sábado, 9 de janeiro de 2021

ERROS FUNDAMENTAIS - João Camargo

Desde o anúncio do encerramento da Refinaria de Matosinhos têm surgido várias posições e comentários ao mesmo, a maior parte dos quais se foca na injusta situação na qual ficarão os 500 empregos diretos e 1000 indiretos da refinaria. Este encerramento ameaça tornar-se emblemático por estar coberto de erros e por poder tornar-se um exemplo de como fazer tantas coisas de forma errada, mas ainda assim não existe qualquer dúvida que esta, como as outras estruturas que alimentam o capitalismo fóssil, têm de encerrar no curto prazo. Há alguns erros fundamentais de análise partilhada em vários comentários, dos quais destaco a ideia de que fechar uma refinaria (ou todas em Portugal) significará um aumento de importações de fósseis e que isso terá um efeito nulo em termos climáticos.

Destaco aqui dois artigos de opinião que saíram na semana passada, das deputadas Paula Santos e Mariana Mortágua. A deputada do PCP refere no Expresso que o encerramento “seria uma enorme perda para o país, contribuindo de forma muito expressiva para o agravamento dos défices estruturais e para o aumento da importação, deixando-nos ainda mais dependentes de terceiros”, enquanto a deputada do BE refere no JN que “o encerramento de uma refinaria, sem alteração dos processos de produção poluentes ou das formas de mobilidade, não reduzirá a quantidade de emissões, mas apenas o local da produção do combustível que as vai gerar”.

Estas posições contém um erro fundamental: a ideia de que há necessariamente uma substituição dos produtos refinados atualmente utilizados pela mesma quantidade no futuro, mas de origem diversa. Segundo esta ideia, a transição é uma impossibilidade, só podendo acontecer quando estiver construído todo um novo sistema de substituição para o capitalismo fóssil global (o que é materialmente impossível).

Esta ideia esbarra noutro problema, muito atual: como será o ano de 2021 em termos de consumo de combustíveis fósseis e emissões de gases com efeito de estufa? Se for para voltar ao nível de 2019 e retomar a reta ascendente que vinha sendo construída, então é possível alguma espécie de transição?

Qualquer descarbonização ou transição dentro do quadro do capitalismo é intrinsecamente injusta. Este é o plano do Governo: não é uma transição, é crise e colapso. Além disso, à escala global há uma diferença abissal entre os cortes cosméticos que o capitalismo está disponível a fazer e aquilo que tem de acontecer na próxima década (cortar 50% das emissões de gases com efeito de estufa entre 2010 e 2030). Se quem trabalha não desenvolver um plano para este revolucionário corte de emissões, ele não acontecerá na medida necessária e o pouco que acontecer será contra si, porque justiça em capitalismo significa justiça para os capitalistas.

Neste contexto, o que conta o encerramento de uma refinaria? Uma refinaria a menos é menos um local de emissões massivas de gases com efeito de estufa (este efeito benéfico pode ser anulado, como parece ser o caso, transferindo a laboração para outra refinaria), é menos um local que pode receber, armazenar e transformar a matéria-prima que depois é usada nacionalmente ou re-exportada.

Todas estas operações e todos os consumos finais são um prego no nosso caixão coletivo (tantas vezes sob a égide do progresso e do desenvolvimento). Quanto menos destas infraestruturas estiverem ctivas, menos serão necessárias fechar nesta chamada “cadeia de produção”. Têm de ser fechados tanto os locais de extração como os locais de transformação e de consumo (além dos grandes consumidores, como a indústria e a eletricidade, tem também de haver uma redução drástica do transporte individual). Quando Paula Santos diz que impedir o encerramento da refinaria é um imperativo nacional, o erro agrava-se.

O processo de “transição” segundo o capitalismo é a rejeição da criação de um plano, deixando ao mercado as decisões e tentando apenas gerir as convulsões sociais para salvar o capitalismo. Significa isso que não pode haver transição? Não, significa que não acontecerá dentro do capitalismo. A contraposição ao plano do Governo não pode em nenhum momento ser a defesa da indústria fóssil e dos empregos associados à mesma. As pessoas têm de ter direito a uma vida digna, a um rendimento digno, a direitos e a emprego. No entanto, no atual momento histórico, ninguém tem “direito a trabalhar para produzir petróleo”. Não pode haver uma tradução do “direito ao trabalho” como “direito a trabalhar para a indústria fóssil”, porque essa distorção apenas serve os interesses do capitalismo fóssil.

Originalmente publicado no Expresso a dia 05 de Janeiro de 2021