domingo, 27 de dezembro de 2020

 

Fim da refinaria de Matosinhos e Transição Justa: Avanço ou Recuo? – João Camargo

A Galp anunciou ontem, para surpresa de alguns, que encerrará a refinaria de Matosinhos. Garantindo que o aprovisionamento e a distribuição de combustíveis fósseis se mantém e, portanto, garantindo que nada disto tem o que quer que seja que ver com transição energética, este anúncio resulta para todos os efeitos práticos, num despedimento colectivo de 700 trabalhadores, entre quadros e precários em outsourcing.

Rapidamente o Ministério de João Pedro Matos Fernandes veio dizer que esta medida se inseria na transição energética, ao mesmo tempo que se sabe que a produção cortada em Matosinhos será transferida para Sines.

Em capitalismo, isto é o que passa por transição justa. A empresa privada que no início deste ano distribuiu centenas de milhões em dividendos, que começou a pandemia a despedir e que volta agora à carga, corta nos seus custos para manter os seus dividendos, enquanto um governo satisfeito na sua impotência bate timidamente as palmas por serem cortadas emissões (que o não serão).

A expressão de preocupação com o futuro de quem trabalha na Galp por parte do governo neste momento é só reflexo dessa impotência. Por isso mesmo Matos Fernandes sublinha que as decisões da Galp “respeitam a empresa cotada, maioritariamente privada, que atua no setor energético em Portugal”. Agora apresenta como remendo para a situação uma parte do Fundo para a Transição Justa, “para financiar novos negócios que potenciem a transição para a descarbonização”.

A escolha reiterada de ser um mordomo dos negócios privados vem, claro, também de Bruxelas, que olha para descarbonização não como um processo histórico inultrapassável e com um prazo apertadíssimo, mas sim como uma oportunidade para “novos negócios” em que os trabalhadores continuam expostos aos desmandos de novas empresas privadas, as tais que receberão o dinheiro para os “novos negócios”. Ou alguém acha que este dinheiro vai para quem trabalhava na refinaria de Matosinhos ou na central de carvão de Sines?

À pergunta sobre se este encerramento é um avanço ou um recuo, a resposta é dupla:

  • A refinaria, como o resto da infraestrutura fóssil e a matriz produtiva baseada na emissão massiva de gases com efeito de estufa (aqui como no resto do mundo), tinha de encerrar;
  • Que essa decisão, esse timing e que o futuro de quem trabalhava nesse sector possa ter sido determinada pela direcção e pelos acionistas da empresa só garante que será um processo injusto, o que só pode criar a ideia de que não há transição justa. Será sempre assim em capitalismo.

As infraestruturas fósseis não fazem parte do futuro da economia portuguesa ou da economia mundial, porque a sua continuação implica necessariamente o nosso colapso colectivo. Enquanto o Estado for este espectador da transição conduzida pelas elites económicas do capitalismo, só haverá despedimentos e remendos depois dos mesmos, fragilizando quem trabalha e travando a transição para um sistema energético saudável. Foi por isso mesmo que dissemos na altura da Assembleia Geral de Acionistas que a “Galp tem de de cair”: para haver uma transição justa, a empresa tinha e tem de ser nacionalizada para ser feito um processo de transformação que incluísse trabalhadores e descarbonização, criando a base de uma indústria nacional de energia não-fóssil. Não há, nem nunca houve, qualquer aliança entre os donos da Galp e quem trabalha na Galp para a manutenção da sua actividade destruidora: os seus interesses são opostos.

Originalmente publicado no Expresso a dia 22 de Dezembro de 2020.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Paris, morto à nascença – João Camargo

Cinco anos depois, o Acordo de Paris, estruturalmente e politicamente impotente para a tarefa de desmantelar o capitalismo fóssil, está tão morto quanto no primeiro dia.

O primeiro sinal da fraqueza do Acordo de Paris viu-se nos dias seguintes a 12 de Dezembro de 2015. Nas bolsas, as empresas petrolíferas não colapsaram, os activos de carvão, petróleo e gás, assim como as empresas poluentes, não viram o seu valor cair. Era o primeiro sinal claro de um acordo tão fraco que nunca pôde ser um tratado e que, a ser cumprido, não travaria o colapso climático. As opções civilizacionais associadas com travar a crise climática não estavam em cima da mesa em Paris, e por isso mesmo os carrascos planetários, os maiores emissores de gases com efeito de estufa, não viram sequer o valor das suas acções cair. Paris parecia ser um nado-morto.

