segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Papel? Qual pap€l?

Preços em Crescendo e outras cantigas da Economia esverdeada

Filipe Olival, João Vinagre, João Fialho e Ana Farias - ILustrações

 

 Eucaliptocultura! Por um papel cultural que é nosso?

Na década de 50, num Portugal protecionista da economia nacional, a indústria do papel iniciou a ocupação de espaços de floresta nativa e de terrenos de cultivo em detrimento das necessidades populares, pela Companhia Portuguesa de Celulose, que em 1957 foi pioneira na produção de pasta de papel de eucalipto, que veio substituir o pinheiro que , por sua vez, vinha substituir o cânhamo e o linho, hoje competidores da indústria do plástico e papel. Em 1975, com a passagem de Estado Novo para um Novo Estado, foi constituída a Portucel e reforçada a indústria com diversas fábricas. Continua sendo cada vez mais difícil defender os Baldios que mantinham comunidades auto-sustentadas da ocupação de território português nacional pela indústria do eucalipto(7). A democracia consolidou-se, e em 2000 a Portucel adquire a Inapa e a Soporcel, dando origem à Navigator Company, que iniciou a navegação por novas águas, descobrindo novas formas de se manter competitiva e internacional.

A pensar no futuro, a Navigator inaugurou a fábrica About the Future em Setúbal, tornando-se a líder europeia de produção de papel fino de impressão e escrita no mesmo ano, 2009. Depois de abandonar a ideia de se instalar no Brasil devido à forte competiç~ºao com empresas mais fortes, a Navigator decide voltar ao passado e constituir a Portucel Moçambique, que em 2021 enviou 5 navios com o espólio da sua plantação florestal em Moçambique(8).

No século XXI, a economia é sobre um «futuro sustentável» e a nova salvação do mundo e do homem é a energia verde, portanto, a Navigator não poderia deixar passar os apoios económicos, éticos e morais, e investiu na produção de biomassa e na utilização de gás natural. Procura assim introduzir uma nova técnica de exploração conhecida como fracking(9), para a qual a indústria fóssil tem pressionado Portugal a conceder licenças, através da Galp e pela voz de António Costa Silva, actual ministro da economia e ex-presidente da Partex Oil and Gas. O pretexto evocado é ajudar na redução da dívida do país e no combate às alterações climáticas, assim como canalizar apoios da UE que, em junho deste ano, abraçou o gás natural e a energia nuclear com o conceito de «neutralidade carbónica», sendo uma excelente notícia para a Navigator, que pode vender ou comprar recursos energéticos diretamente do Porto de Sines.

A Navigator, através da Portucel, está a baixar o custo de mão-de-obra ou deslocando a sua produção para Moçambique, ou melhor, a baixar ainda mais, porque em Portugal utilizava os pequenos produtores e suas propriedades, evitando os vários custos associados. As maiores empresas de papel também foram plantar no Brasil, à falta de espaço no país de origem que a Navigator encontrou em 2017, aquando da entrada do Regime Jurídico de Arborização e Rearborização, que limitava a plantação de eucalipto nas áreas ardidas.

 

Por um acordo etno-gráfico que reúna os povos milhões!

O Brasil representa 9,6 milhões da produção anual mundial de celulose e papel, correspondente a 174,7 milhões de toneladas, que segundo a Indústria Brasileira de Árvores ocupa 5,5 milhões de hectares de terra com uma produtividade média de 39 m3/ha/ano. O eucalipto representa 70% da floresta plantada no Brasil, mas as empresas florestais querem mais Para isso, a Eucagen - Eucalytos Genome Network, publicou o genoma do eucalipto em 2014. Os primeiros cultivos experimentais foram realizados em 2006/2007, e em 2015 o Brasil foi o primeiro país a aprovar o eucalipto transgénico. Nos EUA, o Ministério da Agricultura (USDA) iniciou em 2013 a legalização desta nova estirpe criada pelo ser-humano. Em 2011 a ArborGen solicitara autorização para vender eucalipto transgénico. Nesta empresa passam muitos funcionários da Monsanto, como Barbara Wells, anteriormente chefe da divisão da produtora de soja transgénica Roundup Ready no Brasil. Da Monsanto também saem muitos elementos para a USDA. A Navigator também quer escrever o seu nome na história do eucalipto XXI, e para isso criou o RAIZ - Instituto de investigação da Floresta e do Papel, financiado em parte por fundos públicos europeus.

 

Notas

(7) «A lei da Degeneração dos Baldios», Jornal Mapa, 6 de Julho de 2015.

(8) «Floresta Colonial: a eucaliptização de Moçambique», Jornal Mapa, 27 de Novembro de 2021.

(9) «A Elevada Factura da Fractura Hidráulica», Jornal Mapa, 26 de Dezembro de 2013.

 

 

Transcrição parcial de um artigo de fundo sobre ECONOMIA E CREMATÍSTICA - Jornal MAPA, nº. 35/ Setembro-Novembro 2022

CREMATÍSTICA nome feminino, ciência da produção das riquezas (Do grego khrematistikós, «financeiro; relativo a riqueza»). - Dicionário Porto Editora.