SANTARÉM - CONCENTRAÇÃO, 15H, JUNTO À LOJA DO CIDADÃO
«1. Todos têm direito, para
si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em
condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a
privacidade familiar.»
Constituição da República Portuguesa (artigo 65.º, ponto 1)
«Continuamos na Rua por uma Casa Para Viver. Não se deixem enganar – este novo governo só veio agravar ainda mais a crise de habitação! Os
preços e as rendas das casas continuam a subir; a sobrelotação aumenta,
assim como as barracas, as pessoas em situação de sem abrigo e os
despejos. A maior parte do nosso salário, senão todo (e muitas vezes
este já não chega!) é gasta a pagar a casa. Desta forma, é inevitável
que a pobreza aumente. […]»
«[…] A maioria daqueles que cá vivem e
trabalham vêem a sua habitação ameaçada, ou pelo valor da renda ou do
crédito, ou pela curta duração do contrato. Os salários já não chegam
sequer para pagar a casa e, enquanto isso, crescem os lucros da banca e
da especulação. Muitos são os que já perderam as suas casas. Muitos são
aqueles que adiam a autonomia ou regressam a casa de familiares para
enfrentar a situação. Muitos são os que vivem em casas partilhadas, em
quartos, em situações verdadeiramente indignas, sem qualquer tipo de
privacidade e salubridade. Esta situação tem que ser revertida. […]»
A situação crítica vivida pela população, residente e trabalhadora
em Portugal, inclusive professores, educadores e investigadores, no acesso e na manutenção de uma habitação digna, bem como
de todas as pessoas que estando numa situação mais vulnerável, já
perderam o acesso a este direito fundamental.
A habitação, designadamente o seu preço, em muitas das
regiões onde mais faltam professores, é mais um contributo para o
agravamento do problema da falta de professores qualificados.
Sim, é necessário ter em conta que o custo da habitação
impede hoje que muitos docentes aceitem colocações longe de casa, sendo
que muitos abandonaram e poderão vir a abandonar a profissão por essa
razão.
Também estudantes e famílias vivem diariamente esta
situação crítica que não contribui para o direito à igualdade de
oportunidades de acesso e êxito escolar.
Urgem respostas efectivas do governo, as quais enfrentem
desde logo e de forma determinada os interesses da banca e dos fundos
imobiliários.
Resolver a crise de habitação é possível. Por
isso, este sábado, 28 de Setembro de 2024, vamos estar presentes na manifestação em Santarém e apelamos a todas as pessoas que participem nas diferentes manifestações «Casa para
Viver» convocadas por todo o país, designadamente na que se realiza em Santarém:
Santarém - 15h, Loja do Cidadão
Pelo cumprimento do direito à habitação, participa!
Respigado de: https://www.spgl.pt/pelo-direito-a-habitacao-manifestacoes-28-de-setembro-de-2024
Talhadas é uma freguesia do concelho de Sever do Vouga, ali a
meio caminho entre Aveiro e Viseu, com cerca de 1.000 habitantes que,
nos inícios dos anos 1970, na altura com 325 famílias, deu início a uma
luta que despertou o mundo rural para a acção colectiva que desafiava o
Estado fascista.
Nos finais dos anos 1930, ainda no rescaldo da Guerra Civil Espanhola
e já em tempos de Segunda Guerra Mundial, em Talhadas e um pouco por
toda a realidade circundante, não havia estradas, nem luz eléctrica ou
telefone. Os pobres da zona viviam sob um regime que se poderia dizer
feudal: meros escravos do sector rico. Tempos de seca, também, com a
consequente subida de preços trazida pela aliança entre a escassez e a
ganância. Um ambiente fértil para negociatas e enriquecimento rápido de
alguns, que acabariam por determinar quem seria a classe dominante dos
anos seguintes.
É por esta altura que o Estado cria uma nova realidade, com a
imposição da reflorestação da Serra e dos Serviços Florestais, os
encarregados de a levar a cabo. Pretendia o Estado Novo extinguir o
controlo colectivo e tradicional do território e substituí-lo por um
regime florestal centralizado, decidido pelo centro de poder estatal,
condenando as serras e os montes à subserviência perante a economia de
larga escala.
Houve terrenos que transitaram directamente para o nome desses
serviços. Acima de tudo, houve terrenos «livres», que na realidade eram
baldios ou pastagens, que foram tomados ou vendidos, num processo que
permitiu o avanço da área florestal até limites inconcebíveis (junto de
casas agrícolas, aldeias, templos,…) colocando as populações, como se
viria em breve a confirmar, sob risco mortal em caso de incêndio.
Houve,
durante muitos anos, perseguição a quem entrasse nas matas para arranjar
lenha. O dinheiro, pouco utilizado até então, passou a ser fundamental.
A vida e as possibilidades de subsistência tradicionais foram
desaparecendo: os rebanhos foram abandonados por falta de baldios e pela
proibição de entrada de animais e gente na floresta. O leite, a carne e
o vestuário acabaram por se tornar produtos difíceis de produzir.
Houve, durante muitos anos, perseguição a quem entrasse nas matas para
arranjar lenha. O dinheiro, pouco utilizado até então, passou a ser
fundamental. Restava a opção de sair dali. Para a indústria, por
exemplo, em Águeda, ou para o estrangeiro. Os que ficavam apenas podiam,
em troca de salários de miséria, participar nas limpezas das matas ou
na sementeira dos Serviços Florestais, sob o olhar atento de capatazes,
armados em senhores absolutos, que não tardaram a humilhá-los e a
invadir terrenos particulares, usurpando-os assim como aos seus bons
recursos aquíferos.
Basta!
