Recusa
ser uma figura pública e considera prejudicial que os jornalistas se
queiram fazer de vedetas. Mas a meio de uma conversa longa no primeiro
andar do Cinema São Jorge, em Lisboa e onde acontecerá o 5.º Congresso
dos Jornalistas este fim de semana, um homem aproxima-se da mesa com um
dedo levantado e, ignorando se interrompe alguma coisa, pergunta: “é a
jornalista Diana Andringa?”.
É. Desde 1968, quando começou a trabalhar na revista Vida Mundial.
Por lá esteve pouco tempo, saindo numa demissão coletiva, e foi para a
publicidade. Por atos subversivos, como ter papéis em casa e levar
roupas a prisioneiros angolanos nas prisões do fascismo, acabou ela
mesma em Caxias. Passou lá longos 20 meses, acompanhada por um “exército
de palavras” que guardava na cabeça e enfileirava em poemas que
recitava de cor: desde as quadras dos livros da instrução básica até aos
versos de Manuel Alegre.
Depois de sair da prisão, regressou ao jornalismo. Em 1978 foi para a RTP,
onde o novo regime democrático não a impediu de ser censurada por falar
de “coisas desagradáveis” (a Guerra Colonial) na sua série documental
“Geração 60”. Trabalhou na estação pública até 2001. As suas últimas
duas décadas têm sido dedicadas ao cinema documental, debruçando-se
sobre a história das resistências ao fascismo e ao colonialismo
portugueses.
Em entrevista ao Setenta e Quatro,
relembrando tempos em que os tipógrafos também encarnavam o papel de
editores (“Se o senhor Severo me dizia que não entendia, eu ia
reescrever.”), Diana Andringa faz um diagnóstico pouco animador do atual
estado do jornalismo português. Os jornalistas vivem precários e com
tanto “medo que não podem ser livres”. Denuncia os “grupos sem rosto que
compram jornais” e a quem interessa mais a influência política que uma
boa reportagem. E assume que “tem de haver” um plano público de
financiamento de jornalismo, para que este não fique refém das condições
que o colocaram em crise.
Dependemos de quem nos lê. Contribui aqui.
Disse certa vez que a "precariedade é uma
questão de liberdade de imprensa". A Diana foi censurada pelo Estado
Novo e esteve nas prisões do fascismo, ainda que não pelo seu trabalho
como jornalista. Graças à precariedade, e ainda que não haja censura e
fascismo, temos hoje uma imprensa pouco livre?
Quando estava no sindicato de jornalistas tinha um "leitmotiv": a
precariedade no trabalho é uma ameaça aos direitos humanos. No
jornalismo, acaba por ser mais que isso. É uma ameaça às liberdades de
imprensa e de expressão. Um jornalista precário está indefeso. Uma das
grandes conquistas do jornalismo português é a cláusula de consciência. É
uma defesa pouco usada em Portugal. Se um jornalista for precário terá
medo de a usar. Ao mesmo tempo, está sempre sob a ameaça de ser
dispensado. Nestes moldes, um jornalista passa a vida a medir os seus
passos.
Neste momento, a imprensa finge ser muito livre, mas não o é. Há a
precariedade, as redações extremamente diminuídas, a rapidez exigida ao
jornalista. Um jornalista não é inteiramente livre se não tiver tempo
para a reflexão, porque o jornalismo não se faz carregando num botão.
Somos seres humanos e temos de pensar sobre o trabalho que fazemos,
levantar dúvidas. Precisamos de camaradas na redação com quem
conversar.
Na RTP, o Jacinto Godinho e eu éramos chamados de
"alentejanos", como naquelas piadas reacionárias, porque passávamos
horas encostados às paredes a discutir o nosso trabalho. É isto que faz
uma redação. É assim que se pratica a liberdade de imprensa.
As redações precisam de gente, para que haja crítica, conversa, e os
trabalhos precisam de tempo de maturação. Quando te dizem que tens dez
minutos para escrever dez mil caracteres, não és livre. Estas
velocidades infernais não servem para nada.
Por outro lado, os jornalistas tornaram-se passadores de recados.
