(Um menino de 18 meses foi encontrado a vaguear nas ruas da Mouraria - Dos jornais)
Perdeu-se na cidade sua,
onde tinha nascido às sete da manhã
de um dia qualquer da ditadura.
Tinha a rosa dos cabelos por limpar
e talvez por abrir (vamos lá com Deus!),
fora a camisa rota no pescoço
e o rabo ao léu.
Pouco se sabe do mais que a vida trouxe
à sua carne em embrião (coitada!),
apenas a tristeza no olhar
acusava todos nós de uma só vez.
Ah, é verdade,
coisa patriótica:
a criança já falava português.
Terrível acusação de fome e miséria, terminada num contundente terceto irónico.
Em: A POESIA DE FERNANDO GRADE PARA O ENSINO SECUNDÁRIO, (com apêndices literariedade, etimologia e história das palavras), Manuel Ramos, 2.ª Edição revista e aumentada, Edições Mic, Colecção Salamandra/5, 1983, p.33
Nota: poema actual, perante a ascensão da indiferença, da alienação, do supremo individualismo, do obscurantismo, da ideologia nazi-fascista e, consequentemente, da fome, da miséria e do ódio ao diferente...