Os anos foram passando e esta realidade só se tornou mais evidente, mesmo para aqueles que ainda acreditavam nas imagens de festa entre Al Gore, vários mangas-de-alpaca e um qualquer ministro francês. Desde então, as emissões só pararam de aumentar em 2020, e foi por causa da crise económica associada à pandemia. As empresas fósseis continuaram a beneficiar não só de financiamento privado, mas também de financiamento público, mesmo daqueles países que diziam apoiar o Acordo de Paris e que o assinaram em tempo recorde. Os grandes bancos públicos de desenvolvimento baseavam ainda a maior parte do seu investimento energético em mais gás, mais petróleo, mais gasodutos e oleodutos, mais portos de Gás Natural Liquefeito, as estratégias de energia ainda contavam em grande medida com mais fósseis. Sim, podia-se e pode-se dizer que se vai cortar emissões de gases com efeito de estufa e continuar a financiar o seu aumento. O Acordo de Paris também é isso.

Das poucas coisas realmente boas saídas do pós-Acordo de Paris foi o relatório encomendado ao IPCC em 2018. No preâmbulo do Acordo de Paris podia ler-se que o objectivo era manter o aumento de temperatura até 2100 abaixo dos 2ºC, de preferência 1,5ºC. O relatório do IPCC dos 1,5ºC veio clarificar o que isto significava: era preciso cortar 50% (40-59%) das emissões de gases com efeito de estufa até 2030 e para virtualmente zero (corte de 91-104%), comparando com os níveis do início da década. Os governos responderam embelezando as contas para apresentar em público: ainda esta semana Boris Johnson anunciou um corte de 68% de emissões até 2030, que parece muito bom, enquanto a União Europeia anunciou um corte de 55% também até 2030.

Parece tudo no bom caminho, até chegar à letra miúda: estes cortes são relativamente a 1990, e não à década de 2010. Estamos obviamente a falar de cortes muito abaixo do necessário. Ainda na semana passada, a Dinamarca anunciou que não vai atribuir mais contratos de petróleo e gás, o que parecia uma notícia de enorme coragem política. O que a notícia significa é que a Dinamarca vai explorar petróleo e gás no Mar do Norte durante mais 30 anos. O Acordo de Paris infecta com a sua impotência, e os governos fingem reconhecer a ciência, mutilando habilmente o que é realmente necessário fazer, escudando-se tanto nestas habilidades quanto na cobardia política que passa por ser “responsável” ou “credível”.

O Governo português é versado nesta prática. Um ano depois de Paris, anunciava em Marraquexe​ a “neutralidade” de carbono até 2050, depois um roteiro para a neutralidade de carbono e um Plano de Energia e Clima compatível com as metas europeias, mas incompathttps://www.publico.pt/2020/12/12/opiniao/opiniao/paris-morto-nascenca-1942701/amp?__twitter_impression=trueíveis com travar o aumento de temperatura acima dos 1,5º e até dos 2ºC até 2100. Faz todos os anúncios que for necessário para fazer pouco (e tudo o que seja abaixo do necessário é pouco), todos os desvios para evitar a difícil realidade: não há nenhuma maneira de cortar gases com efeito de estufa que não seja cortando gases com efeito de estufa.

Não nos devemos enganar, cortar 50% das emissões de gases com efeito de estufa até 2030 significa a maior revolução da história da Humanidade e por isso é normal que isso seja um cenário inaceitável para os ministros que hoje dominam a arte do anúncio de falsas soluções do alto da sua barítona ignorância. O nosso ministro do clima já o fez várias vezes, anunciando a compatibilidade das metas com novas explorações petrolíferas, avalizando um novo aeroporto e outros projectos que não nos deixam chegar a qualquer margem de segurança. Paris deu o aval exactamente a isto, é um arranjo que nada resolve mas que serve de pano de fundo para toda a espécie de anúncios inconsequentes, que no caso da crise climática são crimes contra o nosso futuro colectivo. O regresso dos EUA ao Acordo, no pós-Trump, não fará diferença.