No final dos anos 1960, a «pacatez» do meio rural foi interrompida,
quando as populações, fartas dos abusos das autoridades e da opressão
que sobre elas se abatia, decidiram tomar os seus destinos nas suas
próprias mãos e afirmar que «nada se faz sem a vontade do povo». 1
Os acontecimentos iniciaram-se precisamente em Talhadas, em 1970, e
foram cobertos jornalisticamente por Armando Pereira da Silva, que, com
as recolhas e informações que obteve, escreveu um pequeno livro, Ocupação sem Limites, editado em 1973, que relata a luta contra a ocupação dos Serviços Florestais e pela restituição dos terrenos ocupados.
Na freguesia de Talhadas, em 3 de Novembro de 1970, todos os
habitantes com mais de 14 anos assinaram por si ou a rogo uma exposição
ao governo, na altura encabeçado por Marcelo Caetano, onde se podia ler:
«Não contestamos a utilidade ou validade dos Serviços Florestais a
nível nacional, porque infelizmente não tivemos possibilidade de
adquirir conhecimentos suficientes para isso. Mas sabemos que para esta
freguesia são maus. Nada fizeram que nós próprios não tivéssemos feito
melhor. E impediram que 300 famílias continuassem a beneficiar dos
rendimentos dos seus rebanhos, impedindo-as ao mesmo tempo de os
substituir pelos das matas que já estavam a semear e a plantar nos
baldios». As exigências eram a restituição «aos seus legítimos donos dos
bens particulares usurpados pelos Serviços Florestais» e a restituição
ao povo da freguesia, por parte dos Serviços Florestais, de «todo o
baldio que ocupam, ou pelo menos todo o baldio que excede a zona amarela
assinalada na carta, que é a única a que se refere o acordo que foi
feito entre os mesmos serviços e a Junta de Freguesia de Talhadas».
A exposição incluía ainda uma espécie de estalada de luva branca, ou
talvez uma forma de dizerem «desapareçam e não se fala mais nisso»,
quando propunha «que, embora sejam apuradas as responsabilidades dos
funcionários dos Serviços Florestais nas injustiças sofridas pelo povo
desta freguesia, não sejam estes em nenhum caso perseguidos
criminalmente ou disciplinarmente, por julgarmos as suas atitudes mais
fruto de deformada preparação para o exercício do ofício de que foram
incumbidos, do que resultante de personalidade antissocial».
Coube ao povo de Talhadas a iniciativa de despoletar esta luta, que
rapidamente ganhou amplitude e se alastrou a outras aldeias, outras
geografias, sempre com esse carácter de exigência de participação na
gestão das suas próprias vidas, das suas próprias actividades, das suas
próprias serras e sempre com um carácter de reivindicação dos baldios
enquanto terrenos comunitários dos povos que sempre os usaram
colectivamente.
Um combate que se prolongou até à revolução e que abalou as
freguesias de Talhadas (Município de Sever do Vouga), Préstimo (antiga
freguesia do Município de Águeda agregada a Macieira de Alcoba em 2013),
Albergaria das Cabras (actualmente Albergaria da Serra) e Cabreiros
(ambas em Arouca), entre muitas outras situadas no Vale do Vouga.
Ocupação
Sem Limites. Talhadas Do Vouga, Um Caso Exemplar. História Breve da
Reacção Popular Contra os Abusos de Autoridade Praticados na Serra de
Talhadas do Vouga Armando Pereira da Silva Lisboa, Prelo, 1973.
Deixar arder
Quando, em Julho de 1972, um incêndio brutal deflagrou na Serra, os
Serviços Florestais comportaram-se como senhores feudais e, se bem que
houvesse povoados que enfrentavam ameaça de destruição completa,
preferiram mobilizar quatro auto-tanques para uma casa de guarda. As
populações ajudaram os bombeiros e soldados, lutaram bravamente e foram
os seus contra-fogos, que sabiam utilizar com mestria, o que acabou, em
vários casos, por deter as chamas no limiar da tragédia. No entanto,
recusaram-se a combater o fogo dentro dos perímetros de florestação
oficial. Aí, deixavam arder.
E a luta foi endurecendo. Quando os Serviços Florestais avançavam com
novo abuso, por exemplo, com a venda de um lote de pinheiros que a
Junta de Freguesia e a população consideravam seus, as pessoas
organizavam-se para ocupar as matas administradas pelos Serviços até que
essa venda fosse anulada. «De qualquer modo, o nosso objectivo é a
transferência total da administração florestal para as mãos do povo»,
dizia o presidente da Junta. Que concluía: «Os interesses do povo – e do
país, portanto – serão muito melhor defendidos pelo povo. Desde que o
interessemos e o façamos participar honestamente na administração
daquilo que lhe pertence». A devolução dos baldios era a primeira
exigência, a mais audível, digamos assim. No pós-incêndio, uma outra
reivindicação era a da construção de um sistema de segurança eficaz
contra incêndios, que passava pelo abate de partes da floresta demasiado
próximas de aldeias que por ela tinham sido envolvidas. Exigiam-se,
ainda, indemnizações.
«De qualquer modo, o nosso objectivo é a transferência total da administração florestal para as mãos do povo».
Mas havia muitas outras lutas, algumas pequenas, com objectivos
aparentemente limitados e pouco ambiciosos, alguns até possivelmente
corporativos, mas sem as quais o conjunto não teria sido tão impactante.
Os tempos eram ainda de domínio fascista e, à sua maneira, cada uma
dessas lutas teve por trás muita coragem, muita determinação, alguma
dose de repressão e vários sucessos e desilusões. Mas foram, no fim de
contas, a chama vitoriosa que ficou até culminar numa outra exposição ao
governo, esta já de 1974, posterior ao 25 de Abril, em consequência da
qual, no dia 19 Janeiro de 1976, foi publicada a legislação de
restituição dos baldios aos povos com direito a eles.
