. Eu disse que não dava entrevistas e a senhora insiste. É horrível!»

Tento uma vez mais vencer a incomodidade da situação. Falo-lhe das vozes interiores dos poetas, responde-me:

- Toda a gente escuta vozes, esse rumor do sangue. Os poetas não são diferentes dos outros homens.

- Mas eles sentem-nas com mais nitidez, estão mais atentos, não é?

- Talvez, sobretudo às vozes da inocência. A infância, no poeta, jamais se extingue. Talvez por isso eles sejam tão vulneráveis, os poetas.

- Qual das vozes interiores é a mais intensa?

- A voz mais intensa, presentemente, aquela que escuto com mais atenção, nem sequer é interior - é a voz de uma criança de três anos. É a voz do Miguel. Como se a poesia fosse uma voz, e essa voz fosse a dele.

- E que lhe diz essa voz?

- Diz-me que devo ter começado a envelhecer. Se assim não fora, como poderia eu dar-me tanto a uma criança?

- Não será antes o reencontro com a pureza inicial?

- Ainda ontem dizia a um amigo que a inocência foi sempre um dos meus mitos maiores. Talvez. Não sei nada. Não ma apetece falar. Pode crer, não ma apetece dizer-lhe absolutamente nada sobre isso. Ou sobre seja o que for!

A sua recusa é autêntica. Total. Desligo o gravador. Até aí sentia-me suportada pelo direito que me dava a minha boa-fé, o ter entrado naquela casa pensando que iria ser recebida com receptividade. Ainda que tivesse havido concordância inicial com a entrevista, eu não poderia continuar Tornara-se doloroso para mim própria. Digo-lho. E só volto a ligar quando silenciosamente o consente.

- Há em mim uma enorme inapetência para o mundo. É a mesma inapetência que me leva a recusar sistematicamente convites para jantar, viagens, colóquios, encontros, tudo. Há uma inapetência total e creio que a sua parte houve uma violação da minha privacidade.

- Sinto-me culpada.

- Compreendo isso. A minha recusa, como lhe disse, era autêntica. Irrevogável.

- Mas é também autêntica e séria a entrevista que pretendo fazer-lhe!

- Acredito, mas eu necessito de silêncio. Refugio-me nele. Faço dele a casa, a pátria. A única coisa de que gosto de falar é do Miguel. Se ele aqui estivesse tudo seria mais fácil, talvez até lhe desse a entrevista. O país? O país cheira mal. Deve ser da corrupção. Que me lembre, nunca houve tanta. O Camilo, que não tinha papas na língua, acerca do país dizia: «Quando se fará ao menos inodora esta cloaca?» 

- Falemos do país...

- Não vale a pena, porque só tenho brutalidades para dizer.

- Mas pode dizê-las. Recordo uma frase sua em que refere o «tempo em que a confiança dos homens foi reduzida a lixo» Que pensa do tempo presente, hoje, em Portugal?

- Disse-lhe a verdade quando entrou. Aceitei que viesse porque julgava que vinha estar um pouco comigo, é frequente virem pessoas, sou então muito espontâneo, convivente, bom rapaz, mas perante jornalistas fico inibido. É como se viessem armados.

- O jornalista é uma pessoa...

- Eu não tenho propriamente nada contra os jornalistas. O que tenho é inapetência, compreende? Não me apetece nada, mesmo nada, pode crer, falar de poesia.

O mais fácil para mim seria ter-me ido embora. Ao escrever volto a sentir que, neste momento, me deveria ter ido embora, porque se tornara espontaneamente doloroso prosseguir e nunca vivêramos uma situação em que a doçura e a nostalgia das frases fosse tão carregadas de violência.

- Não lhe apetece realmente mais nada além de falar do Miguel?

- Olhe, apetecia-me ir outra vez à Grécia. Ir a Delfos. Ir a Delfos, ficar por lá uns meses, perdido; ou voltar a Laga, uma paraia deserta, há muitos anos, no País Basco, onde o tempo era inteiro, sem rugas, limpo como linho. Levar alguns livros e papel, apesar de tudo continuo a escrever. Tinha prometido a mim prório parar, estar uma boa temporada sem mexer uma palha, porque pensava ter chegado a um limite, a um ponto onde a respiração era já difícil, mas passados três ou quatro meses voltei à mesma. A poesia é o inferno; às vezes também é o paraíso.

