quarta-feira, 30 de novembro de 2022

GÁS NATURAL?

O gás é tão natural como o petróleo, o carvão e as areias betuminosas. Estão todas entre as energias extremistas...

Vejamos como é extraído e as consequências daí resultantes. 

No ano 2000 houve uma expansão exponencial no Estados Unidos da América (do Norte), recorrendo à extracção através da fractura hidráulica (fracking, em inglês). Com este método, para extrair petróleo e gás, fazem-se furos nas rochas do subsolo injectando um fluído a alta pressão. Fluído que tem entre os seus componentes ácidos, biocidas, espumas, gel formaldeído, benzeno, xileno, crómio, antimónio, hidróxido de sódio, tolueno, etanol, naftaleno e areia, entre centenas de outros produtos químicos. 

Após a abertura do furo, as areias mantêm-no aberto para assim o gás e o petróleo poderem sair das jazidas geológicas, usualmente através de condutas. Este fluído contamina solos, subsolos e a escassa água doce e potável subterrânea.

Como o fluído é injectado a alta pressão provoca e aumenta a frequência de tremores de terra. Este processo, como está documentado em, por exemplo, Gasland, destrói e contamina os terrenos, ás águas ficam cheias de metano dissolvido e o ar irrespirável, provocando doenças a pessoas e animais. Em suma: destruição absoluta, matando toda as formas de vida.

Segundo João Camargo, as fugas de gás nos poços de petróleo, de gás e nos solos desestruturados pode atingir, em volume, os 9% do gás extraído. A introdução da extracção do gás por fractura hidráulica (fracking) levou a que os Estados Unidos sejam os maiores produtores de gás do mundo, e as emissões de gás metano, para a atmosfera, no país, aumentaram em 30% desde 2002. O gás metano tem um efeito de estufa muito superior ao do dióxido de carbono (25 a 84 vezes maior, ainda que fique menos tempo na atmosfera). 

Este método de exploração e extracção de gás e de petróleo, para além de destruírem os territórios onde se instalam, tornando-os inabitáveis e matando todo o tipo de vida,  aumentam e aceleram exponencialmente as emissões de gases com efeito de estufa. Os EUA são os maiores produtores de gás por fractura hidráulica, mas também a China, Argélia, África do Sul, Argentina, México, Inglaterra e Canadá o fazem. A Irlanda, Escócia, Bulgária e Alemanha, não utilizam esse processo, e a França, Holanda e Tunísia adoptaram uma moratória contra a sua utilização.

Respigado de: Manual de Combate às Alterações Climáticas, João Camargo, Edições Parsifal, Lda, Lx., 2018, p.p. 189/190.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

#NãoEstãoSozinhas!

4 ESTUDANTES DO MOVIMENTO “FIM AO FÓSSIL – OCUPA!” VÃO A TRIBUNAL

Sexta-feira (11 de novembro), a polícia de choque entrou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, à moda da ditadura salazarista, e removeu estudantes que protestavam pelo seu futuro.

Dia 29 de novembro, às 14:00, vão ser apresentadas a tribunal.

O julgamento está marcado para dia 29 de Novembro às 14h, no Campus de Justiça (Oriente), edifício F.  Apareçam na manifestação de apoio e chamem amigas, família e colegas & partilhem o cartaz que publicámos nas redes sociais! https://www.instagram.com/p/ClLib4gMKdk/?igshid=YmMyMTA2M2Y=


Esta situação só é possível devido ao retrocesso do movimento popular gerado após o Golpe de Estado, levado a cabo pelo movimento dos capitães, que derrubou o regime fascista/colonialista em 25 de Abril de 1974. Esse retrocesso é consequência do golpe político-militar reaccionário de 25 de Novembro de 1975, que impôs o silêncio opressor do estado de sítio, do recolher obrigatório, que levou; fascistas e demais magnates a rejubilaram, os militares comprometidos com as lutas populares para a prisão e as pessoas, em particular as trabalhadoras, as mais pobres, que tinham lutado organizadas no movimento popular, a entenderem como  findo o seu brevíssimo tempo de liberdade.

25 de Novembro é a única data fundadora do regime actual. Esta é a data que todos anos os actuais detentores do poder celebram a 25 de Abril. 

Porque de Abril resta quase nada. A liberdade não passa de uma ilusão, para a esmagadora maioria das pessoas, enquanto as grandes corporações económico-financeiras possuem toda a liberdade para obterem lucros fabulosos, acumulando riqueza, e os pobres são cada vez mais e mais pobres.

