terça-feira, 8 de outubro de 2024

EU, CONSTRUTOR DE PIRÂMIDES

                  

             «Quando os ricos fazem a guerra, são os pobres que morrem».

                                                                                (Jean-Paul Sartre)


Sem ódio sem ópio

vou mostrando uma tristeza passada, um

original remorso A raiva viaja-se,

oh turistas do mar. Os gatos burros assobiam

por cima da água, enquanto as pedras

movem-se dentro de casa, partem espelhos

ao luar. Ardem bandeiras.

O circo quer comover a província. E

onde o homem desapareceu

onde o macho nunca dormiu

- está o cheiro alfacinha do gato

as matinais nuvens trepadeiras.

Mas as cidades de Março avançam frementes

procuram o retrato viril da natureza

os duros seios. Espero o jornal na

manhã capada: o crime dos lábios roubados;

a serpente dentro do púcaro;

a furgoneta do Diabo.

Eu, construtores de pirâmides

defendo a baba violenta do violino

o cravo amargo      os lenços     o amor sem ranço 

contra a samarra, o sarro. E assim descubro

a cor grácil

a cabra violada entre as estevas    o sino bom

o bode      a faca       a pata  VERDE

o rabo ao alto em forma de pino.

Sem ócio     sem BÓCIO

cuspo em tortos pactos: não aceito

na margem do pântano o eterno pânico;

mudo de NUVEM, o nariz é outro

MUDO de medo constantemente.

Para sermos francos, felizes e naturais

é preciso mudar também os lugares

as suas buzinas sinistras

os beijos a ruminar dentro dos sítios.

Mas

defendei-vos, camaradas: desconfiai dos burgueses

compradores de ARMAS.

 

Praia da Adraga - Maio de 1975

 

Fernando Grade, QUEM DIZ MACHO DIZ FÊMEA, Edições Mic, Colecção Salamandra/2, 1982, pp 35/6

 Foto: http://amadeubaptista.blogspot.com/2014/04/fernando-grade.html