- Num dos seus poemas diz que os homens merecem tudo. Acha que conseguiu tudo aquilo que merece?

- Sei lá o que mereço. De qualquer modo quis sempre muito pouco. Queria uma árvore, uma árvore carregada de pássaros. Havia uma aqui na rua, mesmo em frente da janela do meu quarto, não havia estação que não passasse por ela, não havia ave que ali não pousasse para me despertar. Derrubaram-na para arrumarem mais automóveis. Havia um pessegueiro nas traseiras da casa, quando floria era um poema japonês. Deitaram-no abaixo, fizeram um telhado de zinco. Este país odeia as árvores; quando não as arranca, deita-lhes o fogo. É mais uma das suas virtudes.

- A bondade é um dos temas da sua poesia. Lembro-me de uma frase em que diz que «é um tempo a que falta amor e bondade». Que papel pode o poeta desempenhar na recuperação desses valores? Que tempo é o nosso?

- É um tempo de uma espantosa crueldade e de uma angústia para que não há nome. Como se não bastassem já os anteriores alarmes (poluição das águas, da atmosfera, explosão demográfica, crianças a morrer pelos vários cantos do mundo) temos agora todos esses míseis apontados ao coração, que não tardarão a multiplicar-se como pães do milagre. Uma catástrofe nuclear nunca esteve tão próxima. A corrida aos armamentos não pára - e sempre as armas tiveram o homem por alvo - e, se vier a parar, não bastará o lixo atómico para pôr a vida da terra em perigo? É uma civilização de bárbaros, a nossa. De bárbaros.

A tensão dilui-se, finalmente, há até uma quase aceitação. Pelo menos um apaziguamento. E é já quase como desabafo que Eugénio de Andrade diz:

- Tenho uma enorme dificuldade em dizer que não, mas é preciso, é absolutamente necessário. Eu costumo dizer que um homem pode definir-se assim. Um homem pode definir-se pela sua capacidade de dizer não.

- Às vezes é preciso dizer sim.

- É sempre fácil. O sim em mim é instintivo. O não, pelo contrário, é resultado de uma decisão. É a forma de me defender de abusos - e eles têm sido tantos.

É na linha do apaziguamento que se estabelecera entre nós que lhe prometo enviar a entrevista antes da publicação e o poeta concorda: «Pode ser. Não quero que guarde de mim uma impressão tão desagradável.»

- O Viale Moutinho veio aqui uma vez por uma entrevista, eu era bem mais novo, depois escreveu: «O Eugénio de Andrade é uma mistura de brutalidade e ternura.» Há realmente em mim esses dois pólos. A brutalidade provém da minha falta de paciência para a impostura. É rara a pessoa que ousa tirar a máscara, e eu não tenho já tempo a perder. Mas quem ousa ser o que é? O poeta, esse tem obrigação de mostrar o rosto nu. A poesia é a verdade - foi Goethe quem o disse, mas nunca é de mais repeti-lo. O segredo do êxito da minha poesia creio que provém daí.

- É porque diz algo de essencial, não?

- Ou de visceral, para ser mais exacto. Não se trata de uma poesia mentale, como Leonardo dizia da Pintura. É uma poesia entranhada, onde as raízes do homem não foram cortadas. Curiosamente, ela interessa muito os jovens. Ao escrever, não viso um público específico, mas compreendo que os jovens se interessem pelo que escrevo. É, por assim dizer, uma poesia anti-institucional, que recusa toda a iniquidade, escrita de costas para a moral vigente, desinserida de práticas religiosas comuns - o que nada tem a ver com a experiência pessoal que cada homem tem do sagrado -, alheia ao espírito competitivo e de lucro das sociedades de consumo; numa palavra, uma poesia de contestação, em sentido amplo, que afirma a radical diferença de modos de pensar e agir, atenta ao real sem contudo recusar a utopia, que não pactua com demagógicos populismos mas igualmente distanciada de todo o aristocratismo das estéticas minoritárias.

- Os jovens amam o rosto nu?

- Mais facilmente que os adultos. Os jovens, na sua maioria, não estão ainda corrompidos, não foram ainda contaminados por essa lepra que vê tudo da perspectiva do lucro, não fizeram ainda do aumento de vencimento e das ajudas de custo o alvo preferente dos seus interesses Neles, a busca da verdade pode ainda ser uma paixão, e não tiveram ainda tempo para aprender a desprezar a poesia das coisas leves e limpas: os gatos, os girassóis, as pequenas bagas de fogo negro que o fim do verão põe nos silvados.

