terça-feira, 13 de junho de 2023

O lado “oculto” da guerra da Ucrânia


António Barata

Em resultado do apagamento da União Europeia como potência económica e política a nível mundial, os EUA e a China afirmam-se cada vez mais como as duas grandes potências imperiais em disputa cada vez mais acirrada, estando a guerra na Ucrânia a servir para cada um dos campos alargar a sua esfera de influência

Em Fevereiro fez um ano que se iniciou a guerra na Ucrânia em resultado da agressão russa àquele país. Uma guerra que correspondia aos desejos do imperialismo americano como meio para enfraquecer tanto a China e os seus potenciais aliados, como também a União Europeia dado os laços comerciais que alguns países desta união mantinham com a Rússia, em particular a França e Alemanha, que teimavam em comprar gás e petróleo àquele país e não aos EUA e em estabelecerem esferas de influência no leste europeu, o que não correspondia aos interesses geoestratégicos e económicos do imperialismo americano.

Na altura os EUA, a NATO e a UE diziam ser esta uma guerra de curta duração, que culminaria com a derrota da Rússia devido ao generoso apoio militar, económico e político prestado à Ucrânia pelos países da NATO, a que se somavam os boicotes e as sanções económicas mais a chantagem sempre presente de intervenção da NATO se a soberania de algum dos membros da aliança fosse beliscada ou a sobrevivência da Ucrânia como nação fora da esfera de influência ocidental perigasse.

Agora, passado um ano, as previsões dos que juravam que a Rússia caminharia inevitavelmente para o desastre não se verificam – a Rússia está a ganhar terreno na guerra, a sua economia não se afundou, a sua população não se levantou contra Putin nem este foi afastado ou assassinado e as sanções estão a ter o efeito contrário ao pretendido, penalizando cada vez mais os povos dos países que as promovem, que viram as suas condições de vida degradar-se. E começou a falar-se, já não da derrota da Rússia, mas de se começar a criar condições para pôr fim a guerra, mesmo que à custa da alienação de território ucraniano.

VENCEDORES E VENCIDOS

Sendo ainda cedo para saber como vai terminar a guerra, quanto tempo ainda vai durar e quais os contornos exactos da nascente ordem internacional, duas coisas podemos já dar por adquiridas:

1 – A União Europeia é o grande perdedor desta guerra. Pressionada pelos EUA para apoiar sempre mais e mais o regime ucraniano em nome do “direito internacional”, da defesa dos “valores e modo de vida ocidentais” e das “democracias liberais”, a União Europeia aceitou desempenhar o papel de parvo útil, estando a esgotar-se económica e militarmente, tendo aumentado dramaticamente a sua dependência naqueles domínios e no da energia, dos EUA, ao ponto de já não ser capaz, por si só, de garantir a soberania e unidade política do espaço económico da união e, menos ainda, de disputar aos EUA e à China e às potências regionais emergentes como a Turquia, Arábia Saudita, Irão, Índia, e outros, uma posição de relevo capaz de influenciar a nova partilha do mundo. De potência, nos anos 90 do século passado, com sonhos de dominação imperialista do mundo, a União Europeia é cada vez mais um imperialismo regional que já só subsiste com o apoio dos EUA e segundo as condições que este lhe permite. O que para os trabalhadores europeus não é uma boa nem má notícia.

Nesta guerra surda entre os EUA e a UE, a destruição do gasoduto NortStream 2 foi decisiva para acabar com as veleidades da Alemanha e dos países do centro e leste da Europa em se manterem autónomos dos EUA no que respeita à energia. Coisa que tem passado em silêncio, como se nada tivesse acontecido, e de que, estranhamente, se sabe ter sido o gasoduto destruído por uma misteriosa organização-fantasma de que convenientemente não se sabe o nome, de onde é, nem onde está sedeada – ou seja, e segundo a verdade oficial ocidental, não foram a NATO nem os EUA, nem ninguém a mando deles quem destruiu o gasoduto. Não se sabe quem foi, mas sabe-se que foi uma entidade desconhecida! Isto apesar de uma operação deste tipo só estar ao alcance de um punhado reduzido de países, dada a sua complexidade técnica.

Por outro lado, pressionada pelos EUA e a NATO para abastecer a Ucrânia de armas modernas e munições, que os EUA não querem fornecer, os países da União Europeia estão obrigados a um esforço económico que está a ter consequências no agravamento do custo dos bens de primeira necessidade – como os alimentos e cereais -, a fazer crescer a inflação e as taxas de juro, esgotar os seus stokes bélicos e, em resultado disso, a desviar cada vez mais recursos económicos para as indústrias de guerra em detrimento das actividades produtivas. O que para os trabalhadores é uma péssima notícia. E assim, à dependência militar e energética da Europa face aos EUA, soma-se agora a agrícola e de bens de consumo.

Em resultado do apagamento da União Europeia como potência económica e política a nível mundial, os EUA e a China afirmam-se cada vez mais como as duas grandes potências imperiais, em disputa cada vez mais acirrada, estando a guerra na Ucrânia a servir para cada um dos campos alargar a sua esfera de influência, estabelecendo novas alianças políticas, económicas e militares, em que o controlo dos recursos energéticos, minerais raros, informática e inteligência artificial, tecnologias militares e meios de informação de massa desempenham um papel crucial.

Ou seja, caminhamos para uma nova guerra mundial que terá como principais contendores os EUA e a China.

2 – Os EUA estão a firmar-se como a grande potência vencedora da guerra do “ocidente” e das “democracias liberais” contra a Rússia, obrigando-a a esforços redobrados para conseguir os seus objectivos enquanto potência imperialista regional e, mais importante, por estar a conseguir liquidar os sonhos do eixo franco/alemão, aquele que de facto manda na EU, que vê cada vez mais diminuído o seu peso e capacidade para influenciar o desenho da nova ordem internacional que está a emergir deste conflito. Tanto assim, e altamente significativo desta nova realidade, foi o facto de Biden se ter deslocado à semanas à Europa para participar na reunião do G7, tendo ignorando completamente a Alemanha e a França, as duas grandes economias da União Europeia e da Europa, tendo-se encontrado só com os dirigentes polacos e dos países do ex-bloco soviético para discutir o conflito e as ajudas à Ucrânia, num claro sinal de quem os EUA passaram a considerar os seus aliados e “agentes” de confiança na Europa.

Por outro lado, e para que não restem dúvidas, a administração norte-americana já deixou claro que o seu principal inimigo é a China, designada oficialmente como a principal ameaça ao modo de vida e interesses dos EUA a nível mundial. Pelo que já anunciou que vai investir gigantescas somas nas indústrias de guerra, fazer regressar aos EUA as indústria e actividades económicas e produtivas consideradas estratégicas, estando igualmente a reforçar a sua presença militar no Pacífico e as alianças e apoio militar ao Japão, Taiwan, Austrália e Nova Zelândia, e a tentar atrair para o seu campo a Índia e a Indonésia e outras pequenas e médias potências asiáticas no sentido de isolar e cercar a China. Esforço que não ficou sem resposta equivalente da China, tendo o recente congresso do PC da China anunciado um forte investimento nos meios de guerra.