quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 1949: O PREÇO QUE A VOZ DO OPERÁRIO PAGOU


A Voz do Operário foi um ponto central da campanha eleitoral de Norton de Matos. E as represálias não se fizeram esperar. O ano era 1949. E esta coletividade sofreu então a mais séria ameaça à sua existência, sob a ditadura de Salazar.

Presos políticos

A Voz do Operário sobreviveu a 48 anos de ditadura. Mas não escapou ilesa. Sofreu rudes golpes nesse percurso. Sobretudo a partir de 1933, quando a inicial ditadura militar se transformou numa ditadura de tipo fascista.

Desde logo, este jornal passou a ser alvo de uma censura mais severa. E viu-se expressamente proibido de exercer o seu papel primordial. Aquele que tinha sido o motivo da sua criação, em 1879: ser o porta-voz do sindicato dos operários da indústria tabaqueira de Lisboa.

O conteúdo do ensino nas escolas d’A Voz do Operário também foi mutilado, sob ameaça de serem encerradas. Como, aliás, aconteceu a duas delas que funcionavam em sindicatos. Em Lisboa e em Almada.

Por outro lado, há que não esquecer os dirigentes d’A Voz do Operário que foram presos políticos. Entre eles, três presidentes em funções.

Em 1947, a PIDE prendeu o então presidente da direção, Raul Esteves dos Santos.

Em 1937, prendeu o presidente do conselho fiscal, João Coelho.

E já antes, em 1927, ainda a PIDE não existia, foi a sua antecessora “Polícia de Informações” que entrou pela sede d’A Voz do Operário adentro. Interrompeu uma reunião e prendeu o presidente da direção, José Gregório de Almeida.

Mas a repressão teve outros contornos.

Represálias económicas

Aquando das pseudo-eleições presidenciais que a ditadura encenou em 1949, ao candidato da oposição democrática, Norton de Matos, não foi permitido um único comício de rua e ao ar livre, na cidade de Lisboa. Pelo que foi no salão d’A Voz do Operário que conseguiu realizar as suas maiores iniciativas na capital.

Ali se realizaram um total de seis “sessões”, entre 10 de Janeiro e 10 de Fevereiro de 1949. Havia que aproveitar aquelas semanas em que a censura abrandava.

Uma das “sessões” foi promovida pela “comissão feminina de apoio” a Norton de Matos. E era especialmente dirigida a mulheres.

Uma das oradoras foi Irene Russel. Ex-presa política, era mulher e irmã de dois antigos prisioneiros no campo de concentração do Tarrafal. Mas o seu discurso foi interrompido pela polícia, a qual “notificou que não podiam fazer-se alusões a maus tratamentos aos presos políticos nem a factos passados no Tarrafal”.

Isabel Aboim Inglês, também ela ex-presa política, era uma dirigente da campanha que estava ausente de Lisboa, nesse dia. Mas enviou uma mensagem, que foi lida n’A Voz do Operário.

Além da censura e da polícia política, ela apontou uma outra forma de repressão: as “represálias de carácter económico”. Com as quais se sentiam ameaçados os democratas, “vendo que tantos são privados dos seus empregos pelo simples facto de discordarem da doutrina do Estado Novo”.

Seria o caso da própria Isabel Aboim Inglês: professora que, proibida de exercer o seu ofício, se viu forçada a sobreviver como costureira.

“Instituto de Assistência à Família”

Em 1948, A Voz do Operário estava com problemas económicos. Iria terminar o ano com um défice acima dos 6% e um saldo negativo na ordem dos 200 mil escudos. Era muito dinheiro, à época.

A sua principal fonte de receita eram as quotas pagas pelos sócios (57% do total). Mas o problema é que o número de sócios estava a diminuir de uma forma acentuada, desde o início da década de 1930. Uma quebra de 40%!

Entre outros factores, pesou o impacto da grande crise económica de 1929 na vida da população mais pobre. Somaram-se depois mais contextos de crise com a 2ª Guerra Mundial e o pós-guerra.

Perante este cenário, no início de 1948, A Voz do Operário solicitou um apoio financeiro ao Estado. Evocou os altos serviços que prestava nas áreas da instrução e da assistência social.

E conseguiu obter um subsídio mensal de 5 mil escudos, por via de um organismo que tinha o nome de “Instituto de Assistência à Família”.

Não resolveu o problema, mas foi um alívio.

O preço

A última sessão de apoio a Norton de Matos n’A Voz do Operário realizou-se em Fevereiro de 1949. E as represálias não tardaram. No mês seguinte, o Instituto de Assistência à Família cortou o subsídio.

