sexta-feira, 25 de março de 2022

Extracto de uma Entrevista a Alexander Dunlap

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@MINASNAO

A defesa do ambiente é levada a cabo em primeiro lugar pelas gentes directamente afectadas por um determinado projecto. Mas quando vários projectos se juntam, ou estão relacionados, como aqui no norte de Portugal, como defender continuamente, em solidariedade e da maneira igual todos os lugares?
 
Não existe a hipótese de que certos projectos avancem e que os movimentos não tenham a capacidade de resposta, e por conseguinte se dessolidarizem? 
 
Quero dizer primeiro que um dos grandes mitos sobre tudo isto é de que não afecta toda a gente, porque afecta... Haverá apenas algumas áreas mais afectadas do que outras. As pessoas a jusante do rio terão diversos problemas, por exemplo a poluição do fornecimento de água; haverá diferentes tipos de poeiras no ar. O facto é de que todo o tipo de mina a larga escala ou tipo de desastre industrial ou social terá sempre efeitos ondulares em vários sítios através do mundo. Os impactos das minas são ondulares e é apenas a diferença de como se espalha através do mundo, mas também no país e na nossa região, entre localidades... é apenas uma questão de intensidade onde as pessoas são mais afectadas.
 
É esta ideia de violência lenta, de acumulação e crescimento de diferentes projectos industrias, de diferentes poluições que levam a uma forma progressiva de degradação dos genes, da mentalidade, conduzindo a diferentes doenças... Obviamente provar algumas destas coisas é um assunto muito contestado em termos das mudanças a longo prazo, em termos do que está a acontecer ao corpo, à saúde e ao impacto geracional, provocado pelo desenvolvimento industrial, no qual a mineração está no centro. É uma grande questão esta da violência lenta, que é sistémica, que muitas pessoas não conseguem ver ou que é difícil de ver para muitas pessoas, e que está relacionada com a falta de sensibilidade ou falta de ligação ao lugar onde se vive. Isto chama a atenção sobre o que é realmente importante para as pessoas e suas vidas, sobre a troca dos seus habitats por empregos ou televisões ou a integração numa sociedade computacional que é extremamente capitalista e se baseia nalgum tipo de recompensa de curto prazo à custa da degradação ecológica. 
 
Existem por isso questões sociais profundas sobre os níveis de violência que têm sido normalizados e como denunciar e enfraquecer esses níveis de violência para que as pessoas possam aprender a sentir de novo e cuidar dos rios, das montanhas e das árvores, e realmente entender como somos parte deles. Em vez disso há uma espécie de impulso suicida próprio das pessoas que ignoram esta realidade, separadas através do trabalho, da vida e dos filhos, e realmente só tentam sobreviver. É necessário reconhecer que todos são afectados por estas coisas de alguma forma, e que há uma consequência geracional desses impactos que se vêm acumulando uns sobre os outros desde a era colonial, desde o tempo das civilizações antigas. É um continuum ...
 
Eles vão continuar a tomar terreno, mais minas, mais extracção de recursos naturais. Houve uma intensificação doida que tenta literalmente agarrar qualquer coisa que é comercializável, para o projecto capitalista, mas também para desenvolvimento tecnológico e para o controlo; é o tema do estado-capital, controlo e lucro...  
 
Penso nestas lutas reflectindo sobre os manuais militares e na sua importância para entender o que a polícia e o exército fazem, e também nos livros de ciência política para entender o tipo de técnicas de diplomacia manipulativa que estão a ser usadas para dividir as pessoas. A maioria das lutas ou guerras são 90% psicológicas. Com isto quero sublinhar que a estratégia é desmoralizar as pessoas, entrar nas suas cabeças para desmotivá-las, dividi-las, fazê-las pensar que é inútil resistir; e não resistirem, e ficarem desapontadas com os seus esforços. Então se um território ou parte de um território for perdido, não se trata de desmoralizar mas de aprender e fazer o melhor que podes, divertir-te, e o mais importante manter-se positivo, e mais que isso, decidido. Estar decidido sobre as tuas posições nestas lutas, sobre o que importa para ti. Se tens um compromisso para com os rios, se tens um compromisso para com as árvores, se tens um compromisso para com as montanhas, e para com os teus amigos e família e gatos, e outros animais... então estás a enraizar estas lutas em ti mesmo, estás a fazer estas coisas para ti mesmo e para aqueles com que te preocupas, e para as criaturas à tua volta.
 