Não há qualquer dúvida que a melhor coisa que surgiu no pós-Acordo de Paris foram as mobilizações globais pelo clima de 2019, que surgiram em contraposição ao impotente acordo. Essa mobilização, esse movimento pela justiça climática, é a vaga de fundo que tem de passar por cima da impotência planeada das instituições que hoje são apenas capatazes do capitalismo global, por mais coloridas que se pintem. Cinco anos depois, o Acordo de Paris, estruturalmente e politicamente impotente para a tarefa de desmantelar o capitalismo fóssil, está tão morto quanto no primeiro dia.

Originalmente publicado no Público a dia 12 de Dezembro de 2020.

domingo, 13 de dezembro de 2020

 

Lutar por 1,5ºC. Enterrar Paris! – Matilde Alvim

O governo português e o ministério da (in)ação climática regozijam-se pela sua liderança no cumprimento das metas estabelecidas pelo Acordo de Paris. Na verdade, nem Portugal nem o próprio Acordo de Paris estão no caminho para impedir o caos climático e permanecer abaixo dos 1,5ºC de aumento de temperatura global até 2100, afirma Matilde Alvim, dirigente do movimento Greve Climática Estudantil/ Fridays for Future Portugal

Este sábado, 12 de dezembro, “celebram-se” os 5 anos da assinatura do Acordo de Paris (COP21). Após 5 anos de absoluta inação por parte de governos e instituições, e face a uma crise pandémica que tudo pode mudar, o movimento pela justiça climática cansou-se de esperar: é hora de nós lutarmos pelos 1,5ºC e enterrar Paris de uma vez por todas.

O governo português e o ministério da (in)ação climática regozijam-se pela sua liderança no cumprimento das metas estabelecidas pelo Acordo de Paris. Na verdade, nem Portugal nem o próprio Acordo de Paris estão no caminho para impedir o caos climático e permanecer abaixo dos 1,5ºC de aumento de temperatura global até 2100.

Vamos por partes:

1. Portugal não está a fazer o suficiente “Todos os compromissos de neutralidade carbónica, que Portugal foi o primeiro país do mundo a afirmar, são filhos do Acordo de Paris”, afirma Matos Fernandes. É, na verdade, uma afirmação congruente: a falta de ambição do Acordo de Paris reflete-se na falta de ambição portuguesa no compromisso para a neutralidade carbónica, que aponta para 2050, em vez de 2030, a meta que nos salvaguarda do desastre climático. Quanto à meta de redução de emissões, à partida, a declaração do país de cortar 50% de emissões até 2030 parece-nos bastante ambiciosa. Talvez não estejamos a olhar com atenção suficiente.

A meta ideal do corte de 50% das emissões até 2030 é estabelecida a nível global. Isto é, globalmente, o mundo tem de cortar 50% das suas emissões de GEE até 2030. Para isto funcionar, os países do Norte Global devem assumir as dívidas históricas e ecológicas que têm pelas sucessivas décadas de emissões, e ir mais além. Segundo o Paris Equity Check, uma ferramenta que calcula as metas de reduções segundo parâmetros justos, Portugal deve cortar 60 a 70% das suas emissões até 2030. Ora, mesmo que as metas indicadas pelo governo fossem ambiciosas o suficiente, as suas próprias políticas, na prática, parecem auto-sabotar aquela que seria uma “liderança ambiental”.

Comecemos pelo óbvio: o aeroporto do Montijo continua em cima da mesa. Debate após debate acerca do local exato da construção do novo aeroporto, a questão fulcral permanece intacta: mesmo sabendo que a indústria da aviação é uma das maiores responsáveis pelas emissões de GEE, ainda que apenas 1% da população mundial cause metade das emissões do setor, o governo quer avançar na construção de uma nova infraestrutura de aviação.