Além disso, ficou bloqueada a aprovação do orçamento d’A Voz do Operário para aquele ano. Situação que se iria arrastar por meses. No quadro legal da época, colocava esta coletividade numa situação de incumprimento. E, portanto, sujeita a mais penalizações.

Em oficío confidencial, o diretor-geral da Assistência informou o governador-civil de Lisboa de que não parecia “lógico que o Instituto de Assistência à Família continuasse a subsidiar as instituições que cederam as suas salas para nelas se realizarem sessões de propaganda contrárias à finalidade que o referido instituto se propõe” [sic!].

E sugeriu que, se A Voz do Operário se tinha “desviado dos seus fins estatutários, um problema se põe: pode a direção continuar no exercício das suas funções ou deverá ser afastada definitivamente?”.

Isto do “desvio” estatutário era o argumento usual para encerrar associações…

O desfecho fica para um próximo artigo!

Artigo originalmente publicado na A Voz do Operário a 4 de Dezembro de 2025

o - Investigador

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

AS CORPORAÇÕES DA INDÚSTRIA AGROQUÍMICA CONTRA ATACAM!

 

ALERTA!


A união de empresas multinacionais de agroquímicos, apoiada pelo Estado, está contra-atacando.  anular a vitória histórica "Justiça para os Vivos", conquistada após quatro anos de luta liderada por Pollinis e seus aliados, em nome de todos os cidadãos:


Uma vitória que obriga o Estado a testar (desta vez a sério!) e a retirar sem demora os pesticidas mais perigosos  para proteger a natureza, os polinizadores e a nossa saúde – mas que os nossos líderes se recusam a implementar!


Por favor, divulgue esta mensagem o máximo possível entre seus conhecidos. Precisamos da sua ajuda e da ajuda de todos os cidadãos que puderem se unir a nós na resistência a este novo ataque: juntos, vamos alcançar uma vitória definitiva para o futuro da Vida e das gerações futuras.

Senhora, Senhor,


Em 3 de setembro de 2025, a POLLINIS e seus aliados no julgamento "Justiça para a Vida" obtiveram uma decisão judicial histórica contra o Estado e o lobby francês dos pesticidas (1):


O reconhecimento oficial de que a contaminação generalizada do nosso ambiente por pesticidas é a principal causa do colapso dos insetos polinizadores e de toda a biodiversidade que depende deles (2).


E que o sistema de avaliação implementado para proteger os cidadãos, o seu ambiente e a sua saúde não está a funcionar:


>> Os testes destinados a verificar se os pesticidas não são perigosos não nos permitem compreender a sua real toxicidade para as abelhas e insetos em geral, nem para as aves ou pequenos mamíferos – nem mesmo para a saúde humana!


Nossas instituições, portanto, permitiram a passagem de uma série de pesticidas tóxicos, cujos resíduos se acumulam no meio ambiente, gerando o nível impressionante e completamente ilegal de poluição em que vivemos hoje – absolutamente todo o nosso ambiente está saturado de pesticidas, do solo aos rios, até a névoa nas nuvens (3)...


Foi com base nessa observação, documentada durante anos e sobre a qual todas as agências públicas procuraram alertar em numerosas ocasiões – o CNRS, a EFSA, o INSERM, o INRAe (4) – que a nossa coligação “Justiça para a Vida” conseguiu obter uma decisão judicial excecional:


>> O Estado É OBRIGADO a reavaliar todos os pesticidas cujos efeitos sobre a biodiversidade foram mal testados – potencialmente quase 3000 pesticidas atualmente em livre circulação nos nossos territórios (5);


É imprescindível proibir todos os produtos que matam abelhas e os pesticidas mais tóxicos para a natureza e para a nossa saúde, visto que testes recomendados por cientistas e agências de saúde comprovam a sua real toxicidade.


Essa decisão representa uma enorme onda de esperança e um ponto de virada rumo a uma mudança completa do sistema…


… um avanço que também possui um alcance excepcional devido à sua natureza “executória” : ou seja, deve ser aplicado imediatamente, sem espera, mesmo que o Estado decida contra-atacar perante o Conselho de Estado.


No entanto, apesar de inúmeros lembretes , reuniões oficiais, compromissos em Matignon e notificações formais, o Estado continua se recusando a executar sua sentença!


Isso é simplesmente inaceitável.


Diante da armada de lobistas e assessores que o Estado e as empresas agroquímicas estão mobilizando atualmente, de mãos dadas, para atacar nossa singular vitória cidadã em defesa das abelhas e da biodiversidade perante o Conselho de Estado…


… precisamos que vocês resistam, que os obriguem a respeitar o Estado de Direito e a fazer cumprir imediatamente a decisão judicial.


