quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Isto não é progresso, é genocídio ambiental - Casey Camp Horinek

A minha tribo realiza um funeral todas as semanas para as pessoas mortas por combustíveis fósseis. Isso não é progresso – isto é genocídio ambiental

Os nossos poços estão tão poluídos que a nossa tribo agora tem que comprar água.

A nossa terra é tão tóxica que os alimentos orgânicos não podem ser cultivados num raio de 16 milhas.

Casey Camp Horinek Segunda-feira 04 de Janeiro de 2021 08:26

 

Polícia militarizada a 27 de Outubro em Standing Rock. Foram presos 141 membros da tribo Ponca Nation, enquanto tentavam pacificamente travar o Oleoduto Dakota Access. (Ryan Vizzions)

 

Como membra da Nação Ponca, a viagem que a minha família fez, desde a nossa terra natal para o que se tornaria hoje em dia o Oklahoma, ocorreu em 1877. O meu avô tinha oito anos quando foi obrigado a andar, sob ameaça de baioneta, desde Dakota do Sul com os seus pais e avós. Centenas de tribos foram forçadas a percorrer muitas “Trilhas de Lágrimas” em todo o país.

Milhões não sobreviveram à viagem, mas a devastação do espírito e da cultura ficou como parte da nossa memória genética. Permanece também o nosso conhecimento ancestral que nos permite viver em equilíbrio com a Terra e a filosofia que nos guia para cuidar das próximas sete gerações.

Avançando para os dias de hoje. O movimento “Land Back” está a ganhar reconhecimento popular e as estátuas racistas e nomes de equipas desportivas estão a desaparecer. Apesar destes progressos, a administração do Trump, os governos estaduais e a indústria de combustíveis fósseis estão a atentar à maior apropriação de terras indígenas desde o ‘’Indian Removal Act’’ de 1830.

Além disto, o relógio climático continua a esgotar-se enquanto os americanos continuam a debater-se com a saga contínua das eleições presidenciais e o aumento das mortes da Covid-19. Sob o manto de uma pandemia e ansiosa por uma última golfada de ar, a indústria de combustíveis fósseis tem fechado acordos para o controlo das terras indígenas com o governo cessante de Trump, e os seus aliados do Partido Republicano no Congresso.

Do refúgio Ártico ao ‘’Bayou’’, não é novidade para os povos indígenas que tantas atividades de petróleo e gás sejam colocadas nas suas terras tribais ou perto delas, contaminando o solo, rios, aquíferos e o ar, ao mesmo tempo que agravam a crise climática e afetam diretamente a saúde da comunidade. Somos considerados “comunidades de sacrifício”.

O Oklahoma tornou-se num estado dependente da indústria dos combustíveis fósseis. Hoje é o lar da maior convergência do mundo de oleodutos e gasodutos em envelhecimento e de milhares de terremotos provocados pelo homem devido ao fraturamento hidráulico. Na minha pequena tribo Ponca, nós realizamos um funeral quase todas as semanas devido a morte por doenças relacionadas com os combustíveis fósseis. Todas as nossas famílias têm vários casos de asma, doenças cardiovasculares e cancros originados pela actividade industrial. Os nossos poços estão tão poluídos que a nossa tribo agora tem que comprar água. A nossa terra é tão tóxica que os alimentos orgânicos não podem ser cultivados num raio de 25km. Eles chamam a isto progresso económico. Nos chamamos genocídio ambiental.

Em Julho de 2020, parecia que a mudança estava a caminho. Numa decisão histórica, o Supremo Tribunal reafirmou que grande parte do leste de Oklahoma está dentro das reservas indígenas. Esta decisão é conhecida como a decisão ‘’McGirt’’, e teve vastas implicações tais como, a reafirmação da soberania tribal sobre a legislação ambiental. Mas a anulação desta vitória já tinha sido planeada 15 anos antes.