 
Como vês a aceleração do processo de digitalização no contexto do coronavirus, e como podemos nós desmantelar a legitimização crescente da tecno-ciência?
 
O Coronavirus tem sido extremamente eficiente em instalar o medo e acelerar o processo de digitalização. A regulação e medidas governamentais têm sido capazes de reconfigurar ainda mais a vida em estruturas digitalizadas e mediatizadas, o que é extremamente preocupante. 
 
É uma distopia, em termos do que aconteceu e do que já passamos. É óbvio de muitas maneiras, mas o que é assustador é como o coronavirus dividiu tanta gente. Muitas pessoas em movimentos autónomos e anarquistas, assim como pessoas que estão em conflito com o sistema, lutando contra empresas mineiras, estado, polícia - foram agora efectivamente separadas de maneiras que muitos não esperávamos, e estão a aderir ao regulamento governamental com o medo do que o Coronavirus está ou pode fazer. Foi criada uma situação mental em que as pessoas têm medo de se abraçar, de falar umas com as outras... 
 
Com as tecnologias houve uma espécie de golpe de estado das relações sociais, que é reforçado através das tecnologias digitais. Isto é triste... e como resistir a isto, como desconstruir, é difícil... Eu penso que começa com reconhecer o problema, e fazer tudo o possível contra o medo, criando estratégias de saúde e confiança onde as pessoas sabem e sentem que podem estar bem. Isto está por detrás do debate sobre a mineração. A ideologia do progresso tecnológico e científico que dizem que estar a salvar o mundo e a criar novos medicamentos, impulsiona tanto a mineração como o controlo social e os regimes de saúde. 
 
Esforço-me para tentar saber como confrontar ou parar isto. Como resistir à mediatização da vida através da infraestrutura digital. Os locais de trabalho são centrais ao reforço destas ideologias. No ponto em que estamos penso que é sobre como criar estratégias para enfraquecer estas narrativas e organizarmo-nos contra elas, impedir o alastrar do medo dentro de nós e no sítio onde vivemos.
 
 

Ao fim ao cabo, é sobre como não desmoralizar. É sobre como continuar. É sobre tomar prazer em destruir estas coisas que estão a destruir tudo com o que te preocupas. 

Alexander Dunlap é um pesquisador de pós-doutoramento da Universidade de Oslo que tem desenvolvido estudos na área da antropologia, geografia e ecologia política, com especial enfoque na energia "verde" e na industrialização das renováveis. Tem acompanhado lutas de resistência de projectos extractivistas na Europa e na América Latina, entre outros, o conflito da energia eólica em Oaxaca no México, a mina de carvão de Hambach na Alemanha, ou a mina de cobre Tia Maria no Peru. Passou por Portugal em Dezembro passado e visitou algumas zonas onde estão previstos projectos mineiros. Conversou in situ com várias pessoas envolvidas na luta contra esta ameaça que se materializa, incluindo numa conversa organizada no espaço Maldatesta, no Porto. 

Esta entrevista foi realizada através da web e as questões foram colocadas principalmente por residentes das zonas afectadas da Serra d'Arga e do Barroso, e do Porto. Versão resumida e adaptada. 

A entrevista encontra-se em:

 minanao.noblogs.org 

https://minanao.noblogs.org/files/2021/05/resistirminanao.noblogs.org