sábado, 28 de janeiro de 2023

O que há de errado com o gasoduto de António Costa? – João Camargo, Mariana Rodrigues

Na altura, foi preciso o esforço das melhores agências de comunicação para arrancar da derrota do gasoduto dos Pirinéus uma vitória para o governo. Para dourar a pílula, era preciso anunciar algo novo e espampanante, pelo que se tornou prático dizer que se ia construir em compensação um gasoduto de hidrogénio verde. Fazer o anúncio ao lado de Pedro Sánchez e em teleconferência com Emmanuel Macron tornava a coisa ainda mais solene. A direita em Portugal reclamava do abandono de Sines e da promessa de fazer desse porto a entrada do gás de fracking dos Estados Unidos para o centro da Europa. O principal problema do PSD era não ter qualquer plano e – ao contrário do governo do PS – nenhuma capacidade de inventar um soundbite sonante como “corredor de energia verde” ou “primeira grande corredor de hidrogénio da União Europeia”.

O tempo foi passando e, quatro meses e dezenas de secretários de Estado e ministros mais tarde, António Costa voltou a socorrer-se deste guião para dizer que a produção de hidrogénio verde vai ser a nova “reindustrialização” do país.

É preciso olhar para os projetos em cima da mesa, em particular o gasoduto de Celorico da Beira até Zamora (chamado CelZa), para clarificar a sua natureza e objetivos. Este projeto serve principalmente para expandir a infraestrutura de gás fóssil na Europa e em Portugal. O segundo objetivo é favorecer os interesses dos acionistas da Galp, da EDP e da REN em particular, criando um novo negócio que é queimar gás para produzir hidrogénio para exportação. Um terceiro objetivo é criar desde já a capacidade de exportar eletricidade produzida a partir de renováveis, apesar das mesmas não conseguirem sequer suprir as nossas necessidades elétricas atuais.

Clarificamos então algumas questões sobre este projeto:

– A primeira razão pela qual foi anunciado que ele era para 100% hidrogénio é ser financiado com fundos europeus para a transição, corrompendo a mesma de forma imediata;
– Não reduz nem faz parte de qualquer plano de eliminação de combustíveis fósseis, garantindo, em vez disso, que o negócio do gás continua a ser viável durante décadas;
– Em nada contribui para a eletrificação da economia em Portugal;
– Produz inovação no sentido de perverter estímulos à descarbonização para entregá-los às empresas fósseis e manter o seu modelo de negócio;
– Nada acrescenta em termos de segurança energética, mas antes reduz a disponibilidade de eletricidade de origem renovável, orientando-a preferencialmente para a exportação, em vez de servir para descarbonizar, por exemplo, as indústrias pesadas com ciclos locais de produção de hidrogénio verde.

O Celza é um projeto de, por e para a indústria fóssil. Um gasoduto construído para transportar gás “natural” não serve para para transportar hidrogénio, mas um gasoduto construído para transportar hidrogénio serve para transportar gás “natural”, e este não é um detalhe. Mas há uma grande diferença: o gasoduto para hidrogénio é muitíssimo mais caro. Assim, o CelZa é um gasoduto que serve perfeitamente para transportar gás natural, o que sem qualquer dúvida fará.

Os percursos propostos esclarecem-nos sobre objetivos. Serão desenterrados quilómetros de gasoduto desde a Figueira da Foz até Celorico da Beira e reconvertidos para permitirem o transporte de hidrogénio. De onde virá este hidrogénio? O Plano Nacional do Hidrogénio não o esconde: só na década de 2040 se produzirá mais hidrogénio “verde” (de origem renovável) do que hidrogénio de origem fóssil, isto é, o gasoduto não vai ser nenhum corredor de energia verde, mas sim de hidrogénio, na sua maioria produzido pela queima de gás. É na Figueira da Foz que se encontra a central a gás de Lares da EDP, de onde pode seguir para o gasoduto ou gás ou hidrogénio feito a partir da sua queima. Em qualquer um dos cenários, é um resgate à indústria fóssil.

Todas as cidades, aldeias e campos no percurso por onde passará este gasoduto não terão qualquer benefício e, pelo contrário, ocorrerão expropriações, destruição e devastação. Tudo para a foto de António Costa poder manter-se um pouco como o retrato de Dorian Gray e o gás que precipita o colapso climático poder continuar – sob a forma normal ou de hidrogénio cinzento, a alimentar os lucros dos acionistas da Galp, da EDP e da REN.