Hoje, as pessoas que lutam, que querem resolver as questões da sua vida colectiva, como o combate necessário e urgente às alterações climáticas, através da exigência do fim dos fósseis e de uma transição energética justa, com a participação das pessoas que trabalham e das comunidades locais, são reprimidas, presas e levadas a julgamento.

A democracia não é o espectáculo das instituições, os rituais formalistas e burocráticos, mas a via para questionarmos a ordem social iníqua, que está a levar a espécie humana para a catástrofe.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

HOMENAGENS E OUTROS EPITÁFIOS - EUGÉNIO DE ANDRADE

AO MIGUEL, 

NO SEU 4.º ANIVERSÁRIO, 

E CONTRA O NUCLEAR, NATURALMENTE

Vais crescendo, meu filho, com a difícil

luz do mundo. Não foi um paraíso,

que não é medida humana, o que para ti

sonhei. Só quis que a terra fosse limpa,

nela pudesses respirar desperto

e aprender que todo o homem, todo,

tem direito de sê-lo inteiramente

até ao fim. Terra de sol maduro,

redonda terra de cavalos e maçãs,

terra generosa, agora atormentada

no próprio coração; terra onde teu pai

e tua mãe amaram para que fosses

o pulsar da vida, tornada inferno

vivo onde nos vão encurralando

o medo, a ambição, a estupidez,

se não for demência apenas a razão;

terra inocente, terra atraiçoada,

em que nem sequer é já possível

pousar num rio os olhos de alegria,

e partilhar o pão, ou a palavra;

terra onde o ódio a tanta e tão vil

besta fardada é tudo o que nos resta,

ou aos chacais, que do saber fizeram

comércio tão contrário à natureza

que só crimes e crimes e crimes paria.

Que faremos nós, filho, para que a vida

seja mais que cegueira e cobardia?

11-3-84

Em: Eugénio de Andrade, Poesia e Prosa [1940-1986], 3.ª edição aumentada, II Volume, Círculo de Leitores, 1987, p. 47/8

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

A CARTA QUE O MINISTRO DA ECONOMIA RECUSOU ASSINAR


Carta de demissão apresentada pelas ativistas

Face aos recentes protestos de milhares de pessoas na última semana, que reivindicam o “fim aos fósseis no governo, a começar pela demissão imediata do ministro da economia e do mar, António Costa Silva”, apresento hoje, dia 15 de Novembro de 2022, a minha demissão das funções de Ministro.

Partilhando as preocupações ambientais destes jovens que exigem também o fim aos combustíveis fósseis até 2030, reconheço que o que defendia como uma “diversificação da companhia [Partex] com a aposta crescente nas energias renováveis (…)”, se trata na realidade de uma aposta na crescente importação de gás natural, um combustível fóssil que, como alertam os ativistas e a comunidade científica, tem de parar de ser utilizado até 2025 em Portugal caso queiramos evitar o colapso civilizacional.

Enquanto Ministro da Economia e do Mar fui incapaz de desempenhar as funções que se pretendem de um governo, principalmente a da salvaguarda da população portuguesa, tendo proferido palavras que não me seriam permitidas pelo artigo 45 da Lei de Bases do Clima, ao dizer que “Se hoje existirem empresas interessadas em investir nessas reservas e se vieram ter comigo, eu não terei reservas. Eu não penso fora da caixa. Eu não tenho qualquer caixa.”

Para além destes factos, embora saiba das preocupações climáticas da população desde 2019, em particular das gerações mais novas, ignorei-as ao não garantir que o Ministério da Economia, que até ao dia de hoje representava, investisse os 6 a 9 mil milhões de euros de fundos públicos em 200 mil Empregos Para o Clima, o único plano existente neste momento compatível com a crise climática. Em vez disso, defendi o lucro das petrolíferas, tendo inclusive expressado relutância em taxar os lucros extraordinários de empresas como a Galp, que no último ano duplicaram os seus lucros, enquanto a crise do custo de vida se instalava no seio das famílias portuguesas.

Pelos motivos supramencionados, apresento hoje a minha demissão das minhas funções de governo, esperando que o resto do governo e os meus sucessores ouçam as palavras dos estudantes que lutam pelo futuro de toda a população, implementando planos ambiciosos para o combate da crise climática, pondo a sobrevivência, e não o lucro, no centro das suas preocupações.

15 de Novembro de 2022,

[Espaço em branco que ministro se recusou a assinar]. 

Alice Gato, Francisca Duarte, Leonor Chicó, Raquel Alcobia e Teresa Núncio.

Publicada originalmente no Expresso online a 17 de Novembro de 2022

DETIDAS DEPOIS DA REUNIÃO COM O MINISTRO DA ECONOMIA


Detidas depois da reunião com o ministro da economia

Porque é que nós fomos detidas?

