terça-feira, 29 de agosto de 2023

Movimentos cívicos e ecologistas denunciam a continuidade da poluição do rio Maior, afluente do rio Tejo, pela agroindústria requerendo a ação da Agência Portuguesa do Ambiente e da IGAMAOT


 

 

 NOTA DE IMPRENSA

“Movimentos cívicos e ecologistas denunciam a continuidade da poluição do rio Maior, afluente do rio Tejo, pela agroindústria requerendo a ação da Agência Portuguesa do Ambiente e da IGAMAOT”

29 de agosto de 2023

O Movimento Cívico Ar Puro, a EcoCartaxo – Movimento Alternativo e Ecologista e o Movimento Ecologista do Vale de Santarém, organizações que integram o proTEJO – Movimento pelo Tejo, vêm denunciar novas ocorrências de poluição do rio Maior coincidentes com o início da campanha do tomate, facto que acontece todos anos desde, nada mais nada menos, 1965, e já diversas vezes denunciado - ver vídeo.

As organizações supracitadas alertam que na freguesia de S. João da Ribeira, no concelho de Rio Maior, desde que se iniciou a campanha do tomate, se verificam descargas de águas residuais para o leito do rio Maior, eventualmente, sem o tratamento adequado, conforme se depreende do cheiro nauseabundo e da cor vermelha e pastosa, bem visível nos registos realizados nos passados dias de agosto de 2023 em vídeo (08/08/2023) e em fotografia (14/08/2023)”.


Foto: Ar Puro – Movimento Cívico Ar Puro / rio Maior


Considerando-se que o rio Maior quase não tem caudal neste período de seca extrema, estas descargas têm um severo impacto na qualidade da água que corre pelo seu leito sendo que “as licenças de descarga de águas residuais emitidas pela APA-ARH Tejo e Oeste” deveriam impor limitações para que as descargas de efluentes apenas pudessem ser efetuadas após um adequado tratamento que evite uma maior degradação da qualidade das massas de água do rio Maior.

Esta situação ocorre todos os anos, fazendo com que o rio Maior a partir desta freguesia, se transforme num rio morto avermelhado, num esgoto a céu aberto, por mais que “os controlos analíticos dos parâmetros de qualidade, entregues, não provem a existência de não conformidades com os requisitos estipulados por licença”, à imagem da informação que foi remetida pelo IGAMAOT, em 31 de Março de 2016, e que passamos a transcrever: “... no dia 10 de setembro de 2015, a mesma entidade efetuou uma ação de fiscalização à empresa, não tendo sido verificada qualquer situação relacionada com a denúncia.”.

Estes movimentos cívicos consideram que “a realidade objetiva facilmente observável e recorrente por esta altura do ano demonstra que, os acima transcritos controlos analíticos, assim como as ações de fiscalização, não são confiáveis, nem merecedores de credibilidade”, quer por parte dos responsáveis pelas ocorrências quer por parte das instituições a quem compete a vigilância, o oportuno sancionamento e o impedimento da continuidade destes crimes.


Foto: Ar Puro – Movimento Cívico Ar Puro / rio Maior


Denunciam ainda “os graves danos ecológicos e sociais, associados à laboração contínua, que espalha gases e produz um forte ruído, provocam distúrbios do sono e graves transtornos de saúde aos residentes, sendo indiciadores de incumprimento da legislação em vigor para este sector de atividade.”

Face à continuidade da poluição do rio Maior pela agroindústria, proTEJO – Movimento pelo Tejo, o Movimento Cívico Ar Puro, a EcoCartaxo – Movimento Alternativo e Ecologista e o Movimento Ecologista do Vale de Santarém, vêm requerer o seguinte:

a) Que a Agência Portuguesa do Ambiente e a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) levem a cabo as ações necessárias ao impedimento destas descargas de poluição no rio Maior, bem como à efetiva responsabilização dos agentes poluidores.

b) Que a Agência Portuguesa do Ambiente implemente medidas que permitam que as massas de água do rio Maior alcancem um bom estado ecológico, nomeadamente, que sejam integradas no Programas de Medidas do 3º Plano de Gestão de Região Hidrográfica para 2022/2027, em cumprimento da Diretiva Quadro da Água e das Diretivas Europeias que regulamentam o tratamento das águas residuais e a qualidade da água para os diversos usos, incluindo, os fins aquícolas e piscícolas;

c) Que seja reativada a “Comissão de Acompanhamento sobre a Poluição do rio Tejo”, desativada em 2018, com o objetivo de delinear um “Plano de melhoria da qualidade da água dos afluentes do Tejo”, congregando um trabalho conjunto entre a Agência Portuguesa do Ambiente, a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), os municípios afetados, bem como as organizações não governamentais de ambiente, as organizações representativas da atividade piscatória e as instituições de investigação científica.

Bacia do Tejo, 29 de agosto de 2023

Os Porta-Vozes do proTEJO,

Ana Silva e Paulo Constantino

domingo, 27 de agosto de 2023

PROTESTO PELA FLORESTA DO FUTURO - 3 DE SETEMBRO, 2023

Cidades e vilas em protesto a 3 de Setembro contra eucaliptos e celuloses nos incêndios e na desertificação.