Este artigo foi publicado originalmente no Expresso.

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

8.º Encontro Nacional pela Justiça Climática - Programa para Sábado, 11 de Fevereiro de 2023

Tantas crises. E eu sou só uma pessoa.

Aumentam os preços, no fim do mês o dinheiro escasseia. Aumenta a temperatura, há cada vez menos floresta e menos água. Aumentam os lucros dos milionários, torna-se um luxo o acesso a casas, cuidados de saúde, energia e alimentos de qualidade. Estou em pânico com as notícias. Multiplicam-se as secas, as ondas de calor, os incêndios, os furacões, as cheias,… Soam os alertas. Logo normalizados

O que fazer quando um território está a arder? O que fazer quando um terço do Paquistão fica submerso e sabemos que só vai piorar? Dizem-nos que não há outro caminho. Que não temos poder. Dizem-nos que estamos isoladas. Mas nós não estamos sozinhas. Tu não estás sozinha. 

O sistema capitalista e extrativista em que vivemos está a afundar-nos numa crise civilizacional que deriva da sua incapacidade de aceitar limites e suplantar a sua natureza predadora. Nestas condições, a complexidade e gravidade ligada à criação de crises constantes, que agravam as injustiças, as desigualdades e a exploração, são inevitáveis. Perante esta rotina sempre muito justificada, mas pouco justificável, somos empurradas para uma espécie de “normalização de uma realidade adaptada a estas crises”. As lutas começam a parecer cada vez mais particularizadas e afastadas umas das outras. 

Mas porquê, se tudo isto é inerente ao sistema que coloca constantemente o lucro e não as pessoas e a Vida no centro? 

De 10 a 12 de fevereiro, junta-te a centenas de pessoas e dezenas de organizações do movimento pela Justiça climática no 8o Encontro Nacional pela Justiça Climática (ENJC). Pela primeira vez, o ENJC sai de Lisboa e vai para o centro de Portugal, de forma a sermos muitas mais, unindo sul e norte do país em Coimbra. Este é um espaço de partilha de conhecimento e experiências, onde tu podes conhecer as lutas que enfrentamos, as pessoas que as travam e as soluções e caminhos por percorrer. Este é o espaço e momento para conheceres e escolheres como te podes envolver nos próximos passos do movimento pela justiça climática em Portugal. 

Lê as 8 razões para ir ao 8º Encontro Nacional pela Justiça Climática, aqui!

Já podes ver o Programa para Sábado!

A tua inscrição é importante para termos uma clareza de quantas pessoas podemos contar e planearmos o evento de forma a torná-lo o mais acessível possível para todas.

Temos uma equipa a tratar de alojamento solidário para todas as participantes que se inscrevam e irás ser contactada para perceber qual a forma preferencial para ti de ser acolhida. As opções serão:
– Um local que arranjamos para 30 pessoas.
– As pessoas que se inscrevam de Coimbra e podem receber uma pessoa na sua casa.
– As repúblicas de Coimbra receberão pessoas na sua casa.
– Alugamos duas camaratas na pousada da juventude para 10 pessoas. (esta opção fica a pagamento por parte do participante)

Quanto a transporte público para o evento estamos atualmente à procura de alternativas mais acessíveis para as nossas participantes.

A alimentação será vegana. Será nas cantinas universitárias.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

[Vídeo] Pesticidas SDHI: a bomba-relógio dos agroquímicos


A POLLINIS lidera há 5 anos a luta contra os agrotóxicos SDHI ao seu lado, e luta com seus modestos meios para trazer à tona o que sem dúvida será um dos maiores escândalos sanitários e ambientais das próximas décadas.

Graças ao seu apoio e mobilização histórica , conseguimos reunir mais de 400.000 cidadãos dispostos a lutar contra as empresas agroquímicas: isso é mais do que todos os habitantes de Nantes, Lille ou Montpellier!

Conseguimos levar a sua voz ao Parlamento Europeu e depositar as suas assinaturas nas mãos dos representantes da Comissão Europeia em Bruxelas.

Finalmente, conseguimos obter o apoio de dezenas de parlamentares europeus (1) para que esses venenos fossem removidos de nossos territórios o mais rápido possível – para a saúde das abelhas e da biodiversidade, e para a saúde e bem-estar das próximas gerações.