Com o seu apoio e o de todos os cidadãos envolvidos nesta batalha histórica contra as gigantes agroquímicas apoiadas pelo Estado, a POLLINIS e seus aliados na coalizão Justiça pela Vida estão se mobilizando para:


1 - Reunir imediatamente os melhores advogados, especialistas jurídicos e cientistas para defender as abelhas e a biodiversidade perante o Conselho de Estado e obter uma vitória definitiva sobre os grupos de pressão – pela natureza e pelo mundo que deixaremos para as gerações futuras!


2 - Acionar o juiz de execução o mais rápido possível para obrigar o Estado a agir o quanto antes e a reexaminar as centenas de pesticidas que matam abelhas e que circulam livremente, os quais devem ser urgentemente retirados do mercado;


3 - Replicar esta vitória nos tribunais, sempre que possível, na Europa, para pôr fim a várias décadas de extermínio generalizado de abelhas, zangões, borboletas e toda a biodiversidade floral e animal que delas depende.


Por favor, apoie as ações da POLLINIS para dar a eles os meios necessários para lutar contra os lobistas e alcançar uma vitória definitiva para os polinizadores, a natureza e o mundo que deixaremos para as futuras gerações.

► FAÇO UMA DOAÇÃO

Graças ao seu apoio, a POLLINIS está se preparando para enfrentar uma ofensiva total da indústria agroquímica.


Nos últimos dias, ficamos sabendo em rápida sucessão que:

 

>> Em 23 de outubro,o Estado recorreu ao Conselho de Estado para tentar reverter a decisão do Tribunal Administrativo de Recurso de Paris – sem, contudo, reconhecer publicamente a sua intenção;


>> Em 4 de novembro,o lobby francês Phyteis , que representa os interesses das multinacionais multibilionárias Bayer-Monsanto, Syngenta-ChemChina, BASF e Corteva e que defendeu o Estado francês ao longo de nossa ação judicial,também recorreu ao Conselho de Estado (6);


>> Acabamos de saber que a ANSES, a autoridade sanitária francesa, também está se preparando para intervir em apoio ao Estado, a prova definitiva de queo assunto está sendo levado muito a sério por nossos líderes e que eles estão buscando obter toda a ajuda possível para impedir a vitória de Pollinis e seus aliados.


Um contra-ataque cuidadosamente preparado entre nossos líderes e os lobbies da indústria agroquímica, que, há vários meses, vêm tentando por todos os meios paralisar o sistema de autorização de pesticidas:


Assim que a lei Duplomb foi aprovada, foipromulgado um decreto que dava ao Ministério da Agricultura o direito de impor suas prioridades na agenda da ANSES, para garantir que as demandas financeiras da indústria continuassem a prevalecer sobre a saúde pública e a proteção dos seres vivos…


 atacando diretamente a independência de uma instituição que deveria desempenhar um papel de salvaguarda da saúde e cuja prioridade deveria ser nos proteger…


… enquanto em Bruxelas, ao mesmo tempo, está sendo negociada uma lei impulsionada por lobistas, a “lei omnibus de segurança alimentar”, quedesfaz metodicamente os princípios jurídicos sobre os quais conseguimos vencer nos tribunais (7)!


Claramente, para os nossos decisores políticos,  O Estado de Direito é opcional e eles preferem ignorar uma decisão judicial (8), ou mesmo arriscar uma revolta cidadã como a mobilização contra a lei Duplomb…


… em vez de retirar os pesticidas mais perigosos que continuam a alimentar o poder financeiro da indústria agroquímica e dos seus lobbies (9).


Esse nível de corrupção é profundamente imoral.


Precisamos mobilizar imediatamente nossos advogados, especialistas jurídicos e demais profissionais para sermos capazes de enfrentar as multinacionais que conseguem formar um exército de lobistas, especialistas em comunicação e consultores num piscar de olhos…


…e garantir que este novo confronto contra a Bayer-Monsanto seja o último!


Porque, após esta batalha final perante o Conselho de Estado, não haverá mais recursos legais possíveis para o governo, nem táticas protelatórias, nem estratégias para contornar o processo, nem sabotagem processual por parte da indústria agroquímica.


Uma nova vitória marcaria umponto de virada histórico e irreversível para a proteção das abelhas, dos polinizadores, da biodiversidade e do futuro das gerações vindouras.


Apoie esta ação vital para o nosso futuro coletivo doando para a POLLINIS hoje mesmo: é somente através do compromisso e da generosidade de cidadãos engajados como você que podemos derrotar o Estado e os lobbies com um poder de impacto colossal!

