A redação do Setenta e Quatro
está hoje em greve e não publicará edição semanal. Fá-lo em defesa da
democracia e do jornalismo de qualidade e feito em condições de trabalho
dignas. Fá-lo em defesa e solidariedade com todos os jornalistas que
sobrevivem com baixos salários e precariedade para cumprir a missão que
desde logo os trouxe à profissão.
O diagnóstico do estado atual do jornalismo
está há muito feito e milhares de páginas já foram publicadas sobre a
(já eterna) crise do jornalismo. É do conhecimento público que a grande
maioria das redações deste país funciona à base de baixos salários e
precariedade, que muitos dos jornalistas mais experientes foram
afastados por serem considerados demasiado dispendiosos, que a memória
se tem vindo a perder nas redações, que as horas extraordinárias não são
pagas e que o medo se instalou em muitas redações. Sabemos isso tudo, a
situação piora de ano para ano e pouco ou nada se fez.
O poder político enfiou a cabeça na areia.
Os partidos e os sucessivos governos dissertam sobre a importância do
jornalismo para a democracia, mas as propostas políticas tardam a entrar
no debate público – e, quando entram, são demasiado vagas. Entretanto,
os jornalistas e todos os profissionais necessários para termos, como
sociedade, informação confirmada, credível e de qualidade veem os seus
direitos serem esmagados. E um jornalismo sem direitos deixa de cumprir a
sua missão: informar com liberdade.
Se o poder político não olha de frente para
a crise do jornalismo e se as administrações só sabem despedir para
“salvar” a comunicação social, cabe então aos jornalistas e à sociedade
civil chamá-los às responsabilidades e forçá-los a inverter o rumo. O
poder político não pode continuar a abandonar o jornalismo, bem público
essencial para a democracia, deixando-o à mercê das lógicas do mercado.
Foi precisamente o mercado que nos trouxe até aqui ao transformar tudo
em mercadoria. A conclusão é óbvia, por mais que se tente fugir dela e
evitar o debate: o jornalismo precisa de financiamento público
estrutural, que garanta a independência das redações e o respeito por
condições de trabalho dignas do jornalismo. Que promova a pluralidade e
diversidade informativas para combater os crescentes desertos
noticiosos.
Há 40 anos que os jornalistas não faziam
uma greve geral. Quebram agora o seu silêncio. A precariedade dilacerou a
unidade e a solidariedade em muitas redações, a classe dividiu-se, o
medo instalou-se. Mas esse medo está a ser dilacerado, está a ser
substituído por uma unidade e solidariedade que há muito não se via
entre os jornalistas. Começou com a crise no Global Media Group, porque o
desastre de uns é o desastre de todos. Mas não se ficou por aí: o seu
resultado é a greve geral desta quinta-feira, 14 de março. O espírito de
missão, por mais nobre que seja, não paga contas. E nenhuma democracia
verdadeira sobrevive à base de baixos salários e precariedade.
Os jornalistas não gostam de ser notícia,
mas foram forçados a sê-lo depois de anos e anos de abandono dos
decisores políticos e por ações das suas administrações, cujo resultado
foi a inegável degradação da profissão. A greve geral é um grito de
alerta, mas é, sobretudo, um grito por reivindicações justas e
concretas. Os jornalistas estão a fazer-se ouvir, é bom que nos ouçam.
Exigimos:
– Aumentos salariais em 2024 superiores à inflação acumulada desde 2022 e a melhoria substancial da remuneração dos freelancers;
– A garantia de um salário digno à entrada na profissão e de progressão regular na carreira;
– O pagamento de complementos por penosidade, trabalho por turnos e isenção de horário;
– A remuneração por horas extraordinárias, trabalho noturno e em fins de semana e feriados;
– O fim da precariedade generalizada e fraudulenta no sector, pelo recurso abusivo a recibos verdes e contratos a termo;
– O cumprimento escrupuloso das leis do
Código de Trabalho, incluindo a garantia do equipamento técnico
necessário, em particular para a captação de imagem e som;
– O cumprimento escrupuloso do Contrato
Coletivo de Trabalho da imprensa e a generalização da contratação
coletiva para o setor audiovisual e da rádio;
– A justa remuneração de quem cumpre o estágio obrigatório para o acesso à profissão;
– Condições humanas e materiais para a produção noticiosa, cumprindo princípios éticos e deontológicos;
– A intervenção do Estado na garantia da sustentabilidade financeira do jornalismo;
– A revisão das estruturas regulatórias da
comunicação social e do jornalismo, garantindo a sua atualização e
capacidade para salvaguardar a qualidade da informação.
Nós, jornalistas, sabemos o caminho e a
luta que nos espera, mas este não é um caminho que devemos percorrer
sozinhos. Devemos, sim, trilhá-lo com o resto da sociedade. Porque a
nossa luta é em defesa da democracia, precisamente quando ela está tão
ameaçada. É uma luta de todos e todas nós. A ascensão dos (neo)fascismos
e dos autoritarismos não pode ser dissociada da crise do jornalismo.
O tiro de partida está dado. E talvez isto
seja apenas o primeiro passo para uma greve geral da comunicação social.
Uma que pare todas as redações e todas as máquinas. Porque está na hora
de todos os profissionais da comunicação social serem ouvidos e,
sobretudo, respeitados. Está na hora de quebrar o silêncio. Que esta
greve seja um primeiro grito.
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Chegou a hora da greve, façamo-la