Na tarde do próximo domingo, dia 3 de Setembro, cidadãs e cidadãos de várias cidades do país convocam um protesto contra os incêndios florestais em Portugal, incidindo no impacto da monocultura do eucalipto e a indústria da celulose em Portugal, que estão a acelerar os efeitos das alterações climáticas, favorecendo o fogo e a seca. Os protestos ocorrerão em Lisboa, Porto, Coimbra, Odemira, Vila Nova de Poiares, e Sertã.

No manifesto convocatório do protesto, assinado por mais de 40 pessoas de todo o país, são apontados os ciclos cada vez mais curtos de incêndios catastróficos no país e a responsabilidade da indústria das celuloses – em particular as empresas The Navigator Company e Altri Florestal – e dos sucessivos governos neste facto. Ao longo de décadas, as decisões tomadas pela indústria e pelos governantes tornaram Portugal o país com a maior área de eucaliptal relativa de todo o mundo. O resultado foi a transformação do nosso num território abandonado, onde predomina uma espécie invasora e altamente combustível, o eucalipto. Outras espécies também se expandiram neste contexto, favorecendo ainda mais os incêndios e a desertificação, como as acácias e as háckeas.

Acabamos de viver os meses de Junho e Julho mais quentes algumas vez registados em milhares de anos. Nesse contexto, em dezenas de países incêndios brutais têm destruído territórios e comunidades, matado centenas de pessoas e levado a deslocações forçadas de cidades inteiras. Em Portugal, esse cenário não está a acontecer por um factor principal: o clima deste verão está a ser relativamente ameno em relação ao resto da Europa e do Mediterrâneo. Este facto não é controlável, é aleatório. Quando as temperaturas sobem, o nosso país arde. E arde mais do que todos os países que lhe são comparáveis – Espanha, Itália, Grécia, Marrocos.

Ficar à espera de um clima clemente no meio da crise climática é simplesmente irracional e é por isso que esta mobilização coloca em cima da mesa medidas concretas e efetivas que travem o processo de desertificação, despovoamento e perda de biodiversidade acelerados provocados pelas monoculturas, em particular o eucaliptal. É urgente o cadastro florestal total do território nacional. O território abandonado – que pode chegar aos 20% de toda a área do país – deve ser assumido pelo Estado, como acontece com qualquer bem ou área abandonada. É necessário deseucaliptizar o país, retirar eucaliptos dos quase 700 mil hectares de área de eucaliptal abandonado e sem gestão e transformar essas áreas em floresta e bosque resiliente que aguente o futuro mais quente e mais seco que a crise climática está a produzir. Para isso, é urgente criar novas estruturas governativas muito além dos organismos que permitiram que chegássemos à atual situação.

O protesto em Lisboa “partirá do Largo da Estefânia às 19h, passando pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) terminando na sede da The Navigator Company, na Avenida Fontes Pereira de Melo”, segundo das porta-vozes Beatriz Xavier e Mónica Casqueira. Em Odemira, local de recentes incêndios nas áreas de eucaliptais da The Navigator Company, o protesto decorrerá com uma marcha desde o bar “O Cais” até à Câmara Municipal. No Porto será frente à feira do Livro no Palácio de Cristal e em Coimbra frente à sede do ICNF na Mata Nacional do Choupal (Casa Azul).

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

SOS ECOCÍDIO VAMOS SALVAR OS SOBREIROS!


O Movimento Ar Puro junta-se ao Movimento SOS ECOCÍDIO VAMOS SALVAR OS SOBREIROS. Porque só conjugando forças e vontades é possível parar esta senda destruidora, que está a levar a humanidade para a catástrofe.

"SOS Ecocídio VAMOS SALVAR OS SOBREIROS!

Manifestação 26 de Agosto, 2023 - 12h - Lisboa!

O grupo de cidadãs e cidadãos independentes Vamos Salvar os Sobreiros vai realizar uma grande Manifestação para mostrar aos nossos governantes e à EDP que as leis são para serem cumpridas

Em causa está o salvamento de um bosque de montado de sobreiros,  adultos, saudáveis, a extrair cortiça

Estas árvores são espécies protegidas por lei e não podem ser abatidas, de acordo com a legislação vigente em Portugal

No local está prevista a instalação de um parque eólico da EDP com o abate de mais de 1800 sobreiros, espécie protegida por lei.

Dia 26 de Agosto às 12h, todos os caminhos vão dar a Lisboa, para a Marcha "VAMOS SALVAR OS SOBREIROS."

Saímos às 12h do alto do Parque Eduardo VII até ao Ministério do Ambiente em Lisboa e terminamos no Jardim do Príncipe Real

Vamos caminhar, cantar, celebrar e levantar a voz e anunciar as novas acções de protesto

O objectivo desta marcha é exigir aos governantes:

A revogação do despacho n.º 7879/2023 1 de Agosto 2023, que autoriza a EDP a abater mais 1800 sobreiros, para a construção de um Parque Eólico em Morgavel, Sines

Contamos contigo para esta Manifestação em Lisboa! 

