sábado, 6 de maio de 2023

 – João Camargo

Em janeiro foi publicado um artigo na Harvard Environmental Law Review que defende que as empresas de combustíveis fósseis já podem ser acusadas pelos homicídios de milhares de pessoas por todo o mundo, à semelhança do que acontece com empresas e indivíduos que contribuem direta e indiretamente para a morte de pessoas.

Com o agravar da crise climática, estas empresas deverão responder perante um tribunal internacional pelos seus avassaladores crimes contra o conjunto da Humanidade, tal como aconteceu nos julgamentos de Nuremberga, montados para julgar os nazis após a derrota na 2ª Guerra Mundial. Até lá, é preciso agir para parar estes crimes – é o que vai acontecer a 13 de maio em Sines.

As empresas fósseis, como é do conhecimento geral, são as principais responsáveis pela crise climática, pelos sucessivos recordes de temperatura que estão a ser batidos durante as últimas décadas por todo o mundo. A queima de petróleo, gás e carvão é responsável pela subida histórica de emissões de gases com efeito de estufa e pelo facto de neste momento vivermos com a maior concentração de dióxido de carbono dos pelo menos últimos 3 milhões de anos (um recorde que antecede a existência da espécie humana em mais de 2,7 milhões de anos).

Estas empresas sabiam da existência deste efeito há pelo menos cinco décadas. Sabiam do efeito catastrófico global da sua atividade desde pelo menos os anos 60 do século XX e, desde então, investiram massivamente não só na sua atividade como na criação de dúvidas acerca da crise climática, escolhendo esconder e desacreditar aquilo que conheciam. Pagaram a inúmeros agentes para executar a sua agenda em todos os países do mundo, coincidindo com a agenda neoliberal que a partir dos anos 70 do século passado derrubou uma série de barreiras comerciais e de defesa que começavam a ser erigidas para proteção ambiental e social.

Não existem quaisquer dúvidas: já morrem milhões de pessoas todos os anos por causa da crise climática. Morrem nos mais evidentes fenómenos climáticos extremos, como incêndios florestais, cheias, aluimentos de terras, ondas de calor, tempestades, furacões e inundações, mas também em fenómenos mais insidiosos.

As perdas de colheitas, fome e escassez nutricional, a falta de água e de água potável, a exposição de longa duração a temperaturas elevadas e a não redução da temperatura ao longo da noite, o aumento dos vetores de doenças, o colapso de sistemas de comunicação, transportes, proteção e saúde associados aos eventos extremos e períodos posteriores já matam centenas de milhares todos os anos.

Das pessoas que todos os anos são forçadas a sair das suas casas e terras depois das mesmas serem devastadas pela crise climática, forçadas a viajar centenas ou milhares de quilómetros à procura de refúgio, que atravessam mares, montanhas, cercas e arames, para frequentemente esbarrarem com exércitos e polícias armados, que na maior parte das vezes as mandam para campos de concentração, quantos milhares não morrem?

Apesar da cumplicidade de outros mecanismos de violência, a responsabilidade pela morte destas pessoas pode e deve ser atribuída às administrações atuais e passadas das empresas petrolíferas e que promovem o uso de combustíveis fósseis. Quando a REN, a EDP ou a Galp realizam as suas assembleias gerais, precisamos de reconhecer que naquele momento estão reunidos ali dezenas de responsáveis por crimes de homicídio e crimes contra a Humanidade atuais e que se prolongarão pelo menos pelas próximas décadas.

Estão ainda presentes centenas de cúmplices, como os acionistas que aprovam contas, estratégias futuras e recebem dividendos financeiros pela atividade destas empresas. Existem seguramente mais cúmplices, numa economia propositadamente viciada em combustíveis fósseis, mas entre os mais responsáveis estão os sucessivos governos que não só permitiram a expansão como mantêm intocadas estas empresas, facilitando e co-financiando milhões de homicídios, tanto neste país como em outros.

O artigo invoca que a estratégia jurídica de acusar, em particular os administradores, de homicídio, pode ser uma ferramenta útil para fazer avançar uma parte da ação climática. Não chega, naturalmente. Se tribunais por todo o mundo se metessem a julgar os conselhos de administração de todas as empresas que expandem fósseis, provavelmente tal não chegaria para conseguirmos cortar 50% das emissões até 2030, o que é necessário para manter o aumento da temperatura abaixo de 1,5ºC. Isto poderia ajudar, mas não chega.

Estes crimes estão a acontecer agora. Estão a acontecer todos os dias à frente dos nossos olhos, muitas vezes pagos e subsidiados com o dinheiro dos nossos impostos. Estão a acontecer não só nas salas dos conselhos de administração ou nos Conselhos de Ministros, mas também em outros locais concretos. Um desses locais é o Porto de Gás Natural Liquefeito de Sines, da REN, a principal porta de entrada de gás fóssil em Portugal. Não podemos ficar a assistir passivamente a crimes contra a Humanidade atual e futuro e à morte de milhões todos os anos, em números crescentes. No próximo dia 13 de maio, o movimento pela justiça climática vai parar essa infraestrutura e o crime do gás em Portugal.