quarta-feira, 15 de março de 2023

25 de ABRIL: TRANSFORMAÇÕES NAS ESCOLAS E NOS PROFESSORES (IV) - Eduarda Dionísio

Julho de 74: as primeiras eleições dos Professores

 

Não foi, no entanto, a questão escaldante dos "provisórios" e das suas propostas de "recondução automática" que separou as águas no primeiro processo eleitoral para uma comissão directiva provisória (CDP), que teve lugar em Julho de 74, quando o Sindicato ainda não tinha Estatutos, mas as diferentes concepções de sindicalismo, e também de escola.

Integrei a Lista B, "Pelo Poder das Escolas". Era sobretudo contra a atitude "cupulista" da CDP que nascia, da iniciativa de um grupo de professores que entretanto tinham aderido ao MES (ou que a ele posteriormente aderiram) - entre eles, César Oliveira, João B Serra, José Magno, Margarida Leão, Maria Emília Dinis, Maria Adélia Silva Melo, eu própria, etc.... Eram professores com forte implantação nas escolas onde trabalhavam e reconhecidos a nível sindical por se oporem sistematicamente aos métodos da CIP nas assembleias. A Lista B incluía - muito para lá dos seus promotores e como resultado de um processo totalmente aberto de discussão do programa e da lista (fizeram-se reuniões nos mais diversos locais - desde o 1º Acto de Algés ao Instituto Feliciano de Castilho) e amplamente participado - aqueles que não se identificavam com o sindicalismo que a CIP prosseguia, controlando as bases e manobrando no topo, actuando como lobby junto de um Ministério, onde os militantes do PCP iam consolidando ou adquirindo posições. Na Lista B participaram professores que eram, ou viriam a ser, de organizações que iam do PS ao MRPP, sempre como professores e militantes das escolas e nunca como militantes partidários que traziam para o sindicato uma lógica que lhe era estranha.

O lema da Lista B inspirava-se deliberadamente no "Todo o poder aos cursos" das lutas estudantis de 69, em Económicas. O longo programa (15 páginas), minuciosamente discutidos pelos elementos da lista e proponentes, e posteriormente em dezenas de reuniões de escolas de Lisboa, Santarém e Setúbal, incluía:

- uma"declaração de princípios" onde se lia, entre outras coisas: "o Sindicato dos Professores defronta-se, dia a dia, com um estado capitalista que perspectiva e dirige a organização e conteúdo do ensino e transforma os professores em veículos desse mesmo conteúdo"; (...) "a força do Sindicato reside na implantação que tiver ao nível das bases, o que não provém apenas do peso numérico dos seus membros, mas das garantias que existam do real controlo do sindicato palas bases";

- uma proposta de acção reivindicativa que pressupunha que "Se um sindicato de trabalhadores do ensino não pode existir sem se empenhar na luta pelo poder das escolas, facilmente se perderá se não prolongar essa luta numa actuação na sociedade - e em relação ao Estado a que pertencem as escolas"; e que "o Sindicato de professores defrontará o MEC, numa dupla perspectiva: por um lado tem de fazer valer os interesses materiais dos trabalhadores de ensino que são funcionários públicos - e o mesmo terá que fazer enquanto subsistirem as escolas como fonte de lucro de capitalistas defrontando esses pequenos "industriais do saber" - por outro lado, o sindicato tem de intervir junto ao MEC na definição da política educativa, lutando pela transformação da escola";

- uma proposta de princípios de estruturação sindical, que assentava no poder das Assembleias Sindicais Locais;

- uma proposta de caderno reivindicativo (que incluía a abolição de horas extraordinárias, um máximo de 25 alunos por turma, subsídios de férias e de natal igual para todos, outro horário de trabalho, licença de parto de 3 meses, extensiva às mães solteiras, etc., etc., etc. ...);

- um texto sobre a "Função da Escola na Sociedade" - provavelmente aquele que suscitou debates mais interessantes nas escolas e que constituiu durante mais tempo uma referência para as correntes sindicais que se estruturaram, directa ou indirectamente, a partir deste processo eleitoral. O texto começava por dizer que "É impossível transformar radicalmente a escola sem modificar radicalmente as relações sociais em que ela se inscreve. No entanto, a escola, desde que posta ao serviço das classes trabalhadoras, será também agente de transformação da própria sociedade". E terminava, apresentando uma série de objectivos que a escola deveria prosseguir, o último dos quais era conquistar o "direito da escola responder com formas apropriadas às exigências do meio, por exemplo organizando campanhas de alfabetização, levando os estudantes a tomar contacto na prática com o trabalho produtivo da fábrica e do campo".

Nenhum dos textos era considerado "definitivo"; todos eles poderiam ir sendo alterados pelas assembleias que os discutiam, durante a campanha eleitoral, na base do pressuposto que "cumpre ao sindicato tomar posição quanto à função que o bloco social dominante procurará determinar aos professores".

Seria a Lista A ("Por um Sindicato Único, Pela Unidade de Todos os Professores"), herdeira da CIP, como ela hegemonizada pelo PCP - mas onde participavam, entre outros, elementos que viriam a integrar o POUS e até o PPD (Glória de Matos) - que ganharia, com perto de 60% dos votos, as eleições mais concorridas do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (votaram 20 mil professores) e que ocuparia o Sindicato até 76 (e não por 7 meses como anunciara). A Lista "Pelo Poder das Escolas" obteve 35% dos votos - um resultado surpreendente para o PCP, que não entendia o sindicalismo sem um "aparelho partidário" (neste caso inexistente) por detrás.

a próxima grande batalha seria a dos Estatutos, já em 75 A CDP não conseguiu ver aprovados os seus, num Pavilhão dos Desportos apinhado, donde quer as forças à sua esquerda, quer à sua direita não arredavam pé, em sucessivas assembleias. Lembro-me de que várias vezes saímos de madrugada, directamente para as aulas da manhã, quando alguns maridos de professoras menos habituadas a estas lides nocturnas e recrutadas "contra o totalitarismo" (e não só), já as procuravam, assustados... Ao contrário do que temíamos, dada a extraordinária mobilização da direita nesta luta que parecia "de vida ou de morte", também não foi a Direita que ganhou. Os Estatutos que acabaram por ser aprovados na generalidade eram propostos por um conjunto de militantes da BASE-FUTE. Seguiram-se meses de discussão "na especialidade". Os Núcleos Sindicais de Base (formados pelos sindicalizados de cada escola) continuaram a ser estruturas com importância e previam-se formas de "expressão de tendências".

Em: O FUTURO ERA AGORA - O movimento popular do 25 de Abril, Coordenador: Francisco Martins Rodrigues, Edições Dinossauro, Lisboa, 1994, pp. 184 a 187.