Nestes tempos de destruição em massa e repressão sobre as pessoas que resistem e lutam em defesa da vida. Partilhamos dois poemas de Miguel Torga que também foi perseguido e preso, na sequência da publicação de O Quarto Dia da Criação do Mundo, em 1939.
Conquista
Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.
Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!
S.O.S
Vai ao fundo o navio,
Mas eu sou o homem da telegrafia.
O que lança nas asas do vazio
O adeus da agonia...
Sei que ninguém acode à íntima certeza
De que tudo acabou quando naufraga
O veleiro do sonho.
Mas honrado poeta sinaleiro
Do destino de quantos aqui vão,
Ponho
A correr mundo o grito derradeiro
Da nossa desgraçada perdição.
Em: Miguel Torga, Antologia Poética, Círculo de Leitores, 2001, pp. 126/7