Agradecemos que envies este cartaz e esta mensagem aos 4 ventos e para todos os teus contactos 

🌬🌳💗🌳

Obrigada!"

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

As Célebres Greves da linha de Vila Franca, Maio de 1944 -- Lino Santos Coelho

A GREVE DE 8 DE MAIO DE 1944

(...). Empregara-me entretanto na Fábrica de Chitas de Sacavém ("Têxtil do Sul"). (...) Deram-se por esta altura as célebres greves da linha de Vila Franca, de Maio de 1944.

O 8 de Maio de 1944 é uma data memorável, por ter sido uma das maiores greves até então feitas no nosso país. Foi uma grandiosa manifestação de repúdio ao regime fascista, à miséria e à exploração capitalista. Milhares e milhares de trabalhadores paralisaram e incorporaram-se numa manifestação, de Vila Franca até à fábrica da Covina. O fascismo tremeu e só não tremeu mais porque muitas indústrias nos arredores falharam à última hora.

Nesse dia, - Lino Coelho dirige-se a Alhandra - a fim de incentivar os manifestantes a marcharem em direcção à Covina e acompanhá-los até ali. Com as palavras de ordem "Temos fome abaixo a miséria" e "os ricos que tenham menos para os pobres terem menos fome", foi percorrida a pé a distância de Alhandra à Covina.

À frente da manifestação seguiam muitas mulheres e entre elas, empunhando uma bandeira preta, a mulher do querido camarada Soeiro Pereira Gomes, Manuela Câncio Reis. No trajecto, nas bermas da estrada, muita gente nos saudava, batendo palmas e dando vivas aos trabalhadores, vendo-se algumas limpando os olhos e acenando os lenços.

(...).

Ao chegarmos à Povoa de Santa Iria, onde éramos esperados, juntaram-se mais umas centenas de trabalhadores à manifestação vinda da Fábrica da Soda, dos Moinhos de Santa Iria, da Fábrica Velha e de outras fabriquetas. À saída da Póvoa, começamos a encontrar a GNR em motos e a tentar impedir-nos de seguir, o que não conseguiram. Ao aproximarmo-nos da Covina, deparámos com uma forte resistência da GNR que ali estava concentrada à nossa espera. Conseguiram travar-nos a marcha, pois tinham ali um forte contingente motorizado.

Um tal capitão Ferreira, que comandava a repressão, atirou-se à camarada que levava a bandeira preta, tentando agredi-la, o que não conseguiu por nos termos oposto. A camarada, muito tesa, nunca largou a bandeira, chegando mesmo a cair com os safanões do capitão. Gerou-se grande confusão, havia tiros de espingarda e de metralhadora para o ar e muitos gritos, (...). Houve troca de murros e pedradas dos manifestantes.

Ao fazer barreira para a camarada se pôr em fuga, fui atingido com uma coronhada e imediatamente preso e levado para a Fábrica. (...). Pouco tempo depois, levaram-nos para a Praça de Touros do Campo Pequeno, onde passei cinco dias.

Os curros onde nos meteram cheiravam muito mal. Muitos camaradas não resistindo ao cheiro vomitavam constantemente e uns faziam os outros vomitar. Só no outro dia, já noite, é que nos deram um prato de sopa e um pouco de pão. No terceiro dia, começaram a identificar-nos e a libertar alguns. Nessa madrugada, calhou-me a vez e, depois de identificado, fui mudado para outro local, onde já estavam dez a doze camaradas. No quarto dia, fui enviado para arua António Maria Cardoso, mas só fui interrogado dois dias depois.

O primeiro interrogatório correu razoavelmente. Uns murros, uns estalos, uns pontapés, uns puxões de cabelos e muitas ameaças. As Tradicionais perguntas:

- Quem são os teus camaradas que organizaram a greve? Onde estão? Falas ou matamos-te! Se não morreres aqui, morres no Tarrafal. Sabemos muito bem quem tu és.

Também não se esqueciam das costumadas ofertas:

- Se te portares bem, arranjamos-te emprego, e bom, talvez mesmo para trabalhares connosco. É preciso é que sejas bom para nós porque nós também seremos bons para ti.

E foi neste ranga-ranga que decorreu o primeiro interrogatório. Passados uns dias, voltei à liça. Desta vez, as coisas correram um pouco pior. Houve mais violência e mais duração de interrogatório mas os métodos foram os mesmos ou parecidos.

Quando fazia quinze dias de preso, fui novamente chamado para interrogatórios. Foram mais de três horas de martírio. Tudo me fizeram, bateram-me em todas as partes do corpo. Fizeram-me descalçar e depois pisavam-me, pulando para cima dos pés até estes deitarem sangue. Rojaram-me pelo chão, puxando pelos cabelos. Quando já não podia mexer-me, tiraram-me o casaco, viraram-mo ao contrário e penduraram-me a uma porta. Os pides riam selvaticamente como loucos. Não sei quanto tempo estive pendurado, pois estava meio inanimado. Já não sentia as pancadas, estava totalmente dormente. Quase de madrugada, levaram-me para um quarto e ali estive até ser solto, dezanove dias depois, sem nunca ter assistência. Conservo ainda de memória e muito bem os pides que me torturaram nesta altura. Foram eles o José Golçalves, Oliveira, Sousa, Coelho e Domingos.