Artigo publicado no JornalMapa, edição #39, Outubro|Dezembro 2023.
António Afonso de Pinho, na altura presidente da Junta de Freguesia de Talhadas, citado no livro Ocupação sem limites,
de Armando Pereira da Silva (1973), do qual saiu grande parte da
informação deste texto. Entretanto, em 2020, a editora conimbricense
Lápis de Memórias lançou o livro O despertar das montanhas: as lutas dos agricultores e povos da montanha antes do 25 de Abril,
de Vasco Paiva, um engenheiro florestal da área do PCP que esteve
envolvido no apoio a estas lutas e que, como tal, dá um relato mais
pessoal e autobiográfico. Neste livro tem-se uma visão que começa por
destacar o papel clandestino do PCP na animação dos protestos e passa
depois para um apanhado bastante profundo de estratégias de luta e
momentos repressivos, acabando, tal como o livro Ocupação sem limites, com uma secção preenchida por documentos que não são mais do que os principais textos produzidos pelos povos em luta.
Foi no passado 18 de agosto, uma noite de lua cheia, que nasceu
para o mundo a Rede Global Anti-Extrativista. Movimentos anti-minas de
países como Portugal, Espanha, França, Argentina e Sérvia recusam deixar
as suas terras tornar-se “zonas de sacrifício”, em benefício de uma
economia cada vez mais desconectada das realidades sociais e ecológicas
do nosso planeta. Cada um à sua maneira, com as suas comunidades,
celebraram em simultâneo a vida e a resistência rural. Em Covas do
Barroso, onde centenas de pessoas se juntaram no quarto Acampamento em Defesa do Barroso, revelou-se o manifesto da nova rede, que aqui reproduzimos.
Escutem. Parem o que estão a fazer, pousem as vossas ferramentas.
Parem tudo. E escutem. Hoje falamos para um planeta inteiro. Juntem-se
nos campos, vilas e cidades, e oiçam. Porque hoje falamos nós. E o que
temos para vos dizer é importante. Queremos falar-vos das nossas terras,
das nossas lutas, das nossas vidas. Somos gente enraizada. Fazemos
parte de comunidades e movimentos aliados que defendem territórios
ameaçados por projetos de mineração. Enfrentamos o monstro
extractivista.
É um monstro antigo, este. Um que cresce a cada dia, o mesmo em todo o
lado, sedento do que é nosso. Esfomeado do que é vida. Que olha para os
lugares onde nascemos, onde crescemos, onde vivemos, e só vê números,
cifrões e valores em bolsa. É um monstro que transforma a Natureza em
lucro, e depois em lixo. É um monstro que não dá lugar a outras formas
de viver.
Por isso dizemos: atacam mais que as nossas terras. Atacam os nossos
costumes, os nossos afetos, a nossa identidade. Tentam despojar-nos dos
nossos territórios, para nos despojarem dos nossos valores, dos nossos
projetos de futuro, dos nossos sonhos. Não o aceitamos. E por isso
lutamos.
Sabemos que enfrentamos gigantes. Que a situação mundial não está do
nosso lado. Que a Transição Energética que tanto se apregoa não é
possível sem a destruição de redes de vida por todo o lado. Que dá via
livre a multinacionais para a exploração desenfreada de territórios, com
a cumplicidade de governos e instituições internacionais. Que por ela
se atropelam ecossistemas e comunidades inteiras. Em nome do lucro,
tentam convencer-nos de que um só caminho nos pode salvar das crises que
vivemos. Prometem mudar tudo para que tudo fique igual. Para se
manterem os mesmos de sempre no poleiro. Para que nos viremos umas
contra as outras.
Mas não nos rendemos. O assédio dos governos e das empresas às
comunidades rurais é uma ferida aberta nas nossas democracias. Uma
ferida aberta que expõe as contradições do nosso tempo, vista cada vez
por mais pessoas. Por isso sabemos que não estamos sozinhas. As
comunidades resistentes e os movimentos solidários com as suas lutas
multiplicam-se por todo o mundo. E nós também nos sabemos organizar. Por
isso, este ano criámos a Rede Global Anti-Extractivista, um grupo
internacional de coordenação de movimentos dedicados a esta luta.
Como primeiro passo, hoje, dia 18 de Agosto, organizamos uma rede de
ações anti-mineração em vários territórios do mundo. Juntamos as nossas
raivas, mas também as nossas forças e sonhos, em defesa dos nossos
territórios e da preservação da vida. Juntas, gritamos numa só voz e
lembramos às esquecidas. Lembramos que o povo é quem mais ordena. Que o
baldio, hoje e sempre, é da sua gente. Que o povo é sereno, mas a foice
está amolada.
Fora da bouça, que a bouça é nossa!
Participam na iniciativa:
Unidos em Defesa de Covas do Barroso. Território transmontano. Portugal. Plataforma Sierra de Gata Viva. Espanha.
Plataforma No a la Mina de Cañaveral. Espanha.
Plataforma ciudadana Rebollar Vivo. Espanha.
Stop mines 03. Echassiére. França.
Coligação francesa para uma luta internacional contra o extrativismo. França.
Coligação “ Mines de Rien”. França.
Cueca de Salinas Grandes y laguna de Guayatayoc. Argentina.
Epitopiagonapanagias. Grécia.
Antamanta. Itália
Coalición of local organisations agaisnt lithium mining in the Balkans. Sérvia.
Kolonierna. Territorio Sampi. Grécia.