Nas próximas semanas, vamos levar o estilingue aos tribunais para acabar definitivamente com esses matadores de abelhas.

Para colocar as probabilidades do nosso lado, é essencial poder contar com o apoio do maior número possível de cidadãos .

Ao reunir centenas de milhares de assinaturas adicionais à nossa petição nos próximos dias, queremos exercer a máxima pressão sobre as autoridades nacionais e europeias...

… para forçá-los a ouvir a ciência e, finalmente, tomar partido pela saúde e pelo meio ambiente dos cidadãos que deveriam representar !

Por favor nos ajude:

Dedique dois minutos para assistir a este pequeno vídeo que explica de forma muito simples como os pesticidas SDHI matam a biodiversidade e por que representam um perigo inaceitável para a saúde humana

ASSISTA O VÍDEO ►


E, acima de tudo, divulgue-o o mais amplamente possível ao seu redor, para mobilizar seus entes queridos que ainda não ouviram falar desse escândalo de saúde!

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Juntos, podemos vencer:

Muitos cidadãos ainda desconhecem os sérios danos que os pesticidas SDHI estão causando às abelhas e a todos os seres vivos (2); a sua presença dramática na nossa alimentação (3) e na dos nossos filhos (4); seus efeitos mortais nas células humanas (5)...

… e a inação aberrante das autoridades de saúde que se recusam a ouvir as advertências de cientistas e cidadãos (6) para proteger os interesses financeiros de um punhado de empresas agroquímicas.

Com a mobilização de todos, temos meios para evitar que os líderes políticos fechem os olhos à alarmante toxicidade dos pesticidas SDHI - para os polinizadores e toda a biodiversidade, para a nossa saúde e a das nossas crianças!

Por favor, transfira este vídeo com urgência para as pessoas ao seu redor que possam se mobilizar conosco.

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Desde já agradecemos a sua indispensável participação.

Com determinação e esperança,

A equipe POLLINIS


Referências :

  1. POLLINIS, Em Bruxelas, cerca de trinta deputados já apoiam a petição contra o SDHI , 12 de julho de 2022.
  2. POLLINIS, Estudos científicos estão se acumulando sobre os efeitos adversos dos fungicidas SDHI , 1º de março de 2022
  3. Słowik-Borowiec, M., Szpyrka, E., Rupar, J., Podbielska, M. & Matyaszek, A. Ocorrência de resíduos de pesticidas em vegetais frutíferos de fazendas de produção na região sudeste da Polônia . Roczniki Panstwowego Zakladu Higieny 67, 359–365 (2016).
  4. Nougadere, A. et al. Exposição dietética a resíduos de pesticidas e riscos associados à saúde em lactentes e crianças pequenas - Resultados do estudo francês da dieta infantil total . Meio Ambiente Internacional 137, (2020).
  5. Benit P, Kahn A, Chretien D, Bortoli S, Huc L, Schiff M, et al. (2019) Suscetibilidade evolutivamente conservada da cadeia respiratória mitocondrial a pesticidas SDHI e sua consequência no impacto de SDHIs em células humanas cultivadas . PLoS ONE 14(11): e0224132.
  6. Vários dos cientistas que estiveram presentes neste encontro [com a ANSES] ainda hoje falam dele como o pior dia da sua vida profissional, tanto se sentiram desprezados e não levados a sério ”. Basta!, SDHI, esses pesticidas massivamente aplicados que atacam todos os seres vivos , 21 de fevereiro de 2020.

domingo, 8 de janeiro de 2023

Precisamos de um serviço público de energias renováveis – Leonor Canadas e Daniel Borges

O ano começa com a promessa da subida generalizada de preços. O aumento das contas do gás e eletricidade, a que 2022 nos habitou, vai continuar. As soluções que nos estão a ser oferecidas pelos
nossos representantes políticos ficam muito aquém das necessidades reais das pessoas.

O Governo, em Outubro, atribuiu três mil milhões de euros para apoiar as empresas intensivas em energia com as faturas de gás e luz. Este é um apoio que acaba nas mãos das empresas de energia e da indústria fóssil. Mais recentemente anunciou que vai oferecer 240 euros às famílias mais vulneráveis, uma ajuda temporária que não traz soluções para um problema estrutural. Em 2020, 19% da população portuguesa encontrava-se em situação de pobreza energética*.Ora, este valor é mais elevado do que o número de famílias que vão receber este apoio, e certamente com a crise que vivemos esta percentagem já aumentou.

