terça-feira, 14 de março de 2023

25 de ABRIL: TRANSFORMAÇÕES NAS ESCOLAS E NOS PROFESSORES (III) - Eduarda Dionísio

O 1º de Maio e a criação do Sindicato dos Professores

 

As pessoas tinham vivido em silêncio. Agora procuravam-se. Algumas tinham-se perdido de vista. Outras nunca se tinham visto. Outras conheciam-se mal. Algumas tinham ouvido falar de outras. Só uma parte dos professores do PCP (e afins) estava organizada nos "Grupos de Estudos" antes do 25 de Abril. Era essa a "legitimidade" a que se agarravam.

Lembro-me de, um pouco ao acaso, imediatamente antes do 1º de Maio, me ter reunido com 4 ou 5 professores de outras escolas na casa de um deles. Dois outros estavam ligados ao PCP, mas não organizados nos "Grupos de Estudos"; rapidamente nos despediríamos.

Nessa noite de fim de Abril, parecia-nos óbvio que era urgente fazer um Sindicato de Professores - assunto de que ninguém falara ainda -, uma vez que antes do 25 de Abril só existia um titubeante sindicato corporativo do Ensino Particular (lutar contra o Ensino Particular viria a ser um objectivo de uma corrente em que me incluía) e era proibida a sindicalização dos "funcionários públicos". Entendemos que deveríamos tomar a iniciativa e convocar os professores para a escadaria do Técnico no 1º de Maio, o que foi simples: bastou telefonar para alguns jornais e dizer o que nos movia. Numa garagem, pintámos um pano que pregámos em dois cabos de vassouras: Pró-Sindicato dos Professores - Ensino Oficial. À hora indicada, estávamos postados na escadaria. Muitos professores ali foram ter. Mas muitos outros estavam convocados para outro ponto, através do aparelho PCP/Grupos de Estudos, ainda hesitante entre a ideia de "Associação" - mais "digna" para uma "classe" como a dos professores... - e a de "Sindicato", que tínhamos lançado e que afinal não parecia assustar ninguém e, pelo contrário, ser muito mais mobilizadora.

Imediatamente, iniciaram-se as grandes assembleias convocadas por uma autonomeada CIP (Comissão Instaladora Provisória) de um (ainda não) Sindicato, que começou torto e nunca havia de se endireitar, mas que passou a ser uma referência para todos os professores, pelo menos até certo momento. Hegemonizado pelo PCP, este Sindicato (que agia como se antes de ser já fosse) não contou, evidentemente, com os contributos de milhares de professores que, mais tarde ou mais cedo, dele se distanciaram. Foi assim que as suas direcções desde o início tiveram de contar com fortes correntes de oposição.

As escolas onde os ex-Grupos de Estudos não tinham implantação, ou onde dominavam concepções sindicais e políticas que se lhes opunham, foram pura e simplesmente postas à margem de um processo onde teriam evidentemente coisas a dizer e a fazer. A manipulação e controle, por parte da Direcção, das assembleias com milhares de presenças, desde cedo começaram a dar ao comum dos professores a sensação de "impotência" em tudo o que ao Sindicato dizia respeito: o que tinha valor em cada escola deixava de ter valor nos plenários de todas as escolas. Em breve, para muitos, os inimigos eram dois, e de igual importância: o Ministério (que não dava resposta às questões premente das escolas) e o Sindicato (que não dava resposta às questões urgentes dos professores). Eram sobretudo as escolas os terrenos da imaginação e das batalhas.

Lembro-me de, num desses "plenários" (como então se chamavam), procurar os subscritores de uma proposta qualquer cuja linguagem fugia ao "padrão" de todas as outras e que, estranhamente, tinha acabado por ser lida (grande parte das propostas das escolas não chegavam a ser lidas pela mesa). Ouvi, pelo meio da confusão a palavra "anticapitalista", que me alertou para uma diferença que ali estava. Encontrámo-nos.

Perdida a hipótese para uma série de gente de participar activamente na formação de um Sindicato - gente que queria que ele funcionasse democraticamente, da base ao topo, que não fosse correia de transmissão de qualquer partido, e que respondesse às situações cada vez mais confusas que os professores e as escolas iam vivendo - as oposições à CIP foram-se alargando nas assembleias tumultuosas (já de delegados) cada vez mais se iam centrando na situação de trabalho precário dos milhares de professores provisórios (não profissionalizados, sem pagamento de férias, sem colocação assegurada) em que o "normal" funcionamento das escolas repousava antes do 25 de Abril, e depois... Era uma luta que mobilizava largos sectores mais radicais, provenientes, em parte, das lutas estudantis recentes.


Em: O FUTURO ERA AGORA - O movimento popular do 25 de Abril, Coord. Francisco Martins Rodrigues, Edições Dinossauro, Lisboa, 1994, pp. 182 a 184.