Coalitión of people from the Ore Mountaisn. República Checa
Pelo quarto ano consecutivo, a aldeia de Covas do Barroso, em
Trás-os-Montes, acolheu centenas de pessoas solidárias com a luta da
comunidade local contra as ameaças da exploração mineira. Em 2024, o
Acampamento em Defesa do Barroso procurou honrar a luta popular contra a
empresa Savannah Resources, que já implicou vários processos legais e
sete meses de bloqueio diário de uma máquina que invadira os terrenos
baldios. Durante seis dias, cultivou-se um ambiente de aprendizagem,
celebração e partilha entre as pessoas do Barroso e os apoiantes que
visitavam este pequeno paraíso abraçado por montanhas e ameaçado pela
avidez capitalista.
O programa teve início oficial a 14 de Agosto, com a exibição do
filme Lavra, que aborda as dramáticas consequências da exploração
mineira sofridas por diversas comunidades brasileiras, vendo «o chão a
ceder sobre os seus pés» e «o céu a cair sobre as suas cabeças». No
entanto, nos dias anteriores várias foram as pessoas que acorreram a
Covas do Barroso, oferecendo os seus dias de verão para garantir que
todas as necessidades logísticas do evento seriam satisfeitas.
A “acampada” foi precisamente caracterizada pelo envolvimento das
participantes, responsabilizando-se pelas tarefas diárias segundo
princípios de auto-gestão e apoio-mútuo, tornando-a num fervilhante
laboratório de horizontalidade. A estrutura organizativa desdobrou-se em
grupos de trabalho, cujas responsabilidades iam desde a limpeza e a
confecção de refeições à (celebr)ação e ao cuidado inter-pessoal. As
refeições, que alimentariam mais de 300 pessoas, ficaram a cargo dos
colectivos Maldatesta, Mula, Disgraça e Rede de Apoio Mútuo de Lisboa. A
loiça, por sua vez, era lavada pelas próprias participantes sob o
espigueiro da Quinta do Cruzeiro, onde outrora fora armazenado o milho
após ser colhido. Ironicamente, este complexo senhorial do século XVIII
passa, nos verões dos anos 2020, a testemunhar práticas vivas de
organização anarquista.
O dia seguinte foi marcado por uma conversa com Paula Oliveira, que
se dedica a fomentar a produção têxtil através de técnicas tradicionais,
sobre a utilização de linho e de lã no Barroso, seguida da escuta de
histórias partilhada pelas habitantes locais, que se estenderam pela
«caminhada sensorial» e pela «caminhada da memória», nas quais os
forasteiros foram convidados a enveredar.
Ao cair da noite, o Largo do Cruzeiro encheu-se de gente para
assistir ao Grupo Teatral de Boticas, que trouxe uma leitura encenada do
livro “Lítio”, lançado essa noite. Seguiu-se a estreia nacional do
filme “A Savana e a Montanha”, de Paulo Carneiro. Um filme de tom
satírico à estilo western, protagonizado pelos próprios habitantes do
Barroso, que estreara em maio no festival de Cannes e de onde se destaca
a máxima «somos poucos, mas não somos números».
O programa de dia 16 começou com uma contextualização sobre o
projecto de mineração em Covas do Barroso, combinada com a crítica ao
processo de expansão energética (disfarçado de «transição energética»)
em Portugal, contando com a presença de representantes da Mútua de
Pescadores de Setúbal. Antigos mineiros, da Associação de
ex-trabalhadores das Minas de Urânio (ATMU), partilharam a sua luta de
mais de duas décadas pelos direitos de quem teve de, como nos versos de
Sérgio Godinho cantados hoje no Barroso, «construir as cidades pr´ós
outros, carregar pedras, desperdiçar muita força p´ra pouco dinheiro».
Denunciaram a violência exercida por qualquer grande projecto de
mineração sobre a saúde das pessoas, das comunidades e da natureza, e
afirmaram a sua solidariedade com a resistência de Covas e de todas as
populações ameaçadas.
A tarde foi brindada com sete oficinas, realizadas paralelamente:
escrita criativa e performance, ilustração naturalista, construção de
máscaras barrosãs, criação de meias de lã, danças de rancho, visita ao
ecomuseu do Barroso, introdução à ecologia e cuidado da vida para
crianças. Houve ainda lugar para uma conversa sobre solidariedade com o
povo palestino, com uma faixa em pano de fundo onde se lia «Do Barroso à
Palestina, a terra a quem a trabalha».
A noite foi embalada pela contadora de histórias Estefânia Surreira,
pelo Grupo Couto de Dornelas, ao som do qual o largo inteiro se tornou
um tremendo baile tradicional, e pelo inebriante Coro dos Anjos, que
partilhou estar a experienciar um processo de horizontalização, na
ausência do seu mentor Edgar Valente.
Na manhã de dia 17, abriu-se espaço para o pensamento utópico na
sessão “2050: um mundo sem minas”, onde se esboçaram colectivamente
alternativas ao modelo extractivista. A tarde foi novamente repleta de
actividades simultâneas, por sua vez repletas de participantes: oficinas
de herbalismo, crochet, cante alentejano e teatro para crianças, assim
como uma conversa sobre os impactos da mineração. Em seguida, sentados
numa grande roda de escuta, membros do colectivo Vozes de Dentro leram
cartas de mulheres encarceradas e estimularam reflexões sobre a privação
da liberdade no sistema prisional em articulação com a análise dos
mecanismos igualmente opressivos das instituições psiquiátricas.