Artigo original publicado no Expresso online a 17 de Novembro de 2022.

Esta terça feira, nós – 5 ativistas da Greve Climática Estudantil (GCE) entre os 17 e 21 anos – fomos detidas por nos termos colado à porta do ministério da economia depois de reunir com o ministro da Economia e do Mar, exigindo a sua demissão e dizendo que não saíamos até ele sair. Porquê?

António Costa Silva teve tempo para fazer a escolha certa, pois esta não é a primeira vez que é alertado pelo movimento pela justiça climática. Em 2019, os nossos protestos deixaram claro o alerta para a emergência climática, e desde aí a exigência de neutralidade carbónica até 2030 permanece ignorada.

Nessa altura, enquanto CEO da petrolífera Partex, afirmou-se publicamente contra as vitórias de um movimento que cancelou 8 contratos de petróleo offshore da sua empresa (entre outros), prevenindo emissões na ordem das 10 mil toneladas de CO2.

Ainda assim, durante a pandemia, foi quem foi eleito para “reerguer” a economia do país, seguindo o plano de recuperação e resiliência (PRR). Reparámos que, para António Costa Silva, falar de “descarbonização” e “transição”, é recomendar o avanço do aeroporto do Montijo, a mineração do mar dos açores, a construção de um gasoduto a partir de Sines e a expansão dos portos para aumentar a “competitvadade” e importação de gás fóssil.

Já recentemente, e enquanto ministro, pronunciou-se contra a Lei de Bases do Clima, mostrando-se aberto a propostas de empresas para furar o Algarve para obter gás fóssil.

Quando veio a público que as petrolíferas duplicam os seus lucros enquanto uma crise se instala no seio das famílias portuguesas, o ministro colocou-se contra a taxação dos lucros extraordinários das primeiras, alegando que as empresas não estão prontas.

Depois de uma semana de ocupações estudantis, no passado domingo o ministro disse estar disponível para nos ouvir. Propusemos uma palestra sobre crise climática, que recusou, talvez porque não reconhecer a própria ignorância: no PRR, afirma que “(…) é vital reduzir até 2040 o consumo de carvão em 40%, reduzir em 15% o consumo de petróleo e aumentar o consumo de energias renováveis em 40%”. A ciência que lhe queríamos transmitir diz que temos de cortar 75% das emissões até 2030.

Apenas aceitou falar connosco à porta fechada, não compreendendo sequer o porquê: devíamos era falar com o ministro do ambiente, alega. Já que ali estávamos, falou-nos orgulhoso da sua capacidade em reduzir emissões, embora diga que as quer aumentar, pois talvez o Sr. Ministro não saiba, mas o gás fóssil não é renovável, produzindo tantas emissões como o carvão. Portugal não precisa de mais energia nem baterias para alimentar o mercado dos carros elétricos. Não admitimos falsas esperanças e milagres tecnológicos. Precisamos de uma transição energética justa e não de uma expansão energética. De que nos servem as renováveis se não cortarmos emissões?

Por outro lado, quando questionado sobre os vários trabalhadores postos no olho da rua aquando da sua “vitoria” do encerramento de centrais termoeléctricas, recusou-se a comentar. Se para Costa Silva transição é sinónimo de expansão, justiça nem entra no seu vocabulário.

Diz que não demos propostas concretas, mas fizemos acompanhar a exigência da sua demissão com a necessidade de acabar com o gás até 2025, a par de um investimento público de 6 a 9 mil milhões para o único plano de transição compatível com a ciência que existe em Portugal. O ministro admitiu nem conhecer a Campanha Empregos para o Clima que produziu esse plano.

Se António Costa Silva tem a agenda demasiado preenchida para ouvir sobre ciência climática por parte de ativistas, nós temos a agenda demasiado preenchida para negacionismo climático.

Todas as conquistas do movimento supramencionadas foram ganhas por manifestações e desobediência civil, não por negociação, porque não dá para negociar a ciência climática. Precisamos de um corte de emissões, as exigências para a nossa governação são claras e António Costa Silva, defensor do lucro e do petróleo, não tem legitimidade social para as levar a cabo. Não temos escolha face à necessidade de garantir um futuro para todas nós: não arredamos pé (nem mão) até que o fim aos fósseis esteja assegurado.

Quarta-feira fomos presentes a tribunal por termos exigido que se parasse com os crimes que estão a ser cometidos contra a humanidade. Enquanto jovens ativistas são acusadas de desobediência por resistir à ordem de destruir o planeta, punidas com dezenas de horas de serviço comunitário, António Costa Silva e a indústria fóssil permanecem impunes. 