Em relação ao novo debate acerca do hidrogénio, altamente promovido pelo governo como uma “nova solução”, a credibilidade na eficácia do próprio hidrogénio na transição justa é pouca, e a no processo ainda menor. O projeto milionário para a produção de hidrogénio em Sines é “só” mais um exemplo dos cuidados paliativos à indústria fóssil e da promiscuidade entre o governo e as empresas petrolíferas, ocultadas sob o véu do “Portugal líder mundial nas políticas climáticas”. A cereja no topo do bolo foi a escolha do CEO da empresa petrolífera Partex, António Costa e Silva, para a elaboração do plano de recuperação económica do país.

Por entre ferrovias abandonadas e florestas queimadas, os governantes continuam a vender-se aos fósseis enquanto sorriem com planos e estratégias vazias no bolso.

2. Mas o Acordo de Paris foi construído para falhar. Certo, Portugal não está a fazer o suficiente. Então, como é que podemos meter-nos no caminho certo para cumprir o Acordo de Paris e ficar abaixo da meta dos 1,5ºC? Ora, esta é a pergunta errada. Isto porque o Acordo de Paris foi, de facto, construído para falhar e para não incomodar os poderosos, recusando-se a desmantelar as indústrias fósseis e iniciar uma transição justa.

Para começar, as palavras “combustível”, “fóssil”, “carvão” e “petróleo” estão escritas no total de 0 vezes ao longo das páginas do Acordo. A meta estabelecida de 1,5ºC é puro marketing: feitas as contas, as propostas de ação voluntárias apresentadas por 185 dos 196 países presentes na COP21 perfazem um aumento de temperatura de 3,7ºC até 2100.

Os sectores da aviação civil e do transporte marítimo estão isentos de qualquer meta. E, como não poderia deixar de ser, o Acordo de Paris não é juridicamente vinculativo, no sentido em que as INDCs (Intended Nationally Determined Contributions) de cada país não se transformam em compromissos legalmente vinculativos, não existindo represálias para os países que não cumprem os compromissos assumidos (ao contrário dos acordos da Organização Mundial de Comércio, por exemplo).

Amanhã o Acordo de Paris assinala 5 anos de existência. Em 2020, os níveis de CO2 na atmosfera chegaram a um novo pico. Os 5 anos mais quentes alguma vez registados foram os últimos 5. Em 2019, o nível médio das águas do mar chegou a um novo recorde desde que se começou a registar com precisão. Esta é a prova inequívoca do falhanço das instituições, governos e COPs em resolver a crise climática.

Deixemos, então, de acreditar nas narrativas que nos dizem que os países estão a fazer o suficiente, que o mercado poderá resolver a crise climática e que é preciso acalmar gritos e fúria de desespero e esperança, trocando-os por atitudes pacientes e crentes nas negociações burocráticas infinitas. Não nos deixemos levar por vozes que nos querem descredibilizar para manter o seu business as usual disfarçado de compromisso, como a de Matos Fernandes, que, numa entrevista dada à agência Lusa há poucos dias, afirma que “aqueles que acham que se deve acabar com as democracias liberais para impor um modelo totalitário, de facto, não vão ter a sua satisfação e alguns dos que se dizem intérpretes, nomeadamente daquilo que diz a Greta Thunberg (…) em Portugal, de facto defendem um modelo de, no limite, fim do estado democrático e do estado de direito para impor as suas vontades”.

Talvez me tenha escapado que o ministério da (in)ação climática, complacente com a indústria dos combustíveis fósseis, seria o representante da voz de Greta, enquanto descredibiliza simultaneamente um movimento de estudantes que denuncia os seus compromissos governamentais superficiais. De qualquer forma, se a “democracia” de que nos fala Matos Fernandes é aquela que dá a mão à indústria dos fósseis e põe em risco o nosso futuro, os nossos recursos e os nossos territórios, então não a queremos.

Queremos uma democracia que tenha em conta as gerações futuras, o planeta, a água, a energia renovável, as florestas, as terras e as pessoas. Queremos uma democracia que assegure a transição energética justa, rumo a uma sociedade construída sob os princípios da justiça climática global. É hora de rasgar e enterrar o Acordo de Paris, e pôr mãos à obra para lutar pelos 1,5ºC.