No dia em que fui libertado, antes de sair, o Gonçalves disse-me:

- Vais em liberdade mas não te esqueças de te despedir da família quando cá caíres novamente. Nós continuamos a seguir os teus passos. Depois não digas que somos maus!

Em: MEMÓRIAS DE UM REBELDE - TESTEMUNHOS DO TERROR FASCISTA, Lino Santos Coelho, Editora "Em Marcha" SCARL, Lisboa 1981, pp. 161 a 164.

 

domingo, 20 de agosto de 2023

PARAR DE EXTINGUIR ABELHAS E POLINIZADORES



notícias da nossa luta


PARAR DE EXTINGUIR

ABELHAS E POLINIZADORES


PARAR DE EXTINGUIR


Longe das colmeias e habitats moldados pelo homem, ainda existem colónias de abelhas melíferas vivendo em estado selvagem na França e no continente europeu?


Durante milhões de anos, a Apis mellifera , a abelha melífera, sobreviveu às grandes convulsões que abalaram a Terra , desde a glaciação às grandes extinções, graças às suas excelentes capacidades de resistência e adaptação, e às suas estratégias inteligentes de armazenamento do mel.


Domesticadas pelos humanos no tempo dos faraós, grande parte delas, no entanto, permaneceram livres e selvagens , construindo seus ninhos pingando mel no coração das florestas mais profundas e retomando regularmente sua liberdade.


Talvez seja por causa dessa capacidade de escapar do controle humano que as abelhas conseguiram reter os mecanismos evolutivos puramente naturais e incrivelmente robustos que lhes permitiram sobreviver até agora, quando tantas outras espécies caíram no esquecimento.


Mas perante o aparecimento de práticas apícolas industriais, a destruição dos habitats rurais e a contaminação do ambiente por pesticidas que lhes são nocivos, as abelhas produtoras de mel tornam-se cada vez mais vulneráveis...


tanto que os especialistas temem que em breve não haja mais colónias vivendo em estado selvagem na natureza, sem intervenção humana!


No entanto, é fundamental poder contar com o excepcional património genético destas abelhas que vivem em estado selvagem: por terem sido privadas dos cuidados que lhes eram prestados pelos apicultores, a selecção natural pôde desempenhar todo o seu papel, obrigando-as a adaptar-se a um ambiente em mudança e cada vez mais hostil; enquanto as abelhas domesticadas, criadas para atender às necessidades humanas, tornaram-se cada vez mais frágeis e desajustadas.


As poucas populações de abelhas selvagens que foram estudadas até agora provaram claramente ser mais resistentes ao Varroa destructor , por exemplo, do que suas contrapartes de fazendas - cujas rainhas são seleccionadas e às vezes até inseminadas em laboratórios de produção de rainhas.

As abelhas vivem na natureza e são talvez a melhor esperança que temos de manter populações de abelhas resilientes que possam enfrentar os desafios futuros – e levar consigo os serviços essenciais que fornecem para a reprodução.


Para levantar o véu sobre o estado de sobrevivência das abelhas que vivem em liberdade, a POLLINIS lançou desde 2020, graças às pessoas que apoiam a nossa associação, um projeto científico excepcional no Parque Nacional das Florestas, entre Haute-Marne e Côte Golden.


Objetivo: identificar colónias não domesticadas de abelhas melíferas em áreas naturais onde se supõe que tenham desaparecido.


A vossa associação encarregou o especialista em ecologia dos polinizadores, Doutor Fabrice Requier, que segue um protocolo científico preciso e detalhado – visível nas imagens deste slideshow – para determinar a presença, densidade e taxa de sobrevivência das abelhas silvestres nesta reserva natural de mais de 56.000 hectares.


4 colónias de abelhas silvestres foram localizadas em 2022 , aninhadas em cavidades de árvores. Todas sobreviveram ao inverno, sem nenhuma intervenção humana, quando quase 30% dos apiários sucumbiram na França , apesar dos cuidados prestados pelos apicultores.


Um primeiro passo no conhecimento destas forrageadoras discretas e robustas, essencial para colmatar a falta de dados da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) sobre o nível de sobrevivência da espécie na natureza e para promover a implementação de políticas de conservação adaptados ao seu modo de vida e às suas necessidades.


A sustentabilidade deste projecto de investigação e monitorização das colónias de abelhas silvestres só pode ser assegurada graças aos donativos dos cidadãos que apoiam a POLLINIS - e a quem agradecemos calorosamente por todas as missões que nos permitiram cumprir.


Se você também deseja apoiar os projectos realizados pela POLLINIS em favor das abelhas, clique aqui para fazer uma doação :


► DOE

E para saber mais sobre este projecto, seus métodos e seus objectivos futuros, assista agora ao vídeo da entrevista com Fabrice Requier , bem como aos artigos que disponibilizamos abaixo.