► FAÇO UMA DOAÇÃO

Parece loucura, mas:


>> Tratam-se simplesmente de associações de cidadãos que são obrigadas alembrar aos nossos líderes os princípios básicos do Estado de Direito e a obrigação de cumprir uma decisão judicial;


>> São a POLLINIS e seus aliados que se encontram na linha de frente para documentar as consequências dramáticas das falhas na avaliação de risco de pesticidas que o Estado optou por ignorar durante anos;


>> e são as nossas equipas que devem, repetidamente, obrigar os decisores a encarar o colapso dos ecossistemas e a tirar as conclusões necessárias (10).


Éurgente tomar medidas :


A União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) acabade alertar para a extraordinária velocidade com que os insetos polinizadores estão a desaparecer por toda a Europa (11):


>>Mais de cem novas espécies de abelhas selvagens foram adicionadas à lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção , incluindo 15 espécies de zangões das 70 que habitam a Europa e 14 espécies de abelhas-celofane, essenciais para a polinização de árvores como o bordo-vermelho e o salgueiro;


>> As populações de moscas-das-flores – o terceiro maior grupo de polinizadores – correm o risco de perder 37% de seus números se nada for feito;


>> Mais de 40% das borboletas exclusivas da região europeia, encontradas em nenhum outro lugar do mundo, estão agora ameaçadas de extinção ou à beira dela.


Esta é uma catástrofe que exige a mobilização de todos e uma resposta urgente antes que seja tarde demais.


Com o seu apoio, em seu nome e em nome de um milhão ou mais de cidadãos que lutam ao lado da POLLINIS:


>> Entregamos oficialmente umroteiro técnico e científico ao Primeiro-Ministro para que as autoridades de saúde possam assumir imediatamente a responsabilidade de revogar as autorizações dos300 pesticidas mais perigosos e disseminados na França ;


>> Reuniremos os melhores advogados paraobrigar o Estado a cumprir rigorosamente suas obrigações legais e processá-lo por descumprimento, caso continue se recusando a cumprir as determinações para retirar do mercado todos os pesticidas que matam abelhas e são utilizados em nosso solo;


>> Acompanharemosde perto , com a ajuda de especialistas de renome em abelhas, fauna terrestre e aquática e saúde humana, cada procedimento de revisão de autorizações de comercialização e cada proposta de reforma, para garantir que as respostas do Estado estejam à altura dos desafios.


É para implementar este plano ambicioso e benéfico para as abelhas que a POLLINIS apela urgentemente ao apoio dos cidadãos.


Por favor, apoie nossa luta por todos, hoje e pelas gerações futuras.

► FAÇO UMA DOAÇÃO

Uma coisa é certa:não venceremos sem a sua ajuda!


Ao contrário dos recursos colossais mobilizados pela Bayer-Monsanto e seu grupo de lobby, Phyteis, somos uma associação com recursos limitados e dependemos inteiramente de doações de cidadãos comprometidos como você.


Por isso,você pode nos dar uma ajuda decisiva com o valor que escolher : 10 euros, 40 euros, 100 euros ou até mais, se puder – cada doação conta e permitirá que a POLLINIS lute para defender a lei e os interesses dos cidadãos.


Nesta reta final,a emoção e a esperança são imensas para os milhões de cidadãos que, como você, se recusam a se curvar às empresas agroquímicas e aos seus pesticidas que estão destruindo a biodiversidade.


Unindo forças imediatamente, devemos impedir que nossos líderes atrasem ainda mais a remoção dos predadores de abelhas do nosso meio ambiente…


para desfazer as estratégias perniciosas das empresas agroquímicas multinacionais que usarão todos os seus recursos no confronto para salvar seus pesticidas tóxicos e seu modelo baseado no envenenamento de seres vivos, que está à beira do colapso…


…e lutar com toda a nossa energia e determinação pelaexecução firme e rigorosa da decisão do Tribunal de Apelação.


É por isso que precisamos de você mais do que nunca.


Faça uma doação para ajudar nossa equipe de advogados e especialistas jurídicos a alcançar uma vitória decisiva contra os pesticidas tóxicos.

► CLIQUE AQUI PARA FAZER UMA DOAÇÃO

Agradeço antecipadamente o seu apoio e a sua ação decisiva.