Eles nunca vão parar. Cabe-nos a nós fazê-lo com a nossa força coletiva organizada, que voltará a ser demonstrada pelas ações de desobediência civil a partir de 2023 da campanha Gás É Andar Para Trás, com o objetivo de parar o gás fóssil, e com as próximas ocupações estudantis da primavera da GCE.

Alice Gato, Francisca Duarte, Leonor Chicó, Raquel Alcobia e Teresa Núncio.

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

DISCURSO TARDIO À MEMÓRIA DE JOSÉ DIAS COELHO - EUGÉNIO DE ANDRADE

José Dias Coelho, pintor, foi assassinado pela PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), em plena via pública, com vários tiros pelas costas.

Catarina Eufémia, assalariada agrícola, foi assassinada pela GNR (Guarda Nacional Republicana) com um tiro à queima roupa, em plena planície alentejana, com um filho ao colo e outro no ventre.

Esquecer, é ser cúmplice e contribuir activamente para a ascensão das forças reaccionárias, ditatoriais que assolam o nosso futuro.


DISCURSO TARDIO

À MEMÓRIA DE JOSÉ DIAS COELHO


Éramos jovens: falávamos do âmbar

ou dos minúsculos veios de sol espesso

onde começa o verão; e sabíamos

como a música sobe às torres do trigo.


Sem vocação para a morte, víamos passar os barcos,

desatando um a um os nós do silêncio.

Pegavas num fruto: eis o espaço ardente

do ventre, espaço denso, redondo, maduro,

 

dizias: espaço diurno onde o rumor

do sangue é rumor de ave - 

repara como voa, e pousa nos ombros

da Catarina que não param de matar.

 

Sem vocação para a morte, dizíamos. Também

ela, também ela a não tinha. Na planície

branca era uma fonte: em si trazia

um coração inclinado para a semente do fogo.

 

Morre-se de ter uns olhos de cristal,

morre-se de ter um corpo, quando subitamente

uma bala descobre a juventude

da nossa carne acesa até aos lábios.

 

Catarina, ou José - o que é um nome?

Que nome nos impede de morrer,

quando se beija a terra devagar

ou uma criança trazida pela brisa?

1972

 

Em: Eugénio de Andrade, Poesia e Prosa [1940-1986], 3.ª edição aumentada, II Volume, Círculo de Leitores, 1987, p. 37. 


Salvar o Clima

Unir Contra o Fracasso Climático

A indústria fóssil conseguiu viciar, ao longo dos últimos 50 anos, toda a economia global, em petróleo, gás e carvão. Acabámos de sair de um verão catastrófico em termos de clima: a maior seca dos últimos 500 anos na Europa, a seca da China que não tem paralelo na História, as inundações no Paquistão que ainda alagam um terço de um dos maiores países do mundo e incêndios, fogos e furacões, assolando todos os oceanos e florestas do planeta. Mas a máquina não para.

No primeiro semestre deste ano, os fósseis triplicaram os seus lucros. As petrolíferas lucraram como nunca. E os preços de tudo o que nós precisamos aumentaram dramaticamente (não só as coisas supérfluas, mas mesmo as coisas essenciais, como comida ou transportes). Pagamos nestes preços os lucros das petrolíferas. E ainda nem chegámos ao fundo do poço.

A ameaça do colapso climático faz com que a atual crise seja apenas o começo do que há por vir. Enquanto existir uma indústria fóssil que controla tecnologicamente e politicamente as sociedades, que compra com os seus lucros o processo decisório, o fracasso climático, ultrapassarmos os 1.5ºC e os 2ºC, é uma certeza.

Este ano a COP, cimeira do clima, realiza-se numa estância turística de luxo dentro de uma das ditaduras mais sangrentas do mundo, a do General Sisi, no Egito. O já descredibilizado processo institucional das COPs foi-se esconder do mundo num local onde sociedade civil, internacional e principalmente local, não podem entrar. Milhares de presos políticos egípcios não podem ser escondidos pelo greenwashing internacional à COP-27.

É desta maneira que se garante o fracasso climático, o enterro definitivo das metas climáticas de 1.5ºC. As políticas climáticas atuais, com a aposta em mais gás e carvão perante a crise do custo de vida, têm um espelho perfeito aqui.

Não nos resignaremos ao fracasso climático! Convocamos uma Quinzena de Ações que começa no dia 7 de Novembro e uma marcha no dia 12 de Novembro, para exigir políticas climáticas compatíveis com a realidade climática.

Juntas e juntos podemos pressionar por ações para que a mudança aconteça.

salvaroclima.pt