As celebrações nocturnas contaram com um espetáculo acrobático, que
teve lugar no campo de futebol da aldeia; o surpreendente
concerto-performance de Buterflai, que ecoou as anteriores histórias
carcerárias – com ritmos de cadeados a evocar memórias da escravatura
histórica e contemporânea – e celebrou a resistência e a criatividade em
meio rural; e a performance musical «Volta ao Mundo em 80 Minutos», por
João Barroso, músico autodidata das montanhas do Gerês, que quebrou
barreiras entre artistas e público, convidando os presentes a tomar os
instrumentos e participar numa criação coletiva.
O domingo, dia da celebração, despertou para a criação de alianças
entre movimentos nacionais e internacionais que resistem à mineração,
com a presença de companheiros do Montalegre Com Vida, que lutam contra o projeto da Mina do Romano, em Morgade, pela empresa Lusorecursos; companheiras da Ação Floresta Viva,
na Serra da Estrela, que lutam contra a expansão anunciada da mina de
Alvarrões pela Sociedade Mineira Carolinos, atualmente em consulta
pública; companheiras galegas de Suído-Seixo; e de companheiros
franceses de Allier-Echassiéres.
Ao cair da tarde, as e os participantes juntaram-se à entrada da
quinta para marcharem em direção à vizinha aldeia de Romainho – que
dista apenas 200m dos terrenos em que a Savannah tenciona levar a cabo
os seus projectos de mineração. «Querem dar cabo das serras, Barroso /
Nós não vamos permitir / O povo vai resistir» – entoavam-se os versos do
cantautor barrosão Carlos Libo, à medida que o pôr-do-sol conferia às
montanhas um impressionante contorno rosado.
No largo de Romainho, diante de uma parede granítica decorada com
ferramentas de trabalho e de luta (como a icónica sachola), maçarocas
avermelhadas, vinhas contorcidas e uma cabaça tornada candeeiro, teve
lugar uma performance onde pássaros humanos, adornados com máscaras de
junco criadas durante a acampada, aludiam a um futuro em que a luta
contra a mineração terá sido ganha e em que os guerreiros podem voltar a
ser gente. Em seguida, leu-se o comunicado da nova Rede Global Anti-Extractivista,
apelando ao cuidado, ao apoio mútuo e à solidariedade internacional
contra as pulsões auto-destrutivas do capitalismo neoliberal.
A música prolongou-se pela noite dentro, com vários momentos
comoventes, como a atuação do próprio Carlos Libo, a música tradicional
galega interpretada por crianças e adultos, ou a participação da Dona
Albina, habitante de Covas do Barroso e presença regular nos turnos de
bloqueio das máquinas, que brindou a multidão com uma cantiga da sua
infância e com o fado que marcara a sua vida.
No último dia da acampada falou-se sobre práticas comunitárias
ibéricas, com destaque para os baldios, a sua importância histórica e
atual e o seu funcionamento, com depoimentos de Nelson Gomes, presidente
da associação Unidos em Defesa de Covas de Barroso e uma das figuras
fundamentais na luta contra a mineração juntamente com a sua esposa,
Aida Fernandes, presidente do Conselho Diretivo dos Baldios das Covas do
Barroso. Seguiu-se uma conversa com membros da comunidade de baldios de
Montes de Couso, na Galiza, que apresentaram uma fascinante experiência
de gestão agroflorestal e organização económica para benefício
comunitário.
A tarde contou com a apresentação dos livros La Sanabria Anarquista de los anõs 30, de Carlos Coca, e The Sytem is Killing Us,
de Xander Dunlap. Ao pôr-do-sol, encerrou-se o programa de reflexão
colectiva em conversa com o sindicalista Bruno Candeias sobre as pontes
entre os movimentos ecológicos e os movimentos laborais. Até a escuridão
começar a tomar conta da tenda principal, foram-se tecendo ligações
entre a mineração de lítio, a requalificação do complexo industrial de
Sines, a tão prometida fábrica de hidrogénio verde, o tão cobiçado data center,
as centrais fotovoltaicas que se multiplicam pelo país e a voracidade
do capital internacional para aumentar infinitamente a produção e o
consumo energéticos num planeta onde os recursos são finitos e a vida
vulnerável.
À luz da lua cheia, O Gajo tornou-se lobo com o uivar da sua viola
campaniça, e Säflor embalou a noite com a sua inspiradora recolha de
canções tradicionais ibéricas e uma voz de arrepiar tanto os fãs de
música softezinha como os punks mais hardcore.
Enquanto a população de Covas recupera a calma das lides diárias e
centenas regressam às suas terras e aos seus caminhos pelo país e mundo
fora, ficam a força deste encontro, as sementes de cuidado e de
resistência, a chama de «vida verdadeira» que se viveu durante uma
semana, e que se desejam capazes de travar o projecto mineiro com que o
governo e a Savannah ameaçam os animais, as plantas, os rios, as
montanhas do Barroso, com que nos ameaçam a todas nós.
Texto deFilipe Olival e Francisco Colaço Pedro
Imagens deCatarina Leal, Jan Kleinpeter e Florian Scheible
O poeta José Gomes Ferreira escreveu, no anos supracitado, o poema que passamos a transcrever:
II
(De repente a Natureza deixou de ser uma visão e surgiu-me como é: real)
Que voz é esta
que vem da floresta
e não do meu coração?
Pois os pássaros não cantam apenas
na minha imaginação?
Existem em cor e penas
na realidade desta canção
de mim tão alheia?
O pássaro autêntico
volta a ser ideia.
José Gomes Ferreira, Poeta Militante II, Círculo de Leitores, 2003, p. 9
Setenta e nove anos depois as vozes, que vem das monoculturas intensivas de madeira industrial, são de abandono, destruição e morte (nove mortos, vários feridos e casas e vidas destruídas, nos incêndios da semana passada).