Poucos dias após a decisão do Supremo Tribunal e em consulta com a ‘’Petroleum Alliance of Oklahoma’’, o Governador Kevin Stitt (R-OK) detonou uma granada ambiental há muito escondida. Em 2005, o Senador Inhofe (R-OK) discretamente anexou um “Midnight Rider” a um projeto de lei, que não estava relacionado com questões ambientais, e que dava ao estado e à EPA, autoridade ambiental sobre as terras tribais. Em agosto, devido a pandemia do Covid-19 a maioria dos escritórios tribais em todo o estado fecharam. Nesse momento, os governos tribais foram informados por correio que teriam poucos dias para “comentar” a aquisição da EPA. Pouco depois, infringindo sobre o nosso direito ao consentimento prévio e informado, o administrador de Trump da EPA, Andrew Wheeler, comunicou que as tribos foram “consultadas” – o que não reflete, de maneira nenhuma, que qualquer consentimento tenha sido dado. E o negócio foi simplesmente fechado. Mas o Governador Stitt ainda quer muito mais.

Foi revelado num memorando ao Congresso chamado “One Oklahoma”, que Stitt está a trabalhar para retirar a soberania reconhecida federalmente às 39 tribos existentes. Este plano abre caminho para um maior desenvolvimento da indústria do petróleo e do gás. Este memorando é coassinado por vários aliados de Trump, nomeadamente o “Padrinho do Fracking“, o multibilionário Howard Hamm da Continental Resources, uma das maiores empresas petrolíferas independentes do país. Mas, mais do que isso, ameaça retirar os nossos direitos do tratado, a nossa herança e cultura – e é o plano base para retirar os direitos dos povos nativos em todo o país.

A luta pelos direitos indígenas nunca foi tão importante para toda a humanidade como é agora. Não é por acaso que mais de 80 por cento das florestas intactas e da biodiversidade remanescentes do mundo são em terras indígenas. Somos líderes globais dos movimentos verdes, incluindo dos Direitos da Natureza, que confere estatuto legal aos ecossistemas. A minha própria tribo, com a ajuda de grupos como o Movement Rights, foi a primeira nos Estados Unidos a reconhecer que em terras tribais, a natureza – da qual os humanos fazem parte – tem o direito legal de existir e regenerar os seus ciclos vitais.

Em 2016, Mni Wiconi, ou a “Água é Vida”, entrou no espaço lexical americano quando centenas de milhares de pessoas juntaram-se aos povos nativos na Reserva Standing Rock. Nós viemos para impedir que o oleoduto DAPL passe sob o rio Missouri, para proteger a água sagrada em nome das seis tribos e dos 17 milhões de americanos que vivem aqui. Muitos de nós enfrentaram canhões de água da polícia, num ambiente de temperaturas muito baixas; fomos marcados com números nos braços, com canetas de tinta permanente, e aprisionados em jaulas para cães. O meu número era o 138. O número do meu filho era o 4838. Depois da manifestação em Standing Rock, muitos estados aprovaram leis que criminalizam os protestos contra as atividades de combustíveis fósseis, incluindo em Oklahoma.

Nós vamos sempre por os nossos corpos em risco para proteger a fonte de toda a vida, a Terra e as gerações futuras, incluindo a tua. As soluções para um futuro verde baseado na vida em equilíbrio com a Terra já existem, e os povos indígenas detêm o conhecimento ancestral essencial para essa mudança. Nós vamos lutar contra o One Oklahoma nos tribunais, no Congresso, assinando petições e nas linhas de frente. Nós precisamos que te juntes a nós. Afinal, não somos humanos a proteger a natureza; nós somos a natureza, protegendo-se a si mesma.

Casey Camp Horinek é uma anciã e embaixadora ambiental da Nação Ponca de Oklahoma e lidera as campanhas do Movimento de Direitos de Oklahoma e dos Direitos Indígenas da Natureza

Texto original: https://www.independent.co.uk/voices/fossil-fuels-trump-land-tribes-b1781438.html