- Quando é que sentiu necessidade do encontro com o seu rosto?

- Desde que tive consci^^encia realmente de que tinha um corpo. E que esse corpo era meu. Aliás, estou convencido de que qualquer adolescente sente necessidade disso: encontrar o seu rosto. Simplesmente, há quem se jogue inteiro nisso e há quem não tenha essa coragem. É tudo. E a coragem não é fácil! Mesmo ainha não vai muito longe. Não nasci para herói nem santo.

- Que dificuldades tem enfrentado nessa procura?

- Dificuldades? Não sei se é a palavra. Desde cedo me encontrei desinteressado de coisas que interessavam à maioria. Na adolescência tive duas fascinações: a santidade e a poesia. A santidade, adeus, aos catorze anos isso estava arrumado. Ficou a poesia. Boa ou má, aí a tem, e justamente desde os quinze anos - essa cançãozita dos cravos foi escrita nessa idade, numas férias na Beira, onde então passava o verão.

- Deixou de lá ir?

- Deixei. E foi o mundo da adolescência que se perdeu: os primos, os cavalos em pêlo, os banhos na ribeira, as fugas para a sombra escura dos amieiros, o sexo a berrar a sua exigência, o esplendor do verão, que nesse tempo durava, durava... Nos meus poemas há imagens frementes da maravilha desses dias.

- A forma como vive, apenas rodeado de livros e de quadros, é uma decisão ou uma contingência?

- De certo modo, é uma opção. Já lhe disse que sempre quis pouca coisa. Mas também não sei lidar com dinheiro. Tenho livros e discos a mais e faltou-me sempre o tal palmo de terra onde um limoeiro e um aloendro fossem refúgio do olhar.

- Viver numa ilha deserta como Marguerite Yourcenar?

- Bem, a ilha dos Montes Desertos, no Maine, onde vive Marguerite Yourcenar, não é propriamente uma ilha deserta - é um lugar de gente simples, com hábitos referidos por ela como próximos do final do século XIX, onde a caça é proibida e os pássaros são inumeráveis. No terreno à roda da sua casa, a vegetação cresce inculta e às aves ela prórpria diariamente lhes dá de comer.Yourcenar vive aí com a maior simplicidade, apanha lenha nos bosques, coze o pão, faz a comida e as portas da sua casa estão sempre abertas à amizade e à gentileza. Há vidas como esta, ou na de Walt Whitman, muito sagesse e, ao mesmo tempo, muita beleza.

- O Eugénio de Andrade afirma que há poucas coisas absolutamente necessárias. Quais são as coisas que lhe são absolutamente necessárias?

- São as que toda agente reconhece imediatamente como necessidade: a luz, a verdade, a juventude, a inocência, a ternura. Tudo coisas que escapam às malhas do dinheiro.

- Porque é que as pessoas não se dão a coisas tão fundamentais?

- As opções das pessoas são sempre culturais. O Eça dizia que a crise nacional era de carácter Ainda é, mas há outra, e essa é uma crise de cultura. Neste país só a mediocridade engorda.

- Só se pode gostar de poucas coisas?

- Penso que sim, mas dessas vale a pena gostar intensamente.

- quando se recusa a entrevistas é, como diz num dos seus livros, por não ser fácil falar quando se tem muito para dizer?

-Essa é uma das razões. Eu falo, a propósito disso, da fascinação do silêncio e da sabedoria oriental. Parece-me que era Valéry que dizia, a propósito de Mallarmé, que se sentia que ele pensava ao falar. Já reparou que a maior parte das pessoas fala sem pensar no que diz?

- Voltamos ao valor da intensidade?

- Voltamos à paixão, à busca da verdade, à luta pela autenticidade. O Ricardo Reis diz numa das mais belas das suas odes: «Para ser grande, sê inteiro.» É isso, estar todo em cada palavra, em cada gesto. E não me diga que se pode estar inteiro numa conversa despretensiosa como a que estamos a ter.

- A jornalista tem consciência disso...