Atenciosamente,


A equipe POLLINIS










VÍDEO

O Dr. Fabrice Requier, especialista em ecologia e polinizadores, explica o projecto de levantamento de abelhas silvestres no Parque Florestal Nacional, apoiado pela POLLINIS.

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FOTOS

Para identificar colónias de abelhas silvestres, Fabrice Requier usa beelining , um processo ancestral que ele actualizou ao lado dos biólogos Jeff Pettis e Tom Seeley.

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ARTIGO

Cofinanciado pela POLLINIS, o trabalho de Fabrice Requier no Parc de Forêts visa preencher a lacuna de dados sobre as populações de Apis mellifera na natureza, que enfrentam inúmeras ameaças.

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domingo, 13 de agosto de 2023

O operário Ernesto da Silva: socialismo, república e teatro

Ernesto da Silva


Foi uma vida breve que terminou naquele dia, 25 de Abril de 1903, nas oficinas da Imprensa Nacional. Ernesto da Silva tinha 35 anos de idade.

Na Lisboa da época, o seu funeral foi uma manifestação popular considerável. Terá reunido entre seis a sete mil pessoas. Republicanos, socialistas e anarquistas.

Delegações de sindicatos, cooperativas e outras coletividades. A Voz do Operário fez-se representar por “todos os seus corpos gerentes”.

Um dos discursos coube a um futuro fundador do PCP, o então operário corticeiro Sebastião Eugénio, de Almada. Disse ele que a morte de Ernesto representava “uma enorme perda para os que trabalham e seguem os mais avançados ideais”. E apelou a que fosse seguido o seu exemplo de “hombridade, dedicação e energia” [«O Mundo», 27/04/1903, pág. 2].

 

Sindicalista

Operário tipógrafo e revisor, Ernesto da Silva foi um de vários militantes notáveis que brotaram da Imprensa Nacional.

Dedicou-se à organização do seu setor profissional, no sindicato «Liga das Artes Gráficas». E na «Federação de Associações de Classe» (remota antepassada da atual União de Sindicatos de Lisboa).

Foi ainda um dos fundadores da central sindical «Confederação Nacional das Associações de Classe» (em 1894).

No campo político, foi militante do antigo «Partido Socialista Português», entre 1892 e 1897. E dele chegou a ser um dos principais dirigentes.

Além dos seus artigos na imprensa operária e republicana, salientou-se pelos dotes de orador, em comícios do 1º de Maio e noutras assembleias populares.

 
 

Marxismo

Ernesto foi, no seu tempo, um importante propagandista do socialismo em Portugal. E tornou-se um porta-voz do apoio operário à causa republicana.

Não era propriamente um marxista. A sua grande referência teórica era um revolucionário da Comuna de Paris, chamado Benoit Malon.

Ora, marcado pela derrota e repressão que se abateu sobre a Comuna, Malon focou-se na defesa da liberdade e da República. Passou a tratar a revolução social como um horizonte mais longínquo. E, no fundo, expressou uma das revisões reformistas que marcaram a leitura do marxismo nos partidos operários, no final do século XIX.

Por outro lado, Ernesto abraçou a influência do “anarquismo intervencionista”. Uma corrente revolucionária que se empenhou no derrube da monarquia, como via imediata de ação, uma etapa para o progresso da liberdade e posteriores avanços sociais.

Não obstante, Ernesto faz parte da história do marxismo em Portugal, com dois contributos relevantes: traduziu O comunismo e a evolução económica, de Paul Lafargue; e foi um dos responsáveis por uma edição de Socialismo utópico e socialismo científico, de Friedrich Engels.


"Teatro social"

Naquela época, muitos militantes operários cultivaram expressões culturais como a poesia, o fado, e o teatro amador. Fizeram-no com intuitos recreativos e para divulgar ideias de justiça social.

Usando a arte “para apoiar o desenvolvimento da consciência humana e a melhoria do sistema social”, como referia o marxista russo Georgui Plekhanov.

Eram amiúde indivíduos com uma instrução escolar rudimentar. Alguns só se alfabetizaram já em adultos.

Segundo o seu amigo Mayer Garção, a Ernesto da Silva faltava-lhe “educação literária”, mas ele “corajosamente se dedicou a possuí-la. As horas em que descansava, ou do seu trabalho […] ou do movimento associativo, dedicava-as à cultura estética do seu espírito”. E “lia com avidez” [«A Capital», 24/05/1914, pág. 2].

Assim se afirmou como autor de um ‘teatro de intervenção’, ou “teatro social”, como lhe chamava.


«O Capital»

Ernesto lançou-se como dramaturgo em 1895, com a peça O Capital. Na qual aborda condições de trabalho e lutas operárias numa grande fábrica de tecidos.

Teve certo sucesso em Lisboa e no Rio de Janeiro.

