domingo, 31 de julho de 2022

Eucaliptal é a Morte do Mundo Rural e da Segurança e Soberania Alimentar de Portugal - #EucaliptalÉFogo

A retórica oficial e oficiosa é desmentida pela realidade, assim como a tentativa de responsabilizar as pessoas individualmente e os pequenos proprietários pelo desordenamento do território, o despovoamento e a monocultura de espécies de crescimento rápido como, por exemplo, o eucalipto, com vista a favorecer os interesses das grandes corporações da industria da celulose e da pasta de papel, em detrimento dos interesses da esmagadora maioria das pessoas que vivem e trabalham nesta região geográfica do planeta, Portugal. 

Este país destaca-se por ter sido, deliberadamente, transformado num imenso eucaliptal, pela industria referida acima, com incentivos e a cobertura legal do Estado e da União Europeia. Tornando-se, assim, o país com maior área relativa de eucaliptal do Planeta - 880 mil hectares - a que corresponde cerca de 9,5% do território nacional. Apenas quatro países o superam, (Austrália, China, Brasil e Índia), em área absoluta de eucaliptal. E, apesar das promessas e da propaganda, após a catástrofe de 2017, a área continuou a aumentar. 

Por isso, é o país onde se verificam mais ignições e mais área ardida do que todos os outros países do Mediterrâneo. Por exemplo, desde o ano de 1995 que a área ardida em Portugal é superior à de Espanha (país 5 vezes maior que Portugal). Este, apesar de ser um pequeno país europeu Mediterrânico, é de longe o que mais arde, e não era assim no passado.

Os dados relativos aos últimos vinte anos mostram-nos que Portugal é o país Mediterrânico que mais arde, e à anos em que arde mais do que todos os outros países juntos. Como é do conhecimento de todas as pessoas, as alterações climáticas resultantes do aquecimento global, provocado pelos gases com efeito de estufa emitidos, para a atmosfera terrestre, pelas grandes corporações da indústria fóssil e afins, vieram agravar as condições propicias a incêndios em todos os países, assim como o abandono do mundo rural.

Mas, em Portugal, verifica-se que o incremento dos incêndios coincide com a forte expansão do eucaliptal financiado, nas décadas de 80 e 90, pela União Europeia, isto é, o país tornou-se o que mais arde devido a ter sido, deliberadamente, transformado num imenso eucaliptal. Segundo as estimativas oficiais, cerca de 20% do território nacional é de dono desconhecido. Isto porque o cadastro de terras não existe, apesar das promessas feitas após a catástrofe de 2017, nem foi implementado ainda. A legislação em vigor estabelece que o Estado, quando os terrenos estão abandonados e não é conhecido o dono, tem de tomar posse e assumir a sua gestão.

Para mais, em Portugal apenas 2% da área florestal é pública, quando a média europeia de floresta pública é de 59%, enquanto a média a nível mundial é de 73%. E, se tivermos em conta as características da propriedade no país, onde 85% das propriedades tem menos de 5 hectares, em particular, na zona centro existem mais de 5.800.000 propriedades, e muitas têm menos de 1 hectare, então, só se pode concluir que: o governo, em 2013, liberalizou a plantação do eucalipto, apesar da propaganda oficial e oficiosa afirmar o contrário, ao permitir que se plantasse eucaliptos em áreas inferiores a 2 hectares. Isto é, a política pública está ancorada na eucaliptização do país e, consequentemente, no abandono do mundo rural desde a década de 60 do século XX.

É do conhecimento geral, e validado pela ciência, que o eucalipto tem um forte impacto sobre os solos, águas superficiais, subterrâneas e incêndios. O eucalipto cresce muito rapidamente porque consome muita água e minerais, degradando o solo e, quando são adicionados químicos, estes agravam a situação e levam ao esgotamento dos solos. Como as espécies autóctones existentes no país (microorganismos, fauna e flora) não estão capacitadas para digerir eucalipto (folhas, casca, etc.), há sempre mais biomassa disponível para arder nos terrenos ocupados pela monocultura de eucaliptos, assim como é destruída a biodiversidade, tornando-a inviável. Mesmo os fungos e os microrganismos capazes de digerir a biomassa derivada do eucalipto demoram bastante mais tempo a digeri-la do que a digerir a de espécies autóctones.

Por outro lado, o eucalipto está, pelas razões aduzidas acima, e não só, associado aos ciclos de fogo, porque é uma espécie que se expande e prolifera com os incêndios, ocupando terrenos em seu redor, através da difusão das suas sementes. Sempre que há um incêndio, como acumula muita matéria combustível no terreno e queima rapidamente, faz com que as chamas cheguem num ápice à copa, onde se dá a “explosão” da copa e as sementes se espalham para os terrenos em redor. O eucalipto também provoca fogos secundários, ou seja, abre novas frentes de fogo, dado que projecta material em combustão (folhas a arder e pedaços de casca - “bolas de fogo”), a quilómetros de distância. Na Austrália, cientistas que estudam os fogos consideram existir evidências que o eucalipto evoluiu de forma a “aproveitar” o fogo para se expandir em detrimento de outras espécies, em particular, as que são menos resistentes ao fogo. Neste particular, com os incêndios das últimas décadas, em Portugal, a expansão e a proliferação do eucalipto foi real, em detrimento de espécies autóctones.

Respigado de: "Portugal em Chamas - Como Resgatar as Florestas", João Camargo e Paulo Pimenta de Castro, Bertrand Editora, 2018.