- Em regra, os leitores são preguiçosos ou superficiais. Os jornalistas não são excepção. Apanham uma frase aqui, outra ali, mas as coisas de estética não se improvisam. A poesia é uma especialização, uma linguagem na linguagem, dizia o outro, e le sabia de que falava. A leitura superficial não leva a parte nenhuma. Cada leitor tem de lutar corpo a corpo com o poema, apossar-se dele, potenciá-lo, transformá-lo.

- Recriá-lo?

- Exactamente: torná-lo outro.

- Gostaria, para terminar, que me falasse de Portugal, deste país...

- Este país é a minha ferida, e eu não gosto de esgaravatar em feridas. A esperança que tantos puseram no 25 de Abril era desmedida, e custa muito meter o sonho num par de tamancos. É a minha ferida, este país.

- Como poeta, como vê o futuro do país?

- Que pergunta. Há por aí gente que lê nos astros, ou nas cartas Deve procurá-la. Só sei dizer-lhe que é um país triste, este, um país com vocação do suicídio, como Unamuno já notara. Se tivesse vinte anos talvez, cinicamente, lhe dissesse que é um país de gente bonita, mas como já os não tenho nem isso me pode servir de consolo.

- Vamos falar do corpo...

(A pergunta fica a meio. Apesar das tréguas que permitiram o desenrolar desta entrevista, não me sinto inteiramente à vontade. Era do «corpo rumoroso de homem», que Eugénio de Andrade canta, que lhe queria falar. Não foi o seu excessivo amor à mãe, a mitificação da sua figura, que não lhe permitiram cantar a mulher? A pergunta fica aqui formulada, sem resposta. O que registamos responde à questão tal como a formuláramos.)

- Já falei do corpo nos meus poemas e nada tenho a acrescentar aos versos que escrevi. Detesto paráfrases. 

- Sofre também de melancolia à portuguesa?

- Sofro, como toda a gente, porque não há... alegria à portuguesa. Vamos acabar com isto?

E já a despedir-me: «A senhora é tão persistente que bem merece a entrevista. Mande-ma, pode então acontecer que mude de opinião e autorize que se publique.»

Eugénio de Andrade, Poesia e Prosa [1940-1986], 3.ª edição aumentada, III Volume, Círculo de Leitores, 1987, pp. 196 a 206.

 



 

* Entrevista gravada concedida a Antónia de Sousa (Diário de Notícias), 24.7.83. Procedeu-se a pequenos cortes e ajustamentos. 

VIDA JUSTA, CASA PARA HABITAR, PLANETA PARA VIVER

Manifestação Vida Justa

Em Lisboa, do Rossio até à Assembleia da República, em São Bento, no sábado, 21 de Outubro de 2023, pelas 15h00.

Queremos uma vida justa

Somos a maioria. Temos dificuldade em ter casa, vivemos em habitações sem condições, hoje o aluguer de um quarto custa o que se pagava por uma casa há dez anos; trabalhamos com salários que nunca aumentam e não chegam para os 30 dias do mês; os nossos bairros têm falta de transportes públicos, os grandes investimentos são feitos para linhas circulares para turistas, é suposto nós não termos direito à cidade, fora da hora de trabalho; os preços dos bens essenciais estão cada vez mais caros, há muito que não tínhamos dinheiro para férias, hoje não temos dinheiro para o leite; os governos não nos respeitam, a polícia trata-nos como se não fossemos pessoas: cercam os nossos bairros e agridem os jovens.

Os nossos problemas parecem invisíveis. Apesar de criarmos riqueza e trabalharmos todos os dias, haja pandemia ou não, a verdade é que aquilo que se vê nas televisões, aquilo que se preocupam os governos é com os banqueiros e «contas certas». São sempre contas para quem é rico nunca pensam em quem trabalha.

Vamos para a rua, no dia 21 de Outubro, para que percebam uma coisa: somos a maioria. E é tempo dos muitos fazerem ouvir a sua voz. A injustiça persiste também por causa do nosso silêncio. Vamos tomar a palavra e exigir que se façam políticas justas que promovam a igualdade: todos e todas temos direito a ter uma vida justa, merecemo-la todos os dias em que trabalhamos, e os jovens merecem ter um futuro melhor.

Basta de aumento de preços, queremos casa para viver, transportes para todos, aumento dos salários, contra a repressão policial nos bairros.

Manifestação, dia 21 de Outubro, 15 horas, do Rossio ao Parlamento.

Estamos juntos, estamos fortes.