terça-feira, 10 de outubro de 2023

As lágrimas de crocodilo do primeiro ministro

Opinião

As lágrimas de crocodilo do primeiro-ministro, mas vale a pena lutar pela habitação

Rita Silva

Investigadora, ativista no movimento Vida Justa

Se António Costa está realmente solidário com quem sente na pele o que é não ter acesso à habitação digna que possa suportar com o seu rendimento, então que tome medidas já

O primeiro-ministro António Costa deu uma entrevista dois dias depois das grandes manifestações pela habitação que aconteceram por todo o país. Nessa entrevista disse que estava muito solidário com os manifestantes e que se identificava muito com a manifestação de Sábado. Mas não lhe fica bem esta hipocrisia. Afinal de contas ele faz parte do problema e tem grandes responsabilidades na emergência nacional que estamos a passar na habitação. A crise na habitação não é uma inevitabilidade, não decorre de uma lei natural. O mercado é produto de leis e políticas, aprovadas ou continuadas pelo governo de António Costa e responsáveis pela enorme crise que se vive na habitação.

Se António Costa está realmente solidário com quem sente na pele o que é não ter acesso à habitação digna que possa suportar com o seu rendimento, então que tome medidas já. É que há várias medidas que já poderia ter tomado, nomeadamente: controlar e baixar as rendas; controlar e baixar as prestações bancárias e limitar os lucros astronómicos da banca; suspender imediatamente os despejos e oposição à renovação de contratos como fez durante a pandemia, perante este novo estado de calamidade porque é mais que evidente que as pessoas não encontram alternativa no mercado para arrendar outra casa nem têm qualquer resposta da parte do estado; pode também retirar a licença aos alojamentos locais que estão ilegalmente a transformar habitação em hotéis; pode requisitar casas vazias para alojar quem precisa de casa para viver.

É também lamentável que nessa entrevista António Costa se tenha solidarizado na mesma medida com os coitados dos proprietários. Mas não são eles, os que praticam rendas abusivas, que estão a abrir uma enorme brecha social neste país? Qual é o seu contributo? Promover a miséria, quando a renda superou os rendimentos do trabalho? No entanto, António Costa não anunciou que não deixará as rendas aumentar na medida da inflação e por isso, parece provável, que vamos ter novo aumento nas rendas em 2024. Se António Costa acha que os proprietários são afetados pela inflação e merecem compensação, porque não compensou na mesma medida os salários de quem trabalha?

Mas vale a pena lutar! Foi com a luta que se conseguiu arrancar a ferros duas medidas que ainda não estão concretizadas na prática (temos de ver para crer) mas que são importantes. António Costa parece que desta vez vai mesmo acabar com os vistos gold e, anunciou na referida entrevista, que acabará com o regime fiscal injusto dos residentes não habituais. Estes programas não são insignificantes, têm sido, na verdade, grandes motores da especulação em Portugal, porque inflacionam os preços virando o mercado para um poder de compra que nada tem que ver com os salários de quem vive e trabalha neste país. Isto só demonstra que vale a pena lutar! No entanto, o anúncio destas medidas, que só apontam para 2024, vem demasiado tarde, mesmo muito tarde, e o mal está feito. Os preços estão absurdos, não vão baixar por isto, promove corridas a estes regimes enquanto estes durarem e o imobiliário português já está completamente integrado nos circuitos da especulação imobiliária e rentista internacional. Agora é preciso fazer muito mais, e é por isso que a luta não vai parar.

Uma coisa é certa, tem sido pela organização e mobilização das pessoas que temos conseguido que a habitação esteja no centro do debate público e político. É só assim que vamos arrancando vitórias, é só assim que vamos conseguir ter o direito à habitação assegurado para todas as pessoas. É que o primeiro-ministro António Costa pode fazer muita coisa para acabar já com a crise de habitação. É dessas medidas que as pessoas precisam, não da sua empatia. No dia 21 de Outubro há nova manifestação em Lisboa, por uma Vida Justa. 

Artigo originalmente publicado em: https://expresso.pt/opinião//2023-10-10-...