A Voz do Operário foi um ponto central da campanha eleitoral de Norton de Matos. E as represálias não se fizeram esperar. O ano era 1949. E esta coletividade sofreu então a mais séria ameaça à sua existência, sob a ditadura de Salazar.

Presos políticos
A Voz do Operário sobreviveu a 48 anos de ditadura. Mas não escapou ilesa. Sofreu rudes golpes nesse percurso. Sobretudo a partir de 1933, quando a inicial ditadura militar se transformou numa ditadura de tipo fascista.
Desde logo, este jornal passou a ser alvo de uma censura mais severa. E viu-se expressamente proibido de exercer o seu papel primordial. Aquele que tinha sido o motivo da sua criação, em 1879: ser o porta-voz do sindicato dos operários da indústria tabaqueira de Lisboa.
O conteúdo do ensino nas escolas d’A Voz do Operário também foi mutilado, sob ameaça de serem encerradas. Como, aliás, aconteceu a duas delas que funcionavam em sindicatos. Em Lisboa e em Almada.
Por outro lado, há que não esquecer os dirigentes d’A Voz do Operário que foram presos políticos. Entre eles, três presidentes em funções.
Em 1947, a PIDE prendeu o então presidente da direção, Raul Esteves dos Santos.
Em 1937, prendeu o presidente do conselho fiscal, João Coelho.
E já antes, em 1927, ainda a PIDE não existia, foi a sua antecessora “Polícia de Informações” que entrou pela sede d’A Voz do Operário adentro. Interrompeu uma reunião e prendeu o presidente da direção, José Gregório de Almeida.
Mas a repressão teve outros contornos.
Represálias económicas
Aquando das pseudo-eleições presidenciais que a ditadura encenou em 1949, ao candidato da oposição democrática, Norton de Matos, não foi permitido um único comício de rua e ao ar livre, na cidade de Lisboa. Pelo que foi no salão d’A Voz do Operário que conseguiu realizar as suas maiores iniciativas na capital.
Ali se realizaram um total de seis “sessões”, entre 10 de Janeiro e 10 de Fevereiro de 1949. Havia que aproveitar aquelas semanas em que a censura abrandava.
Uma das “sessões” foi promovida pela “comissão feminina de apoio” a Norton de Matos. E era especialmente dirigida a mulheres.
Uma das oradoras foi Irene Russel. Ex-presa política, era mulher e irmã de dois antigos prisioneiros no campo de concentração do Tarrafal. Mas o seu discurso foi interrompido pela polícia, a qual “notificou que não podiam fazer-se alusões a maus tratamentos aos presos políticos nem a factos passados no Tarrafal”.
Isabel Aboim Inglês, também ela ex-presa política, era uma dirigente da campanha que estava ausente de Lisboa, nesse dia. Mas enviou uma mensagem, que foi lida n’A Voz do Operário.
Além da censura e da polícia política, ela apontou uma outra forma de repressão: as “represálias de carácter económico”. Com as quais se sentiam ameaçados os democratas, “vendo que tantos são privados dos seus empregos pelo simples facto de discordarem da doutrina do Estado Novo”.
Seria o caso da própria Isabel Aboim Inglês: professora que, proibida de exercer o seu ofício, se viu forçada a sobreviver como costureira.
“Instituto de Assistência à Família”
Em 1948, A Voz do Operário estava com problemas económicos. Iria terminar o ano com um défice acima dos 6% e um saldo negativo na ordem dos 200 mil escudos. Era muito dinheiro, à época.
A sua principal fonte de receita eram as quotas pagas pelos sócios (57% do total). Mas o problema é que o número de sócios estava a diminuir de uma forma acentuada, desde o início da década de 1930. Uma quebra de 40%!
Entre outros factores, pesou o impacto da grande crise económica de 1929 na vida da população mais pobre. Somaram-se depois mais contextos de crise com a 2ª Guerra Mundial e o pós-guerra.
Perante este cenário, no início de 1948, A Voz do Operário solicitou um apoio financeiro ao Estado. Evocou os altos serviços que prestava nas áreas da instrução e da assistência social.
E conseguiu obter um subsídio mensal de 5 mil escudos, por via de um organismo que tinha o nome de “Instituto de Assistência à Família”.
Não resolveu o problema, mas foi um alívio.
O preço
A última sessão de apoio a Norton de Matos n’A Voz do Operário realizou-se em Fevereiro de 1949. E as represálias não tardaram. No mês seguinte, o Instituto de Assistência à Família cortou o subsídio.
Além disso, ficou bloqueada a aprovação do orçamento d’A Voz do Operário para aquele ano. Situação que se iria arrastar por meses. No quadro legal da época, colocava esta coletividade numa situação de incumprimento. E, portanto, sujeita a mais penalizações.
Em oficío confidencial, o diretor-geral da Assistência informou o governador-civil de Lisboa de que não parecia “lógico que o Instituto de Assistência à Família continuasse a subsidiar as instituições que cederam as suas salas para nelas se realizarem sessões de propaganda contrárias à finalidade que o referido instituto se propõe” [sic!].
E sugeriu que, se A Voz do Operário se tinha “desviado dos seus fins estatutários, um problema se põe: pode a direção continuar no exercício das suas funções ou deverá ser afastada definitivamente?”.
Isto do “desvio” estatutário era o argumento usual para encerrar associações…
O desfecho fica para um próximo artigo!
Artigo originalmente publicado na A Voz do Operário a 4 de Dezembro de 2025
Luís Carvalho - Investigador