O movimento pela justiça climática a nível global, que assinou recentemente o Acordo de Glasgow, vai fechar indústrias fósseis e impedir novos projetos de surgirem, enquanto luta e constrói as alianças para uma transição energética justa que produza milhares de novos empregos para o clima e tenha em conta as necessidades de comunidades e trabalhadores. A resposta à pergunta de como é que podemos meter-nos no caminho certo para ficar abaixo da meta dos 1,5ºC é: chegou a hora de assinarmos nós o nosso próprio compromisso.

Originalmente publicado no Expresso a dia 11 de Dezembro de 2020.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

NA TERRA DO POUCOCHINHO





Na Terra do Poucochinho

Não. Não é ambição que falta.

Não. Não faltam pessoas imaginativas, criativas, preparadas.

Não. Não faltam ocasiões, oportunidades …

Mas, é assim mesmo; a cultura do poucochinho…Todas as estructuras se chamam quase…qualquer coisa. Quase uma Universidade; quase uma população estudantil integrada; quase uma Associação Académica vibrante; quase uma Associação Comercial agregadora; quase um Museu Distrital, quase um Turismo; quase uma cultura Viva actuante, quase uma Cidade visitável, cuidada, embelezada; lugares de lazer quase entusiasmantes, com sombras repousantes; ruas com pisos quase transitáveis; Instituições culturais quase dialogantes entre si; uma sala de espectáculos quase (in)suficiente; grupinhos de teatro limitado a verbas e vocações a tender para a autonomia mas sempre condenados a permanecer amadores; Unidades Desportivas em orfandade quase permanente; um grupo de canoagem obrigado a remar com os pés para as canoas chegarem à água; um Tejo ignorado, fugidio, reduzido ao fio de água avistado.

Cada um com o seu poucochinho!

Todos, ou quase todos, entregues à boa vontade, iniciativa e carolice de uns poucos que generosamente cedem à Cidade as honras do poucochinho que operaram. Isto com muitos obrigados à CM e congéneres, gratos, venerandos e servidores para que os apoios não falhem nunca. Hipocrisias generalizadas que não deixam perceber que é tudo tão poucochinho….Pensa-se pequenino… faz-se a medo, do partido, do Presidente, do Padre, da Misericórdia, dos directores, dos senhores doutores hierarquizados, das chefias desqualificadas, das fundações, instituições e outros ”ões” que tais… que não fazendo nada, vão concedendo, poderosos, “facilidades”, “autorizações”, instalações… e a Porta do Sol lá continua desde sempre escancarada a todos!

E nesta terra liliputiana, a roda vai desandando… lenta e sempre igual como se os anos fossem todos iguais….festival de gastronomia que voltará de ontem para um amanhã estagnado, feito do mesmo … e sempre poucochinho. Este povo continua a dormir, tal como o grande Guerra Junqueiro, o descreveu em 1896: «Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas»

Manuela Marques

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Estar em Sociedade

 
“O Homem é um ser eminentemente social”

Pergunto se não estaremos abusando deste uso…

Não é que o convívio não nos estimule. Mas falta-nos, verdadeiramente, aquilo a que chamamos o estar em sociedade?

Se esse modo de estar for o conceito de ver e ser visto, cumprimento de circunstância, linguagem pró-forma na palavra e no gesto, simpatia quanto baste para que se não confunda com indiferença ou antipatia, sorrisos de proximidade dentro dos padrões da conveniência, expressões verbais repetidas, exauridas de significado real…e muitos eteceteras mais; Não. Não me parece que isso nos faça falta.

Precisamos muito e sempre, de sentir o outro e de nos fazermos sentir ao outro. Necessitamos de uma linguagem de verdade; de refrescar a terminologia dos afectos. Há muito tempo que as palavras comuns com que nos ligamos ao outro, não nos chegam…”Parabéns”, “sentidos pêsames”, e outras expressões de tão trucidadas pelo hábito, ficaram esmagadas e sem préstimo.

Buscar as atitudes com palavras e actos para transmitir sentimentos amistosos parece ser prioritário, o que pede criatividade, seja na oralidade que surpreenda, ou na atenção que o outro nos merece.