Porque a floresta não passa de uma visão, e os pássaros cantam apenas na nossa imaginação...
Que voz é esta
que não vem da floresta
mas da nossa vontade?
Pois os pássaros cantam apenas
na nossa imaginação?
Inexistentes em cor e penas
na realidade desta canção
de mim tão alheia?
O pássaro autêntico
volta a ser ideia.
E se pegarmos e consolidarmos a ideia, em conjunto, e nisso nos empenharmos voltaremos ter floresta e pássaros de cores, penas e cantares diversos...
Tudo é possível é só querermos... Para isso, é necessário emanciparmo-nos, libertarmo-nos do jugo ideológico hegemónico, escravizador, e juntos e organizados mudamos o mundo para melhor... Onde a justiça seja lei.
Porque, quem espera nunca alcança... Mas, se adoptarmos a máxima de Aquilino Ribeiro: "Alcança quem não cansa", tudo será diferente...
Estás nas tuas, nas nossas mãos, resgatar o presente e construir o futuro... Este é, sempre foi e será, uma criação colectiva...
Não permitas que uns quantos, muito poucos, decidam por ti e te manipulem e tratem como mercadoria, um recurso a explorar até ao tutano, e a deitar borda fora assim que já não sirvas os seus gananciosos intentos..
A justa luta das pessoas que trabalham na corporação multinacional, sigma/alfa, actual detentora da Nobre tem repercussões e capta apoios e a solidariedade de todos os sectores que lutam por uma organização económica, produtiva, social e cultural que rompa com o sistema capitalista.
Por isso, partilhamos o artigo abaixo que, apesar de ser de maio de 2023, continua actual e nos apresenta uma análise e perspectiva diferente e fundamentada, contribuindo assim para aprofundar o debate, e a importância da luta que as trabalhadoras e trabalhadores da Nobre travam por trabalho com direitos, numa perspectiva de transformação estrutural das relações sócio-económicas, produtivas e culturais.
Isto é, vai para além das reivindicações económicas, salariais que são, no sistema capitalista, sempre escassas, precárias e pontuais. Porque o capital, detentor do poder efectivo, tem ao seu dispor os mecanismos de - através da inflação, por exemplo - anular de imediato todo os ganhos obtidos pela classe trabalhadora, através da sua unidade, organização e luta.
“Somos uma família pobre”: como o caso da Nobre é um sintoma da doença capitalista
Depois das manifestações e greves dos trabalhadores e
trabalhadoras da Nobre Alimentação, fica mais uma vez claro que a
máquina de gerar lucros que é o capitalismo não cumpre o seu propósito
na sociedade.
Recentemente, com grande taxa de
adesão, as trabalhadoras e trabalhadores da Nobre Alimentação –
conhecida pelo fabrico de enchidos – organizaram greves e manifestações,
utilizando essas ferramentas fundamentais para expressar o seu profundo
descontentamento em relação à empresa. Lutam por salários mais altos,
carga horária mais baixa e mais dias de férias, para além de um sistema
de progressão nas carreiras que, até agora, parece ser completamente
inexistente. Nas manifestações, a falar à comunicação social, uma das
funcionárias afirma que a empresa criou um lema interno que usava para
comunicar às pessoas que lá trabalham: “Somos uma família Nobre”. As
manifestantes aproveitaram para virar este lema do avesso e trazê-lo
para a realidade que conhecem: “Somos uma família pobre”.
A inércia na subida dos salários
Na reportagem da SIC Notícias acima mencionada
é dito que a esmagadora maioria da força de trabalho da Nobre recebe o
ordenado mínimo permitido por lei. Isto pode, à primeira vista, parecer
uma exceção à regra, mas não é. É apenas o capitalismo a funcionar.
Nele, as pessoas são um recurso como qualquer outro; um custo a ser
minimizado de forma a maximizar o lucro. Isto é provavelmente intuitivo:
quem tem o poder (ou capital) vai querer mantê-lo e fazê-lo crescer..
De 2020 para 2021, os lucros da Nobre aumentaram, enquanto que o custo
com pessoal diminuiu. E assim, a fatia da receita que vai para os donos
aumenta..
Vendo deste prisma, percebemos que os
salários baixos não são mais do que a escolha “racional” do empregador:
para maximizar os lucros dos acionistas, terá que minimizar os salários
de quem produz a riqueza. No caso da Nobre, como em tantos outros
sítios por Portugal, pela Europa e pelo mundo fora, isto é verdade. E
não o deixará de ser enquanto não mudarmos radicalmente o nosso sistema
económico.
As vendas ao capital multinacional
Outro aspeto incluído na reportagem é
a notória degradação das condições de trabalho a partir do momento em
que foi vendida a gigantes multinacionais. Desde que saiu da posse da
família original (a família Nobre), a empresa de alimentação já passou
por mãos espanholas, chinesas, até chegar aos seus atuais donos, um
grupo mexicano chamado Sigma (que, por sinal, pertence, por sua vez, a uma corporação chamada alfa).
O que é de relevar aqui é que, no
mercado internacional dos “billions”, as pessoas são um mero produto. Da
mesma forma que eles compram e vendem fábricas, maquinaria e terrenos,
também compram pessoas. Passamos a ser apenas mais uma célula na sua
ultra-eficiente folha de Excel. E quando somos uma célula numa folha de
Excel, o objetivo torna-se um: aumentar o número na última linha da
folha.