Depois, entre outras, estreou no 1º de Maio de 1900 a peça Nova Aurora. Uma história que termina com este brado: “Trabalhadores, erguei a voz potente em hinos de esperança; poetas, trabalhai novos poemas de revolta; pintores, lançai à tela o sofrimento para acordar o povo” A Obra», 06/01/1901, pág. 2].

Sinal do seu prestígio popular na cidade de Lisboa, existiu em Alfama um grupo de teatro amador que escolheu chamar-se «Grupo Dramático Ernesto da Silva».

Em Alcântara houve o «Círio Civil Ernesto da Silva», uma associação excursionista, de cariz anti-clerical.

E, antes da ditadura, foi dado o seu nome a uma rua de Benfica.


A Voz do Operário

Ernesto era sócio d’A Voz do Operário. E várias vezes a sua voz aqui foi escutada.

Discursou, por exemplo, na festa de entrega dos prémios escolares de 1902. Ao lado de figuras como a feminista Angelina Vidal e os republicanos Magalhães Lima e Heliodoro Salgado.

Um evento que teve lugar na Sociedade de Geografia: onde “a vasta sala «Portugal» […] regurgitava de crianças. Por detrás delas, nas galerias, e no salão, ao fundo das coxias, aglomeravam-se os poucos convidados que puderam entrar. Apesar da grande lotação da sala, não cabiam mais”.

Na altura, A Voz do Operário já conseguia proporcionar instrução primária a cerca de 2.600 alunos. E Ernesto enalteceu esse feito como “um monumento erguido pelo proletariado português” [«O Mundo», 27/10/1902, págs. 1-2].

No seio desta coletividade, ele bateu-se pela solução de um problema que só seria plenamente resolvido depois do 25 de Abril: a igualdade de direitos entre sócios.

No tempo dele, só uma minoria – os operários tabaqueiros – é que podiam ser sócios efetivos, com direito de voto e de eleição para os órgãos sociais.

Luís Carvalho - Investigador

Artigo originalmente publicado no Jornal "A Voz do Operário" a 4 de Agosto de 2023

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

É ASSIM DESDE 1965, COM O APOIO E A COBERTURA LEGAL DO ESTADO PORTUGUÊS!

A noticia que partilhamos abaixo é do ano transacto, mas podia ser de HOJE.

Porque a situação repete-se, ano após ano, desde que a fábrica entrou em funcionamento (1965), e as autoridades «garantem “não ter encontrado vestígio de quaisquer descargas poluentes”». Obviamente, assim como não encontraram, nem detectaram, a mortandade verificada, no rio Maior/vala Real, desde S. João da Ribeira até desaguar no Tejo, no ano em que a fábrica iniciou a actividade.

Não houve barbo, sável, enguia, galinha de água, etc., que escapasse. A não ser os que as pessoas, em algumas localidades, conseguiram retirar a tempo, do leito do rio Maior/vala Real, e transportaram para outras linhas de água. Houve quem o fizesse, uma das pessoas, então jovem, que participou nessa labuta, integra os órgãos sociais da Centenária "Sociedade Recreativa Operária" de Santarém.

Desde então, como afirmou, com toda a propriedade - porque corresponde à verdade - a pessoa que deu origem à reportagem/notícia de "O Mirante", e, por receio de represálias, intimidações e outras formas de repressão, numa sociedade opressora, manteve o anonimato, “Quando era miúdo pescava aqui o que queria; barbo, sável, enguias. Mas desde que a fábrica da Tomatagro abriu, nos anos 60, nunca mais se viram aqui peixes” . E quando alguém introduz, em alguma parte do leito do rio Maior ou da vala Real, alguma espécie de peixe... Este não dura muito.

Sejamos claros: esta destruição só vai ser parada quando as pessoas se unirem, organizarem e, juntas, decidam por-lhes fim. E, ao mesmo tempo, iniciarem transformações profundas nos modos de produção, no modelo económico-financeiro, social e cultural.

Parafraseando Ruy Belo. Tudo isso é possível é só querermos. 

Porque somos nós, os que trabalham e produzem riqueza, que garantimos, sustentamos e suportamos toda esta máquina destruidora, que nos mata lentamente e nos empurra para a catástrofe.

A propósito viram por aí abelhas, essenciais para a polinização da grande maioria dos alimentos para as espécies animal, inclusive a humana?  


 