Falamos, olhamos, cumprimentamos distraídos. Não prestamos atenção. Uma atenção que se poderia caracterizar por um pensamento:”Neste momento em que estou contigo, para mim, és o centro da minha atenção – não poderia estar em qualquer outro lugar senão aqui, neste momento presente.”

Difícil? Só o será enquanto não sentires o efeito regenerador de um olhar que pousa em ti para ficar, mesmo que seja por instantes.

São, estes sim, os encontros que nos preenchem.

O cumprimento distraído – Bom-dia-passou-bem-bem-muito-obrigada, do adeus-ó-vai-te-embora-que-eu-tenho-pressa, guardem-nos trancados no armazém das coisas perdidas.

Agora que nos baralharam a expressão, privaram-nos do toque, desmancharam sorrisos, e os gestos morrem no ar, dá mais força ao dizer que acarinhas, admiras, amas...

Atrás do tempo vêm tempos e outros tempos hão-de vir!

Manuela Marques

sábado, 14 de novembro de 2020

RUY BELO LEGOU-NOS CULTURA LIVRE E UNIVERSAL, NÃO ARTIGOS PROMOCIONAIS...

 


 

Ruy Belo, com este texto antecipa a sua inequívoca indignação, perante a pretensão abusiva e humilhante do executivo camarário em usá-lo, e à sua obra, como uma mercadoria exposta, um produto para venda ("marca de merchandising").

 

BREVE PROGRAMA PARA UMA INICIAÇÃO AO CANTO

Ao escrever, e independentemente do valor do que escrevo, tenho às vezes a vaga consciência de que contribuo, embora modestamente, para o aperfeiçoamento desta terra onde um dia nasci para nela morrer um dia para sempre. Dou palavras um pouco como as árvores dão frutos, embora de uma forma pouco natural e até antinatural porquanto, sendo como é a poesia uma forma de cultura, representa uma alteração, um desvio e até uma violência exercidos sobre a natureza. Mas, ao escrever, dou à terra, que para mim é tudo, um pouco do que é da terra. Nesse sentido, escrever é para mim morrer um pouco, antecipar um regresso definitivo à terra.

Escrevo como vivo, como amo, destruindo-me. Suicido-me nas palavras. Violento-me. Altero uma ordem, umas harmonia, uma paz que, mais do que a paz invocada como instrumento de opressão, mais do que a paz dos cemitérios, é a paz, a harmonia das repartições públicas, dos desfiles militares, da concórdia doméstica, das instituições de benemerência. Ao escrever, mato-me e mato. A poesia é um acto de insubordinação a todos os níveis, desde o nível da linguagem como instrumento de comunicação, até ao nível do conformismo, da conivência com a ordem, qualquer ordem estabelecida.

O poeta deve surpreender-se e surpreender, recusar-se como instituição, fugir da integração, da reforma que até mesmo pessoas e grupos aparentemente progressivos lhe começam subtilmente a tentar impor o mais tardar aos trinta anos. Abaixo o oportunismo, a demagogia, seja a que pretexto for. O poeta deve desconfiar dos aplausos, do êxito a até passar a abominar o que escreveu logo depois de o ter escrito. Numa sociedade onde quase todos, pertencentes a quase todos os sectores, procuram afinal instalar-se o mais cedo possível, permanecer fiéis à imagem que de si próprios criaram pessoalmente ou por interpostas pessoas, o poeta denuncia-se e denuncia, introduz a intranquilidade nas consciências, nas correntes literárias ou ideológicas, na ordem pública, nas organizações patrióticas ou nas patrióticas organizações.

Escrever é desconcertar, perturbar e, em certa medida, agredir. Alguém se encarregará de institucionalizar o escritor, desde os amigos, os conterrâneos, os companheiros de luta, até todas aquelas pessoas ou coisas que abominou e combateu. Acabarão por lhe encontrar coerência, evolução harmoniosa, enquadramento numa tradição. Servir-se-ão dele, utilizá-lo-ão, homenageá-lo-ão. Sabem que assim o conseguirão calar, amordaçar, reduzir.

É claro que falo do poeta e não do poestastro, do industrial e comerciante de poemas, do promotor da venda das palavras que proferiu. Falo do homem que nunca repousou sobre o que escreveu, que se recusou a servir-se a si e a servir, que constantemente se sublevou.