Atenciosamente,


A equipe POLLINIS

  1. Le Monde, O Estado é obrigado a rever seus procedimentos de autorização de pesticidas no caso Justiça para a Vida , 3 de setembro de 2025.
  2. Tribunal Administrativo de Recurso de Paris, O Tribunal reconhece a responsabilidade do Estado pela existência de danos ecológicos resultantes da utilização de produtos fitofarmacêuticos , 3 de setembro de 2025.
  3. Angelica Bianco, Pauline Nibert, Yi Wu, Jean-Luc Baray, Marcello Brigante, Gilles Mailhot, Laurent Deguillaume, Davide Vione, Damien JE Cabanes, Marie Méjean, Pascale Besse-Hoggann, Are Clouds a Neglected Reservoir of Pesticides?, Environmental Science & Technology, 8 de setembro de 2025.
  4. INRAe, Impactos dos produtos fitofarmacêuticos na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos , maio de 2022.
  5. ANSES, Produtos fitossanitários, fertilizantes e substratos de cultivo , relatório de atividades temáticas de 2024.
  6. Le Monde, “Justiça para a vida”: O Estado e os fabricantes de pesticidas apelam ao Conselho de Estado , 20 de novembro de 2025.
  7. Comissão Europeia, Segurança alimentar para consumo humano e animal .
  8. POLLINIS, Justiça para a Vida: O Estado não pretende rever os procedimentos de autorização de pesticidas , 21 de novembro de 2025.
  9. Public Eye, Gigantes do agronegócio lucram bilhões com pesticidas cancerígenos ou prejudiciais às abelhas , 20 de fevereiro de 2020.
  10. Fundação Jean Jaurès, A decisão "Justiça para os Vivos", ou quando a justiça vier compensar a falta de vontade governamental em proteger a biodiversidade, 13 de novembro de 2025.
  11. IUCN, Riscos crescentes ameaçam a sobrevivência dos polinizadores selvagens europeus – Lista Vermelha da IUCN , 14 de outubro de 2025.

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

perguntas - poesia de Afonso Dias



no dia mundial da criança

    deixemos suspirar as nuvens
    qual criança?
    quais crianças?
de que cor? 
de que brilhantes?
de que bairro?
de que choça?
de que palha?
de que berço?
     deixemos suar os olhos
     qual criança?
     quais crianças?
da rocinha?
da buraca?
do restelo?
do restolho?
de israel?
da palestina
pequenina?
     deixemos o pensamento
     atrapalhado
     qual criança?
     quais crianças?
da horta da areia?
da quinta do lago?
do desmaio da fome?
do fato vincado?
da festa de serralves?
do algodão doce?
da desilusão?
sem cor ou doçura?
de catar o lixo
com as ratazanas?
do brinquedo caro
no comércio rico?

se é de áfrica é preta!
(nenúfar no mediterrâneo)
se é cigana é nula!
se é loura é bonita!

e dormes sereno?
e dormes serena?

1.6.2018

Em: Afonso Dias, Poesia - largo do mercado, edição bons ofícios associação cultural, 2018, pp. 155/6

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Algumas teses preliminares sobre o conceito de ecocivilização

 

 

John Bellamy Foster (*)

  

 

Na Revolução Industrial do século XIX, em Inglaterra, Newcastle estava no centro da indústria do carvão. A expressão idiomática “levar carvão para Newcastle” surgiu então para indicar levar algo inutilmente para um local onde já estava presente em abundância. Para um pensador ocidental falar para um público na China sobre civilização ecológica (ou ecocivilização) é como levar carvão para Newcastle, uma vez que é na China onde o conceito está mais desenvolvido. No entanto, defenderei que a noção de ecocivilização está intrinsecamente relacionada com o marxismo. Esta palestra terá, portanto, como objetivo examinar o conceito de ecocivilização numa ampla perspetiva ecológica marxista. Neste sentido, tenho dez teses preliminares sobre a ecocivilização.

 

(1) O conceito de civilização ecológica tem origens marxistas e é inerentemente socialista. Surgiu pela primeira vez como uma perspetiva sistemática no final dos anos 1970 e nos anos 1980, na União Soviética, inspirada por considerações do pensamento ecológico de Karl Marx, e foi imediatamente adotada por pensadores chineses. Praticamente não tem presença até hoje no Ocidente, pois está radicalmente afastado da noção de civilização capitalista, bem como das visões eurocêntricas da modernidade (1).

 

(2) A perspetiva filosófica fundamental da ecocivilização tem raízes profundas nas primeiras noções civilizacionais da modernidade, ou da relação humana ativa com o mundo orgânico-material, tal como descritas pelos pensadores marxistas Joseph Needham e Samir Amin nas suas críticas ao eurocentrismo. Esta perspetiva filosófica orgânico-materialista surgiu no que é conhecido como a Era Axial, particularmente na civilização helenística e no Período dos Estados Combatentes na China, do quinto ao terceiro séculos a.C.. O próprio Marx adotou desde o início uma visão orgânico-materialista, desenvolvendo uma noção dos humanos como seres da natureza automediadores, o que rompeu com o mecanismo ocidental e as conceções eurocêntricas da modernidade, por intermédio do seu encontro com a filosofia materialista epicurista (2). No entanto, muito disto foi soterrado no marxismo posterior e foi completamente extinto na tradição filosófica marxista ocidental. Na China, a continuidade da civilização através do taoísmo (que foi paralelo ao epicurismo), do confucionismo e do neoconfucionismo, significou a perpetuação destas primeiras visões orgânico-materialistas, tornando a China mais recetiva à ecologia e às perspetivas ecológicas de Marx em particular (3).

