domingo, 12 de março de 2023

25 de ABRIL: TRANSFORMAÇÕES NAS ESCOLAS E NOS PROFESSORES (I) - Eduarda Dionísio

 

Em 1974, eu era professora num liceu - como se dizia então -, em Lisboa, no centro de Lisboa. (Para tal, tinha assinado, como todos os outros, a chamada "declaração anticomunista" ... , que fazia parte da "papelada"). Hoje sou ainda professora, numa outra escola secundária - como se diz hoje -, também no centro de Lisboa, pré-fabricados construídos para albergar os alunos que passaram a ter mais um ano de ensino antes de se candidatarem à Universidade que, com Cardia, e em nome da democracia, passou a ter "numerus clausus".

Em 25 de Abril de 74, esqueci deliberadamente os meus mais habituais "centros de interesse" - literatura, teatro, artes, cultura - a que só mais tarde "regressei". Pareceu-me que era noutro lado que "as coisas" eram urgentes, poderiam transformar-se mesmo, e muito - "coisas" que mexiam com toda a gente, Escolha apressada, talvez.

Em todo o caso, até aos primeiros anos da década de 80, fui uma das muitas "militantes das escolas" - delegada sindical sempre, dirigente sindical por pouco tempo (77/78), fundadora do núcleo de professores do Movimento de Esquerda Socialista (onde estive até Dezembro de 75), fundadora da CEC - Contra a Escola Capitalista - que reunia dezenas de professores sem partido e cuja actuação excedia a actividade sindical (a partir de 76 até à sua extinção em 1981, parece-me).

Ou seja: durante esta meia dúzia de anos, participei - de uma forma ou de outra - em todas as lutas sindicais dos professores, em todos os processos eleitorais para a Direcção do Sindicato da Grande Lisboa (e na tentativa de suster a divisão sindical através da criação de uma Federação de todos os Sindicatos), em todos os processos eleitorais na escola onde era professora (comissão sindical, comissão de gestão, como se dizia), em todos os debates fundamentais, que foram muitos. Em suma: na transformação que a escola portuguesa foi fazendo até 76 - no sentido da "libertação" dos modelos autoritários/fascistas anteriores ao 25 de Abril e da construção de uma "escola ao serviço dos trabalhadores". E continuei a "participar", depois de 76, tentando suster o "regresso" a práticas que, durante um tempo, uns e outros tinham julgado para todo o sempre "ultrapassadas".

Que não se entenda que 74/75 foi, para mim e para os que comigo militavam, um somatório de vitórias e um paraíso que o 25 de Novembro desfez Nestas lutas de que tentarei dar conta, mesmo quando vencemos, fomos minoritários e as escolas em 74/75 não foram evidentemente um mar de rosas que se recorde simplesmente com saudade.

Mas, durante algum tempo, tomaram-se decisões, sem quase contar com o Poder. Ou seja: tomar decisões e pô-las em prática era uma e a mesma coisa. Víamos a realidade alterar-se a olho nu e pelas nossas próprias mãos. Também as escolas foram um terreno de descobertas e das mais diversas aprendizagens, de participação de todos, das mais diferentes maneiras, de grandes conflitos de fundo, que produziram fortíssimas mudanças de comportamentos e um exercício permanente de vontades, por parte de gente muito diversa, para quem a preocupação em pertencer a uma "maioria" nunca foi determinante...

Ironia do destino: as "revolucionárias" reformas do ensino que hoje se tentam pôr em prática para nos porem "a par da Europa" contam com as experiências e as aprendizagens desses anos, entretanto esvaziados dos pressupostos: "revolução", "trabalhador", "classe" e "luta de classes", "ideologia". "Trabalho em grupo", "combate ao insucesso escolar", "abertura da escola ao meio" (ou seja: às empresas, aos pais, aos agentes económicos e não às organizações de trabalhadores), "área-escola", "inter-disciplinaridade", no quadro de um ensino onde exames, quadros de honra, ensino técnico-profissional para os menos "favorecidos", etc., etc.... voltaram a ter entrada, têm hoje outro sentido. São, evidentemente, peças de um outro projecto de sociedade...

 

Em: O FUTURO ERA AGORA - O movimento popular do 25 de Abril, Coord. Francisco Martins Rodrigues, Edições Dinossauro, Lisboa, 1994, pp. 177 a 179.