Falo do homem que, ombro a ombro com os oprimidos, empunhando a palavra como uma enxada ou uma arma, encontrou ou pelo menos procurou na linguagem um contorno para o silêncio que há no vento, no mar, nos campos.

O poeta, sensível e até mais sensível porventura que os outros homens, imolou o coração à palavra, fugiu da autobiografia, tentou evitar a todo o custo a vida privada. Ai dele se não desceu à rua, se não sujou as mãos nos problemas do seu tempo, mas ai dele também se, sem esperar por uma imortalidade rotundamente incompatível com a sua condição mortal, não teve sempre os olhos postos no futuro, no dia de amanhã, quando houver mais justiça, mais beleza sobre esta terra sob a qual jazerá, finalmente tranquilo, finalmente pacífico, finalmente adormecido, finalmente senhor e súbdito do silêncio que em vão tentou apreender com palavras, finalmente disponível não já tanto para o som dos sinos como para o som dos guizos e chocalhos dos animais que comem a erva que afinal pôde crescer no solo que ele, apodrecendo, adubou com o seu corpo merecidamente morto e sepultado.


Em: Ruy Belo - Todos os Poemas, Círculo de Leitores, 2000, pp. 267/8
In Cidadania RM
Fonte das três bicas do Rio Maior.
 
É considerado que a nascente do rio Maior é no local designado por Bocas, embora também seja referido por várias entidades que a nascente do rio Maior é na Fonte das Três Bicas.
O facto é que a nascente do rio Maior se deve a um conjunto de nascentes, localizadas na terminação Sul do sistema aquífero do Maciço Calcário Estremenho e que drenam parte da água contida na Serra dos Candeeiros.
A nascente mais espetacular, é a das Bocas de Rio maior que pode atingir caudais elevados, mas cujo período de atividade é curto.
Existem oito outras nascentes com caudais mais reduzidos, mas mais regulares: Fonte da Oliveirinha, Fonte Peidinho, Fonte Galega, Fonte das três Bicas, Poço do Lagar, Rebentão, Fonte dos Marmelos e Fonte das Travessas (as 5 primeiras localizam-se na margem direita e as restantes três, na margem esquerda do rio Maior).

 
Fui visitar a Fonte das Três Bicas que fica na Quinta do Jogadouro, mesmo ao lado do antigo mosteiro beneditino.
A fonte encontra-se coberta por silvas e canas, estando em mau estado de conservação.
Apesar de há já duas semana chover com muita frequência, inclusiva com trovoada, a fonte está seca e olhando para o rio, este também está no mesmo estado.

 
É de constatação imediata que o leito do rio está cheio de vegetação e outros detritos que em caso de grande caudal pode impedir o deslocamento da água e provocar que o rio saia do seu leito, causando inundações.
Mas o principal problema do rio é este não ser. Por outras palavras, para um rio existir é necessário ter água.
Embora as causas possam ser muitas, a enorme plantação de eucaliptos que cobre toda a margem direita do rio Maior, não ajuda a que a água se infiltre no solo e consiga alimentar o rio.
A imagem seguinte, mostra parte da extensa plantação de eucaliptos com o leito do rio Maior a passar no lado direito e o esqueleto do velho moinho do Virgínio no lado esquerdo.


Claro que a plantação de eucaliptos a cerca de 70 metros da fonte, cumpre a distância mínima legal, mas qualquer cultura de rápido crescimento, principalmente na fase em que está jovem e crescendo rapidamente, tem um alto consumo de água do solo e por essa razão, é necessário ter cuidados especiais para se preservar as nascentes de água.
Penso que esse cuidado não se está a ter em Rio Maior e o resultado é que hoje, a ribeira de São Gregório que também passa em Rio Maior já tem caudal de água e o rio Maior tem as suas nascentes secas.

Para saber mais sobre os eucaliptos na nascente do rio Maior, consulte:
http://rio-maior-cidadania.blogspot.pt/2012/09/eucaliptos-na-nascente-do-rio-maior.html
Para saber mais sobre o rio Maior, consulte:
http://rio-maior-cidadania.blogspot.pt/2010/01/o-rio-maior.html