“Somos uma família Nobre”
Internamente, a gestão da Nobre tenta
convencer os trabalhadores e trabalhadoras de que pertencem a uma
família. Esta tática, que é utilizada internamente dentro de várias
empresas, serve como uma tentativa, muitas vezes conseguida, de tornar
os trabalhadores mais “dóceis”, fazendo com que, por exemplo, se torne taboo
falar sobre salários com as colegas – dado que toda a gente deve
trabalhar por amor à camisola ou, neste caso, à família – ou que surja
um sentimento de culpa ou traição por queremos pertencer a sindicatos ou
organizar greves.
É de louvar o génio do marketing
que, pela primeira vez, se lembrou de usar a expressão “família” desta
forma. Para muitas de nós a família é um aspeto nuclear da vida. São
pessoas pelas quais temos emoções muito fortes, muitas vezes positivas,
mas, acima de tudo, uma ligação intangível quase inegável.
Sacrificamo-nos por família, mesmo quando discordamos. Sentimos uma
forte vontade de a ajudar a superar qualquer desafio, mesmo depois de
passar por maus momentos. Não é, por isso, coincidência, que as empresas
não usem termos como “comunidade” ou “vizinhança”. A família toca-nos
num lugar especialmente profundo, do qual se tentam aproveitar.
A política de intimidação como recurso de desespero
O trabalhador favorito de um
acionista é o trabalhador solitário; aquele que não comunica com os seus
colegas, aquele que não é confrontado com a sua própria falta de
direitos. E é exatamente isto que uma união (quer na forma de sindicato
ou não) dá às pessoas. A união dos trabalhadores oferece a oportunidade
de, democraticamente, se organizarem, debaterem e pensarem em soluções
para os problemas. Chegado ao ponto em que as trabalhadoras e
trabalhadores conseguiram organizar-se, vemos imediatamente a reação
natural por parte da gestão: o medo. Sem capacidade de produção, a
empresa não consegue responder aos seus clientes, perde receita e pode
mesmo gerar graves prejuízos financeiros. Tudo isto se reflete na
valorização da empresa e nos ganhos dos seus donos.
E é, por isto mesmo, que este medo
dos chefes e acionistas se transforma numa reação defensiva e agressiva,
o que começa com indiretas acerca de sindicatos, um dia talvez acabe
com ameaças de despedimentos caso haja greves. E aqui entra o papel
fundamental da união. Sozinha, nenhuma pessoa tem a capacidade de se
opor a tais ameaças. Juntas, as pessoas conseguem equilibrar a balança
do poder. Mas continua a não ser fácil. Às vezes há vitórias, outras
vezes não. E essa é a vida em capitalismo: uma constante necessidade de
lutar.
Posição do DiEM25: as cooperativas como solução empresarial
Existe uma alternativa. Uma
alternativa justa, desenhada para organizar as empresas à volta de
suprir necessidades e vontades humanas, de forma sustentável. Chama-se cooperativa.
Cooperativas são empresas sem fins
lucrativos controladas democraticamente pelos trabalhadores, que, em
igual parte, detêm o capital da empresa. Para além disso, as
cooperativas devem seguir um conjunto de princípios. Um destes é que
devem cooperar com outras cooperativas, criando uma rede nacional e
internacional de empresas focadas nas pessoas, e onde o principal
objetivo é suprir necessidades e desejos, não gerar lucros. Aliás, o
conceito de lucro, de certa forma, desvanece! As receitas da empresa são
distribuídas igualmente por todos os membros da cooperativa ou
reinvestidos, caso os membros achem que esse é o melhor uso das
receitas.
Façamos um exercício criativo: como
seria a Nobre se, em vez de uma empresa capitalista, controlada pelos
acionistas, fosse uma cooperativa, controlada democraticamente pelas
trabalhadoras? O primeiro passo seria criar os estatutos que guiam como a
cooperativa funciona no seu dia-a-dia – que trabalho se faz, que
funções existem dentro da empresa, etc..
Estes estatutos seriam escritos, revistos e votados por todas as
trabalhadoras. O segundo passo seria, provavelmente, eleger alguns
órgãos de gestão, como uma administração e um conselho de ética, por
exemplo. Note-se a maneira como estas pessoas chegam ao poder: por
eleição, não por nomeação ou contratação externa; qualquer pessoa que
pertença aos órgãos tem obrigatoriamente de ser membro da cooperativa. A
partir daqui, toda a gestão e trabalho do dia-a-dia é gerido pelas
mesmas pessoas que fazem o próprio trabalho. São elas que decidem os
seus salários, são elas que decidem quando comprar maquinaria nova, que
alimentos produzir, quando trocar a fábrica de local, quantos dias de
férias acham adequados, onde e com que frequência realizar jantares de
empresa, e tudo o mais que se possa imaginar para o dia-a-dia da Nobre.
Não esquecer: como em toda a boa democracia, há rotatividade; a cada
ano, ou qualquer período decidido, serão realizadas novas eleições para
os órgãos da empresa, garantindo assim que não existe uma pessoa ou
pequeno grupo que toma a cooperativa pelas rédeas para ganho próprio. E
assim se poderia gerir a Nobre democraticamente.
Atualmente, em Portugal e pelo mundo,
existem inúmeras cooperativas bem sucedidas. Muitas delas operam na
área da alimentação ou da produção agrícola. No entanto, há já exemplos
mais recentes de cooperativas a funcionar em áreas tipicamente
“reservadas” ao capitalismo mais puro, como é o exemplo da cooperativa The Drivers Cooperative,
em Nova Iorque. Uma cooperativa nativamente digital, que compete com
gigantes como a Uber ou a Bolt. É apenas um exemplo de como as
cooperativas podem ser uma das ferramentas nucleares numa sociedade
pós-capitalista, mais justa e que proporcione uma melhor vida a todas as
pessoas.