 

(3) Embora tenha raízes filosóficas antigas, a civilização ecológica, enquanto perspetiva histórica transformadora, é um produto da sociedade pós-revolucionária e do desenvolvimento do socialismo. Reflete a noção dos seres humanos como seres automediadores da natureza, que era parte integrante de toda a visão de Marx sobre o desenvolvimento humano sustentável, incorporada na sua teoria da fratura metabólica. Esta abordagem rejeita qualquer noção de que a ecocivilização seja um produto direto do pré-modernismo ou do pós-modernismo, ou que possa ser explicada, como propuseram alguns teóricos ecológicos chineses, pela sequência da civilização tradicional para a civilização agrícola, para a civilização industrial e para a civilização ecológica (4).

 

(4) O conceito de civilização ecológica socialista na China concretizou estas ideias da forma mais completa. A civilização ecológica socialista deve ser considerada um desenvolvimento dentro do socialismo. É importante realçar que não pode existir qualquer conceito de “civilização ecológica capitalista”, pois o capitalismo é inerentemente estranho e destrutivo à natureza/ecologia. Falar, então, de civilização ecológica socialista é falar simplesmente de socialismo completo, como a afirmação plena do desenvolvimento humano sustentável, incorporando tanto a igualdade substantiva como a sustentabilidade ecológica. Significa a reconciliação da humanidade com a natureza.

 

(5) A civilização ecológica aponta para aquilo que os marxistas chineses apresentaram como a necessidade de “modernização da existência harmoniosa entre a humanidade e a natureza”. Isto é sustentado pelos princípios básicos do socialismo. Por conseguinte, é antitético à chamada modernização ecológica como filosofia de mecanismo e como projeto puramente tecnocrático no Ocidente (5). Ao mesmo tempo, adota algumas das mesmas tecnologias necessárias para uma transformação ecológica, mas utilizadas de acordo com princípios socialistas, exigindo relações sociais diferentes. O que é crucial aqui é a conceção fundamentalmente diferente da modernização dentro do marxismo chinês e do pensamento ecológico (6).

 

(6) O conceito de “comunidade da vida” desenvolvido pela teoria ecológica socialista na China é essencial para definir a civilização ecológica. Esta tem três componentes: (1) comunidade de vida com ecossistemas; (2) “a comunidade da vida da humanidade e da natureza”; e (3) uma síntese dialética, constituindo “a comunidade de toda a vida na Terra” e um “futuro partilhado” (7). Como escreveu o grande conservacionista norte-americano do início do século XX, Aldo Leopold “Abusamos da Terra porque a consideramos uma mercadoria que nos pertence. Quando vemos a Terra como uma comunidade à qual pertencemos, podemos usá-la com amor e respeito”. Leopold propôs uma ética da Terra que alargou “os limites da comunidade… para incluir os solos, as águas, as plantas, os animais ou coletivamente: a Terra” (8). Marx defendia que ninguém é dono da Terra, nem mesmo todos os países e todas as pessoas do planeta são donos da Terra, mas meramente “seus possuidores, seus beneficiários, que têm de a legar num estado melhorado às gerações seguintes como boni patres familias [bons chefes de família]” (9).

 

(7) A noção de sustentabilidade ecológica incorporada no conceito de comunidade da vida é exemplificada no “Pensamento de Xi Jinping sobre a Civilização Ecológica”. Xi afirmou que se tivermos de escolher entre “montanhas douradas” e “montanhas verdes”, precisamos de escolher montanhas verdes, reconhecendo que “águas límpidas e montanhas verdejantes são ativos inestimáveis”. Adotando uma abordagem materialista marxista da ecologia, Xi defendeu que a ecologia é “a forma mais inclusiva de bem-estar público”. Fazendo eco de Friedrich Engels sobre a “vingança” da natureza, Xi indicou que “qualquer dano que infligirmos à natureza acabará por voltar para nos assombrar”. A questão da natureza, além disso, insiste ele, vai para além da mera sustentabilidade material, abraçando também a estética, como no seu conceito de “Bela China” (10). Desta forma, a noção de civilização ecológica, como comunidade da vida, é ampliada e recebe um significado social mais amplo para o trabalhador coletivo, por meio da renovação da linha de massas.

