segunda-feira, 12 de abril de 2021

 

12 de abril de 2021, Lisboa, Portugal

Acordo UE-Mercosul uma porta de entrada de agrotóxicos perigosos e ilegais

O acordo comercial UE-Mercosul será uma porta de entrada de agrotóxicos perigosos para a saúde humana no espaço da União Europeia. Larissa Bombardi denuncia que “Existe um ciclo do envenenamento. A maior parte dos pesticidas vem dos Estados Unidos e União Europeia. Conglomerados químicos como a Monsanto, Bayer ou Syngenta também exportam para países terceiros os pesticidas proibidos na Europa. A maior parte desses produtos químicos e dos danos fica naturalmente no Brasil, mas uma parte volta para Europa, na forma de alimentos exportados.

O trabalho de pós-doutoramento da professora Larissa Bombardi, “Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia” lançado em finais de 2017, demonstra em 200 páginas a extensão da utilização de agrotóxicos no Brasil e a conexão destes com as exportações feitas para a União Europeia. O estudo demonstra que 30% dos agrotóxicos permitidos no Brasil são proibidos na União Europeia, incluindo dois dos dez mais vendidos. Além disso, a sua pesquisa mostrou as diferenças entre os limites de resíduos de agrotóxicos permitidos em alimentos e na água tanto no Brasil como na União Europeia, demonstrando uma diferença significativa.

A investigadora de uma Universidade de prestígio em São Paulo, denunciou numa carta aberta que se encontra a ser intimidada após a publicação da sua pesquisa na Europa, que aconteceu em maio de 2019 com o lançamento de uma versão em inglês. Conta que no mês de junho de 2019 sofreu um aumento das intimidações devido ao seu trabalho, “especialmente após a maior rede de supermercados orgânicos da Escandinávia ter boicotado os produtos brasileiros, a partir do conhecimento do Atlas, lançado no mês anterior em Berlim”. Bombardi revelou que decidiu sair do Brasil devido às constantes e contínuas ameaças, prolongando-se durante 2020 e agora recentemente em janeiro de 2021.

Desde a entrada do novo governo de Bolsonaro em 2019, mais de uma centena de agrotóxicos foram legalizados no Brasil, sendo a maioria destes ilegais na UE. No início do ano o Ministério da Agricultura brasileiro publicou no Diário Oficial da União o registro de 88 pesticidas e produtos técnicos aprovados no final de dezembro de 2020. Fechando o segundo ano de mandato de Bolsonaro com 493 novos agrotóxicos legalizados no Brasil, 19 a mais que em 2019, antigo recordista de mais agrotóxicos aprovados no país.

Na lista de agrotóxicos aprovados, cinco princípios ativos são inéditos: dinotefuram, piroxasulfone, tolfenpirade, tiencarbazona e a fenpirazamina. Eles são usados na composição de 13 novos agrotóxicos. Destes princípios ativos, 3 são proibidos na UE. O Brasil há décadas que utiliza pesticidas ilegais na UE, mas com o governo de Bolsonaro tem-se verificado um aumento deste número. “O acordo incentiva a expansão do modelo biotecnológico agrícola baseado no uso extensivo de agrotóxicos. Esses produtos afetam diretamente a saúde dos trabalhadores rurais, da população do campo e da cidade, tanto do Mercosul como da UE. O caso do Brasil é emblemático, pois nunca foram aprovados tantos agrotóxicos e ingredientes ativos como nos últimos três anos.” – Frente de organizações da sociedade civil brasileira contra o acordo Mercosul-UE

Um estudo do Instituto Nacional de Câncer/Cancro (Inca), identificou que cada brasileiro ingere, em média, cinco litros de pesticidas por ano, devido aos vestígios nos alimentos. Bombardi acrescenta: “documentei que no Sul, onde ficam as grandes áreas agropecuárias, são lançados de 12 a 16 quilos de agrotóxicos por hectare. Na Europa é um quilo, na Bélgica, até dois.” reiterando que “ isso se deve também ao modelo de agricultura industrial, baseado na manipulação transgênica, cujas sementes são resistentes ao glifosato, sendo 70% dos pesticidas aplicados na soja transgênica, milho e açúcar. São monoculturas gigantescas: somente a área de cultivo de soja é de quatro vezes o tamanho de Portugal. Além disso, as autoridades são bem generosas no estabelecimento de valores-limite.

O acordo UE-Mercosul abandona completamente qualquer princípio de precaução, o que significa que não haverá qualquer fiscalização na UE dos produtos provenientes dos países do bloco Mercosul. Com os diversos escândalos que já ocorreram no Brasil e noutros países pela falta de condições sanitárias e a deficiente fiscalização que estes países praticam, será de esperar que a comida que acaba nos pratos europeus contenha altos níveis de agrotóxicos perigosos para a saúde humana. A doutora Bombardi revela que no Brasil não existe qualquer princípio de prevenção, “Quando, por exemplo, um agrotóxico é registrado, a licença nunca vence nem está submetida a reavaliações periódicas, como na UE.”

A assinatura de um acordo comercial com o atual governo brasileiro vai contra todos os princípios de direitos humanos e ambientais que a União Europeia defende – este é um momento crucial para a liderança europeia demonstrar que mantém os seus princípios e que não negociará acordos comerciais que minam o acordo climático de Paris e os direitos humanos“. Afirma Shefali Sharma, diretora do Instituto para a Agricultura e Política Comercial Europa. Como tal, é inconcebível permitir a implementação de um acordo como este.

A Professora Larissa Mies Bombardi da Universidade de São Paulo encontra-se disponível para entrevista. email: larissab(a)usp.br

Rede Stop UE-Mercosul 

Fontes de estudos sobre o acordo: https://stopuemercosul.pt/recursos-sobre-o-acordo/

https://www.dw.com/pt-br/brasil-ainda-usa-agrot%C3%B3xicos-j%C3%A1-proibidos-em-outros-pa%C3%ADses/a-18837979