O DiEM25 apoia a luta das
trabalhadoras e trabalhadores da Nobre, assim como de todas as outras
pessoas que lutam pelo seus direitos, pelo seu bem-estar e pela sua
liberdade. Temos como um dos nossos objetivos fazer uma transição justa
para uma sociedade e economia pós-capitalistas, onde todas as pessoas
têm os seus direitos concretizados, incluindo nos seus trabalhos.
Fotografia original em: https://www.stopareeiros.pt
Associação de Defesa do Território de Azinheira Chainça e Quintas,
Como está demonstrado, ao longo de décadas de destruição dos ecossistemas, da biodiversidade e da relação das pessoas com a natureza, da qual fazem partem, o Estado, os governos e as empresas declararam guerra às pessoas e às condições que lhes permitem viver condignamente na Terra Mãe.
A expansão dos areeiros é demonstrativo da senda destruidora que é inerente ao sistema capitalista, à sua ideologia política, económico-financeira, produtiva, social e cultural, onde prevalece a ganância insaciável que esmaga e destrói a vida em todas as suas dimensões.
O atentado à vida das pessoas destas três localidades (Azinheira, Chainça e Quintas), é em tudo semelhante ao que se passa nas terras do Barroso, com a concessão, por parte do Estado/governos, para a abertura de minas de lítio, a céu aberto, próximo das povoações, com impactos igualmente destruidores da vida das pessoas e da natureza...
Por isso, é necessário e urgente juntar forças e vontades para trabalhar e organizar a resistência a estes sistemáticos e deliberados atentados à vida das pessoas e à destruição dos ecossistemas e respectiva biodiversidade natural, da qual a espécie humana é parte integrante e sem os quais a vida, tal como a conhecemos, não é possível.
Expressamos, publicamente, o nosso apoio e solidariedade com todas as pessoas da Azinheira, Chainça e Quintas, na sua luta em defesa da vida, em todas as suas dimensões. Conscientes que a vossa luta é a luta de todos nós, pela construção de uma comunidade onde a justiça social e climática seja efectiva e a justiça seja lei.
Passamos a transcrever a nota de imprensa da Associação de Defesa do Território de Azinheira Chainça e Quintas:
“Recentemente a população de Azinheira, aldeia do concelho de Rio
Maior, tomou conhecimento da expansão da exploração mineira de caulino e
de quartzo (areias siliciosas) até muito próximo das suas habitações.
Esta expansão foi concessionada pela Direção-Geral de Energia e
Geologia (DGEG) a duas empresas – Sifucel e Sibelco. A concessão destas
áreas, denominadas «Quinta da Rosa» (Sibelco) e «Via Vai» (Sifucel),
foram publicadas em Diário da República, em 2 de fevereiro de 2024 e 16
de dezembro de 2021, respetivamente.
Os limites destas explorações mineiras a céu aberto, que envolvem
escavações com 50 a 70 metros de profundidade (até à cota 46) e a
criação de grandes lagoas, chegam a 80 metros da povoação de Azinheira, a
escassos 20 metros de algumas habitações do bairro da Chainça e a 600
metros da povoação de Quintas, ficando muito próximo de alguns casais
isolados.
Junto ao Bairro da Chainça encontra-se uma outra exploração de areia
que confina com os muros de algumas moradias, dista cerca de 30 metros
de uma creche e estende-se até cerca de 150 metros das primeiras
habitações de Azinheira.
Para além desta expansão a sul da povoação de Azinheira, a população
ficou ainda mais desassossegada e alarmada após ter tido conhecimento de
um pedido de concessão a nascente e a norte da aldeia (denominada
«Joquinho»), para extração de areia semelhante e com limites de
exploração a cerca de 50 metros das habitações da aldeia de Azinheira.
Este processo encontra-se na fase final, com vista à concessão de
contrato de exploração, pela DGEG. Paralelamente, existe um pedido de
prospeção e pesquisa de depósitos minerais a norte e poente da aldeia.
Perante as concessões atribuídas (sul), em processo de atribuição
(nascente e norte) e pedido de prospeção e pesquisa (norte e poente) a
aldeia de Azinheira fica completamente rodeada de areeiros e de enormes
lagoas.
Esta exploração mineira “desenfreada” tem múltiplos e cumulativos
impactes negativos, inaceitáveis para as populações, que não foram
consultadas, para além da alteração do uso do solo, nomeadamente a
desvalorização do património rústico e urbano, a deterioração das
edificações (como já acontece no bairro da Chainça), a degradação da
paisagem, a redução dos recursos hídricos (seca de nascentes, poços e
furos devido à drenagem das águas para o nível freático das lagoas), a
poluição dos aquíferos, a redução da estabilidade dos solos próximo das
habitações (não existem camadas rochosas que os sustentem), o ruído, a
restrição ou corte de acessos às terras agrícolas e florestais, a
destruição de ecossistemas importantes, como é o caso do montado de
sobro que dá suporte a uma avifauna diversificada, como de outras
espécies protegidas, etc..
Concluindo, devido à enorme expansão da área das explorações de
areias, já concessionadas e em processo de concessão, são esperados
efeitos de grande magnitude, maioritariamente irreversíveis, ao nível da
qualidade ambiental, paisagística e funcional, particularmente no uso e
ocupação do solo, qualidade visual, contaminação do aquífero, ruído,
degradação da qualidade do ar e da qualidade de vida das populações que
residem nas proximidades. As populações estão indignadas e reuniram-se
no dia 17 de fevereiro para uma tomada de posição. Foi assim criada uma
Associação de Defesa do Território de Azinheira, Chainça e Quintas com o
objetivo de lutar pela preservação da sua qualidade de vida e do seu
território”.