Sociedade | 18-09-2022 21:00

Populares denunciam poluição no rio Maior e apontam dedo a fábrica de tomate

Enquanto guia a repórter de O MIRANTE pelo caminho entre mato cerrado e canaviais até chegar às margens do rio Maior, em São João da Ribeira, um habitante das redondezas, que pede para manter o anonimato, recorda os tempos em que as águas se enchiam de peixes de toda a espécie. “Quando era miúdo pescava aqui o que queria; barbo, sável, enguias. Mas desde que a fábrica da Tomatagro abriu, nos anos 60, nunca mais se viram aqui peixes”, lamenta.
Segundo populares, que vivem nas imediações da unidade industrial, todos os anos o cenário repete-se: o leito do rio enche-se de lamas alaranjadas e detritos provenientes da estação de tratamento de águas residuais (ETAR) da fábrica. Este ano uma denúncia anónima feita a O MIRANTE aponta o dedo ao mesmo problema: pouco tempo após o início da campanha do tomate voltou a ficar evidente a poluição causada no leito do rio Maior junto à Tomatagro. “Vê-se bem a diferença: a montante da fábrica, a água está cristalina, mas a jusante não se vê o fundo”, garante um morador que não quer ser identificado.
No entanto, a Tomatagro declina responsabilidades. Contactada por O MIRANTE, a empresa referiu que tem licença de descarga de água e que a sua ETAR funciona em pleno. “Esta campanha já fomos alvo de duas auditorias, elaboradas por organismos oficiais, das quais nada negativo ficou registado e nenhuma acção de melhoria foi indicada”, respondeu ainda a empresa.
De acordo com a denúncia que O MIRANTE recebeu, tanques da fábrica são lavados com mangueiras de alta pressão “directamente para o rio” e há quem tenha visto concentrado de tomate, já podre, ser lançado no rio Maior. “Às vezes o rio fica todo vermelho e o cheiro é nauseabundo”, afirmam. Os populares reclamam ainda que as queixas feitas às autoridades sobre o que entendem ser uma “calamidade” ambiental caem em “saco roto”: “a GNR vai inspeccionar a ETAR e diz que está em conformidade, mas não vão ver como está o rio.”
O vice-presidente da Câmara de Rio Maior, João Lopes Candoso, disse a O MIRANTE que solicitou uma inspecção aos serviços da câmara na sequência do nosso contacto, os quais garantem “não ter encontrado vestígio de quaisquer descargas poluentes”. No entanto, o autarca frisa que vai continuar a ser feito um “acompanhamento regular” da situação pelas autoridades competentes.

 

Papel? Qual pap€l?: IDEIAS PARA OUTRO MODO DE PRODUÇÃO

Preços em Crescendo e outras cantigas da Economia esverdeada

Filipe Olival, João Vinagre, João Fialho e, Ilustrações, Ana Farias

 

Ideias para outro modo de produção

Estamos subordinados às leis irracionais e autotélicas do(s) Mercado(s). Por mais que procuremos revelar as suas facetas mais pérfidas, (ainda) pouca força temos para resistir aos seus efeitos. Isto porque dependemos de uma cadeia de abastecimento internacional sobre a qual não temos nenhuma influência e que subentende divisão e exploração social e destruição ambiental.

Por mais utópico que isto possa soar, para termos algum controlo sobre os produtos de que necessitamos para viver (e para viver criando) temos de ser nós a produzi-los. É possível e desejável recriar a indústria do papel segundo princípios cooperativos e agroecológicos. Afinal, o que queremos não é a abolição de um produto, mas a redução dos impactos nefastos da sua indústria, seja em quem nela participa, seja nos ecossistemas sobre os quais é erigida. Portanto, deixamos aqui algumas ideias sobre como poderia ser produzido o papel numa sociedade pós-capitalista.

A iniciativa de organizar a produção de papel de forma ecológica e cooperativa tem de emergir das próprias comunidades (...) No final de contas, a questão-chave é inverter a lógica que subjaz à nossa actividade económica: deixar de produzir para enriquecer uma minoria e começar a produzir para enriquecer tanto comunidades quanto eco-sistemas.

Tendo reconhecido que a lógica da maximização do lucro impulsiona a busca por mão-de-obra cada vez mais barata, sobretudo em países em que a legislação laboral poucos direitos garante aos trabalhadores, mas também a desconsideração peos danos ambientais provocados, parece-nos evidente que uma produção de papel em moldes ecológicos e socialmente justos implicaria uma auto-gestão horizontal. Assim, os próprios cooperantes poderiam decidir democraticamente o montante dos seus salários e o que fazer com o excedente - a sua riqueza comum (commonwealth)(10). No entanto, para evitar cair numa lógica capitalista, as cooperativas de papel não poderiam ter como objectivo competir no mercado com outros produtores; pelo contrário, a produção de papel deveria responder directamente às necessidades da comunidade. Embora, obviamente, se procurasse reduzir o seu consumo. Além disso, o sucesso deste modo de produção depende de relações de apoio mútuo entre produtores de diferentes ramos, consumidores e o resto da comunidade implicada e da partilha de valores que sustentem a cooperação ao invés da competição, o bem comum em detrimento do lucro.

Isso implicaria, claro, que a produção de pasta de papel fosse sustentada pelo cultivo agroecológico, em alternativa ao regime de monocultura. No entanto, como já vimos, o eucalipto é uma planta particularmente problemática nesse sentido. Portanto, parece-nos lógico que se procure uma alternativa viável. Uma possibilidade seria o cânhamo, a mesma Cannabis sativa que, devido aos seus efeitos psicoativos, foi alvo de demonização, perseguição policial e punição judicial desde a segunda metade do século passado, sobretudo por influência dos EUA. Apesar de vários Estados a terem legalizado nas últimas décadas e de termos assistido a uma explosão de «lojas de CBD», onde se podem comprar extratos da planta com teor quase nulo de THC (Tetra-hidrocanabinol, a sua substância psicoativa), em Portugal a utilização desta planta para o fabrico de papel ainda é praticamente inexistente. O que é intrigante, visto que o CBD é extraído sobretudo da flor da canábis, enquanto a pasta de papel é produzida através do caule (embora as suas resistentes fibras também possam ser utilizadas para tecelagem, construção ou até mesmo para criar alternativas ao plástico), o que os tornariam complementares.