 

(8) Marx defendia que o roubo da natureza pelo capitalismo, resultando na rutura metabólica, significava o enfraquecimento da base natural ou ecológica eterna da civilização. Isto significa que a relação metabólica precisava de ser restaurada, o que só é possível no socialismo (11). Com o mundo mergulhado numa crise ecológica planetária, tal restauração é a primeira prioridade (para lá da ameaça nuclear) na determinação do futuro da humanidade. Nos países ricos, caraterizados pelo excesso, isto levanta a questão do decrescimento. Para a humanidade como um todo, isto levanta a questão do desenvolvimento humano sustentável e, em última análise, da civilização ecológica sob o socialismo completo.

 

(9) O conceito de decrescimento estava ausente do socialismo do século XIX, embora Marx tivesse uma visão do desenvolvimento humano sustentável. O decrescimento como processo de desacumulação atinge todo o seu significado numa perspetiva marxista, a partir do sistema irracional do capitalismo monopolista/imperialismo e das suas crises de sobreacumulação. Qualquer movimento decisivo em direção à ecologia nos principais países capitalistas no centro do sistema mundial requer, portanto, um afastamento das estruturas do capitalismo monopolista/imperialismo (12). Os países capitalistas dominantes, que são também os principais países capitalistas monopolistas e imperialistas, são caracterizados ecologicamente pelo excesso ambiental, tendo pegadas ecológicas para além — por vezes até três ou quatro vezes para além — do que a Terra pode suportar se generalizadas para a humanidade como um todo. Estas enormes pegadas ecológicas refletem o imperialismo económico e ecológico. Portanto, do ponto de vista da humanidade global, estas nações devem reduzir drástica e desproporcionalmente a sua utilização de energia per capita, a utilização de recursos e as emissões de carbono, juntamente com a sua expropriação líquida de riqueza do resto do mundo. Uma vez que o capitalismo monopolista promove um vasto desperdício económico como meio de acumulação/financeirização, gerando pobreza artificial, e exibe níveis astronómicos de desigualdade, com um punhado de indivíduos a deter mais riqueza do que metade da população, uma estratégia de decrescimento planeada é consistente com condições económicas e sociais dramaticamente melhoradas para a maioria da classe trabalhadora (13).

 

(10) Em todos os países do mundo, a crise ecológica planetária exige uma revolução ecológica, abrangendo tanto as forças produtivas como as relações sociais. Em todos os casos, isto significa o desenvolvimento do proletariado ambiental em conflito com o capitalismo monopolista generalizado e o imperialismo. Na China e em alguns outros países pós-revolucionários, tal pode ser efetuado por uma linha de massas ecorevolucionária e pela construção de uma sociedade sustentável enraizada em estruturas comunitárias e coletivas já existentes. Para a maioria dos países do Sul global, o desenvolvimento humano sustentável requer uma desvinculação do sistema imperial de valor e uma ação revolucionária por parte de um proletariado ambientalista que vise a sobrevivência humana e a criação planeada de uma sociedade de desenvolvimento humano sustentável. No próprio Norte global, a revolução ecológica exige a destruição do imperialismo e a reunificação da humanidade no seu todo numa base igualitária num processo de solidariedade mundial. As pegadas ecológicas precisam de ser equalizadas em todo o mundo. O trabalho nos países ricos não pode ser ecológico quando nos países pobres (e no planeta como um todo) as bases da existência ecológica estão minadas.

 

 

 

 

 

 