Esta crise tem na base um sistema energético pouco resiliente, dependente da indústria fóssil e gerido por um mercado que é monopólio de umas poucas empresas. Precisamos de uma solução que garanta que este cenário de preços incomportáveis e lucros recordes não se repete. Precisamos de um serviço público de energias renováveis. O sistema atual não nos serve.

A Agência Internacional de Energia anunciou no seu último relatório que “os altos preços da energia estão a causar uma enorme transferência de riqueza dos consumidores para os produtores”**. A Galp nos primeiros nove meses de 2022 atingiu valores de lucros de 608 milhões de euros, um valor que superou em 86% os lucros atingidos no mesmo período do ano anterior. A Galp e a EDP registaram juntas mais de mil milhões de euros em lucros nos primeiros nove meses do ano.

Se não fosse suficiente olhar para os seus lucros para perceber que o interesse público não está na sua agenda, estas são as mesmas empresas que têm de forma consciente arrastado a humanidade para uma crise climática. A Galp anunciou no final de Dezembro um contrato de acesso por 20 anos a gás liquefeito num projeto no Texas, acordo que vem complementar outros assinados pela empresa de forma a garantir o seu abastecimento de gás. Mas no seu site, a empresa diz-nos “que é tempo de regenerar o futuro”. Certamente não se refere ao futuro de todas as pessoas que já sofrem com as consequências da crise climática.

Enquanto entram no mercado das energias renováveis, estas empresas continuam a investir massivamente em energias fósseis. Esta diversificação de fontes de energia está a ser apresentada pelas empresas fósseis como uma transição energética mas não o é. O projeto delas é de expansão energética e expansão dos lucros. Por isso, 2022 bateu novamente o recorde de ano com o maior nível emissões de gases com efeito de estufa alguma vez registado.

A transição energética não está a falhar por falta de fundos, por falta de capacidade técnica, ou pelos potenciais impactos económicos na sociedade. Está a falhar porque o mercado da energia fóssil é precisamente isso: um mercado.

E se vivemos uma crise energética é também em parte porque não houve pensamento estratégico no investimento num sistema energético que funcione em prol do bem comum por parte dos últimos governos, especialmente daqueles que privatizaram a EDP e a REN. Portugal é dos poucos países europeus onde a rede de transmissão de energia é completamente privatizada. A privatização da REN foi imposta em 2011 pelo Fundo Monetário Europeu e pela Comissão Europeia. Assim, neste momento a energia é vista como mais uma mercadoria e o sistema energético é construído a favor dos interesses dos donos deste mercado. Por isso sentimos agora os efeitos de uma inflação marcada por lucros recordes.

Ora, a energia é um bem essencial, e por isso deve ser gerida democraticamente na ótica do serviço público. Isto é especialmente importante face ao papel do sistema energético nas alterações climáticas. Precisamos de uma empresa pública de energias renováveis porque os serviços essenciais e o futuro da humanidade não podem ficar à mercê das mãos invisíveis das corporações fósseis. Produzir e distribuir energia de acordo com o interesse público é fundamental para qualquer plano de transição climática justa, estabilizando os preços e garantindo acesso universal a energias renováveis, enquanto se criam milhares de Empregos para o Clima. Precisamos de um serviço público de energias renováveis porque uma transição energética justa, que sirva as pessoas só pode acontecer se for liderada pelo setor público com participação e escrutínio das pessoas. Esse é o plano para travar o colapso climático e garantir segurança, resiliência e soberania energética. A Galp, a EDP, a REN e os seus acionistas têm outros planos.


*Nos dados divulgados a 6 de janeiro de 2020 pelo Eurostat, Portugal consta como o quinto país da União Europeia
onde as pessoas têm menos condições económicas para manter as casas devidamente aquecidas, sendo que cerca de
19% dos portugueses estão em situação de pobreza energética.
**https://www.iea.org/reports/world-energy-outlook-2022


Este artigo foi públicado originalmente https://www.publico.pt/2023/01/08/azul/opiniao/precisamos-servico-publico-energias-renovaveis-2033757.