A fibra de cânhamo é utilizada para a produção de papel há mais de dois mil anos, e até aos finais do século XIX constituía a sua principal matéria-prima. Os resíduos de cordas, velas náuticas, roupas e trapos, sobretudo feitos de cânhamo ou linho, eram incluídos na sua confecção. Foram impressos em papel de cânhamo tanto notas bancárias quanto jornais e livros, desde os clássicos de Mark Twain, Victor Hugo e Alexander Dumas à Constituição e Declaração da Independência dos EUA e à Bíblia de Gutenberg. A madeira só se torna matéria-prima para pasta de papel com a revolução industrial, o que implicaria a sobre-exploração de florestas.

Em Portugal, a absoluta maioria do papel produzido no presente século provém do eucalipto, sobretudo devido ao seu rápido crescimento (10 a 12 anos até à colheita) em comparação com a de outras árvores. No entanto, o cânhamo apresenta uma série de vantagens sobre o eucalipto, inclusive ter um ciclo cultural de 3 a 6 meses, podendo ser introduzido num regime de rotação de culturas agrícolas e/ou conjugado com outras espécies benéficas para o ecossistema; exige pouca água, fertiliza o solo, previne a sua erosão e absorve quantidades substanciais de cobre, chumbo e cádmio; sequestra maior quantidade CO2 da atmosfera; é menos inflamável, reduzindo a propagação em caso de incêndios; a sua fibra contém até três vezes mais celulose que a madeira; o seu papel, cuja produção não requer substâncias tóxicas de branqueamento, dura centenas de anos mais, sendo resistente à decomposição e ao amarelecimento e podendo ser reciclado até oito vezes (comparado a três vezes no caso do papel de árvore); além disso, as restantes partes da planta podem ser utilizadas para outros fins, incluindo alimentícios, energéticos, medicinais.

Infelizmente, na atualidade apenas 23 fábricas de papel no mundo todo utilizam fibra de cânhamo, sobretudo destinado à produção especializada de alta qualidade. Portugal, apesar de não acolher nenhuma delas, já foi um grande produtor de cânhamo, sobretudo destinado a fibras de tear, inclusive para as velas e cordas das caravelas utilizadas nas explorações marítimas. Esta planta também marca a toponímia portuguesa, como é o caso de Marco de Canaveses, em tempos um imenso canavial (i.e. campo de cânhamo). O Ministério da Agricultura português, que a descreve como «uma planta vigorosa com uma forte raiz aprumada tendo um forte poder estruturante do solo», sublinha que «dada a sua proximidade com a cannabis indica (marijuana) a regulamentação desta cultura é muito restrita» e que «[é] proibido para os produtores de cânhamo resemear a própria semente» (sic). Estas declarações evidenciam as políticas repressivas que subsistem quanto ao uso recreativo dsta planta psicotrópica, apesar do mundialmente reconhecido sucesso das políticas portuguesas de descriminalização das drogas ilícitas.

Embora reconheçamos que esse é um tema que ultrapassa os limites deste artigo, e que existem alternativas ao papel de eucalipto (bambu, algodão, linho, quenafe, bagaço de cana.de.açúcar, espada-de-São-Jorge, etc.), a nossa investigação aponta para a sua viabilidade, tanto em termos ecológicos como de qualidade material. Mas, no final de contas, a iniciativa de organizar a produção de papel de forma ecológica e cooperativa tem de emergir das próprias comunidades(11). Produzir papel em associação directa com consumidores, comerciantes e outros produtores permitiria reduzir o desperdício, melhor estimar as necessidades de cada parte, assim como reduzir custos em intermediários, transporte e taxas alfandegárias. Isto é igualmente aplicável a qualquer outra indústria, nomeadamente à indústria da tinta, de que o Jornal também depende. No final de contas, a questão-chave é inverter a lógica que subjaz à nossa actividade económica: deixar de produzir para enriquecer uma minoria e começar a produzir para enriquecer tanto comunidades quanto ecossistemas.


Notas

(10) Segue-se a sugestão de Massimo de Angelis (2017. Omnia Sunt Communia. Zed Books. London: 111.), como alternativa ao termo «capital [social]», para sublinhar que o que se pretende é reproduzir um sistema social distinto: um sistema comunal (commons).

(11) Por exemplo, a Cooperativa La Chanvrière, em França, produz óleo, sementes, lascas, fibra e granulado de cânhamo, com inúmeras aplicações, entre as quais a pasta de papel.

Transcrito de «ECONOMIA E CREMATÍSTICA», Jornal Mapa n.º 35, Setembro/Novembro de 2022.