(*) John Bellamy Foster (n. 1953) é professor de Sociologia na Universidade de Oregon (E.U.A.) e o atual diretor da indispensável revista marxista norte-americana Monthly Review. Discípulo de Paul Sweezy e continuador da escola de pensamento crítico por este fundada (com Paul Baran e Harry Magdoff), tem publicado numerosos livros sobre a crise ecológica e sua interseção com a economia política do capitalismo, bem como sobre história do pensamento, desenvolvimentos científicos, atualidade política e muitos outros temas. Merecem destaque: The Vulnerable Planet: A Short Economic History of the Environment (1994); Marx’s Ecology: Materialism and Nature (2000); Ecology Against Capitalism (2002); Naked Imperialism: The U.S. Pursuit of Global Dominance (2006); The Great Financial Crisis: Causes and Consequences, com Fred Magdoff (2009); The Ecological Revolution: Making Peace with the Planet (2009); The Ecological Rift: Capitalism's War on the Earth, com Brett Clark e Richard York (2010); What Every Environmentalist Needs To Know about Capitalism: A Citizen's Guide to Capitalism and the Environment, com Fred Magdoff (2011); The Endless Crisis, com R. W. McChesney (2012); The Theory of Monopoly Capitalism (2014); Marx and the Earth, com Paul Burkett (2016); Trump in the White House: Tragedy and Farce (2017); The Robbery of Nature: Capitalism and the Ecological Rift (2020), com Brett Clark; The Return of Nature: Socialism and Ecology (2020); Capitalism in the Anthropocene: Ecological Ruin or Ecological Revolution, com Hannah Holleman (2022) e The Dialectics of Ecology: Socialism and Nature (2024). O presente artigo foi publicado originalmente no N.º 6 do Volume 76 (novembro de 2024) da revista Monthly Review. O presente texto resulta de uma palestra proferida (via rede) no Simpósio Internacional sobre “O Progresso Ecocivilizacional da China num Mundo em Mudança”, Universidade de Pequim, 20 de outubro de 2024, tendo sido publicado no Volume 76, N.º 8 (janeiro de 2025) da revista Monthly Review. Todos os direitos reservados. A tradução é da responsabilidade de Ângelo Novo.

 

 

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NOTAS:

 

(1) Leia-se a discussão desta história em John Bellamy Foster, The Dialectics of Ecology (New York: Monthly Review Press, 2023), pp. 161–66.

 

(2) Karl Marx, Early Writings (London: Penguin, 1974), p. 356; István Mészáros, Marx’s Theory of Alienation (London: Merlin Press, 1975), pp. 162–65; John Bellamy Foster, Breaking the Bonds of Fate: Epicurus and Marx (New York: Monthly Review Press, a publicar, 2025).

 

(3) Joseph Needham, Within the Four Seas: The Dialogue of East and West (Toronto: University of Toronto Press, 1969), pp. 27, 66–68, 93–97, 212; Samir Amin, Eurocentrism (New York: Monthly Review Press, 2009), pp. 13, 22, 108–11, 212–13; Foster, The Dialectics of Ecology, pp. 171–74.

 

(4) Leia-se Chen Yiwen, “Marxist Ecology in China: From Marxist Ecology to Socialist Eco-Civilization Theory”, Monthly Review vol. 76, n.º 5 (October 2024): pp. 32–46 (um tradução em língua portuguesa deste artigo está publicado neste mesmo número de O Comuneiro); Zhihe Wang, Huili He e Meijun Fan, “The Ecological Civilization Debate in China: The Role of Ecological Marxism and Constructive Postmodernism—Beyond the Predicament of Legislation”, Monthly Review vol. 66, n.º 6 (November 2014): pp. 37–59.

 

(5) Chen Yiwen, “Marxist Ecology in China,” 41–42; John Bellamy Foster, Brett Clark e Richard York, The Ecological Rift (New York: Monthly Review Press, 2010), pp. 41–43, 253–58.

 

(6) Chen Xueming, The Ecological Crisis and the Logic of Capital (Boston: Brill, 2017), pp. 467–72, 566–70.

 

(7) Chen Yiwen, “Marxist Ecology in China”, pp. 41–43; Foster, The Dialectics of Ecology, p. 13.

 

(8) Aldo Leopold, The Sand County Almanac (New York: Oxford University Press, 1949), p. viii; John Bellamy Foster, Ecology Against Capitalism (New York: Monthly Review Press, 2002), pp. 86–87.

 

(9) Karl Marx, Capital, vol. 3 (London: Penguin, 1981), p. 911.

 

(10) Chen Yiwen, “Marxist Ecology in China”, pp. 42–43; Xi Jinping, The Governance of China (Beijing: Foreign Languages Press, 2020), pp. 3, 6, 20, 25, 54, 417–24.

 

(11) Karl Marx, Capital, vol. 1 (London: Penguin, 1976), pp. 637–78; John Bellamy Foster e Brett Clark, The Robbery of Nature (New York: Monthly Review Press, 2000), pp. 12–13.

 

(12) Paul Burkett, “Marx’s Vision of Sustainable Human Development”, Monthly Review vol. 57, n.º 5 (October 2005): pp. 34–62; Brian M. Napoletano, “Was Karl Marx a Degrowth Communist?”, Monthly Review vol. 76, n.º 2 (June 2024): pp. 9–36.

 

(13) John Bellamy Foster, “Planned Degrowth: Ecosocialism and Sustainable Human Development”, Monthly Review vol. 75, n.º 3 (July–August 2023): pp. 1–29.

 


Em: Revista "O Comuneiro" N.º 41 - Setembro de 2025:


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