quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Passaram das palavras aos actos

Num episódio já relatado anteriormente, o Parlamento holandês aprovou legislação que impede a produção de electricidade a partir do carvão, a entrar em vigor em 2030. A empresa UNIPER reagiu ameaçando processar o governo em mais de mil milhões de euros, não nos tribunais nacionais, mas sim nos tribunais privados estabelecidos pelo Tratado da Carta da Energia (TCE).

No entanto, esta não foi a única empresa a ameaçar o governo. A multinacional  RWE, com sede na Alemanha, também fez ameaças no mesmo sentido.

O Tratado da Carta da Energia, recorde-se, é o tratado que tem originado mais casos ISDS em todo o mundo e é inteiramente incompatível com o Acordo de Paris e qualquer tipo de combate consequente às alterações climáticas.

A RWE decidiu agora passar das palavras aos actos e usar o Tratado da Carta da Energia para processar o Estado holandês num tribunal privado.

O Tribunal de Justiça da União Europeia, numa anterior decisão histórica, tinha tornado relativamente claro que o uso dos mecanismos ISDS para disputas entre dois países da UE seria ilegal, mas as firmas de arbitragem privadas preferiram fazer-se desentendidas. Para evitar equívocos, vários governos europeus estabeleceram acordos com o propósito de evitar este uso do TCE, aparentemente para serem ignorados.

O sistema de justiça privada estabelecido pelo Tratado da Carta da Energia parece não se considerar sujeito ao Tribunal de Justiça da União Europeia nem à Lei Internacional em geral.

Agora, que se coloca a questão de abandonar ou não o Tratado da Carta da Energia, é preciso lembrar que ele, não só pode potencialmente ser usado para casos intra-europeus, como está a ser usado para casos intra-europeus.

Por exemplo, se a Iberdrola quiser usar este tratado para processar o Estado português e os contribuintes portugueses em tribunais privados, pode fazê-lo.

E, claro está, vale a pena recordar que, se Portugal não abandonar o tratado com a maior urgência, dentro de poucos anos (dois ou três) o capital chinês também terá acesso a estes tribunais privados, tornando as “rendas excessivas” da EDP completamente irreversíveis.