Desconfiam dos políticos, mas publicam os recados todos que a
magistratura e a polícia querem fazer passar sobre os políticos. Isto
faz-me impressão, talvez por ter sido presa política. A meu ver, isto
não é liberdade. Liberdade é poder interrogar toda a gente. Dizer ao
magistrado que afirma que o primeiro-ministro ou o secretário de Estado é
corrupto: "E o senhor? Lembra-se daquela vez que fez isto e aquilo?".
Há autocensura, constrangimento...
Os jornalistas aceitam coisas que não deveriam, em vez de as
questionar. Têm essa obrigação, mas não o fazem. Têm tanto medo que não
podem ser livres. Um jornalista que hesita em publicar algo vê-se ser
ultrapassado pelo que não teve nenhum problema em o fazer. Depois, saem
notícias incorretas, falsas ou sem contraditório. Ouvir o outro lado da
história é uma das bases do jornalismo e vai sendo esquecida. Ouvimos
sempre o polícia, ninguém ouve o ladrão. Talvez conviesse saber porque é
que o ladrão decidiu roubar.
Nesse sentido, a nossa imprensa é pouco livre. O resultado é visível:
metemos os jornais ao lado uns dos outros e parece que são iguais.
Havia um tempo em que eu dizia que a Lusa escrevia os jornais todos e os editores inventavam títulos diferentes. As notícias são as mesmas. É comum fazer zapping
na televisão à hora do noticiário e ouvir a mesma notícia repetida em
todos os canais. Isto não me parece uma imprensa muito livre. São
agendas pré-determinadas por questões de marketing, de política.
"Um jornalista não é inteiramente livre se não tiver tempo
para a reflexão, porque o jornalismo não se faz carregando num botão.
Somos seres humanos e temos de pensar sobre o trabalho que fazemos,
levantar dúvidas. Precisamos de camaradas na redação com quem
conversar."
Sendo uma pessoa condescendente, acho que os disparates que oiço na
televisão se devem mais à ignorância de quem os diz do que por agenda
política, mas acredito que, neste momento, as agendas políticas exercem
uma pressão mais forte sobre os jornalistas que há uns anos. Atenção: eu
defendo que os jornalistas têm todo o direito a uma opinião, a uma
posição, a militar num partido político. Mas quando fazem jornalismo são
jornalistas, e não se devem deixar controlar pela agenda política que
estiver na moda naquele momento.
Criam-se narrativas inquestionáveis.
A infeliz invasão da Ucrânia não faz de [Volodymir] Zelensky um
democrata. Os massacres de inocentes feitos pelo Hamas não justificam um
genocídio. Há que estudar a história e o contexto em que as coisas
acontecem. Mas isso foi destruído no jornalismo. No meu tempo,
ensinava-se que uma notícia deveria trazer o seu contexto. Hoje, isso
não existe. O resultado: cria-se uma insegurança imensa na população.
Apercebi-me disso durante a guerra nos Balcãs [1991-2001], quando uma
amiga, psicóloga no Hospital Júlio de Matos, me interpelou: "tens ideia
do que os teus meninos andam a fazer aos meus meninos?". Os "meus
meninos" eram os jornalistas e os dela eram os doentes. Disse-me que
muita gente aparecia nas consultas com queixas, com sinais de psicoses,
por verem as notícias de uma guerra tão próxima e não perceberem por que
razão aquelas pessoas se estavam a matar. Não havia qualquer contexto
para todas as aquelas imagens de extrema violência, de mortos e
estropiados.
Nós, jornalistas, não nos apercebemos disto: se não tens contexto,
tudo passa a ser uma ameaça. Remeteram-se as explicações para uns
senhores que nasceram agora, não sei de onde, que não sabem nada mas são
chamados de especialistas e analistas. O seu papel é manter e alimentar
um pensamento único.
Parece que o jornalismo passou a ser mais um
produto que se consome e cuja finalidade é garantir lucro. Isso promove
formas de censura?
É difícil responder. O propósito de um jornal, para quem o detinha,
sempre foi ser vendido, mas os patrões da indústria, antigamente,
interessavam-se pelo jornalismo. Eram pessoas sérias que prezavam um
trabalho bem feito. Depois, ao longo do tempo, o produto jornalístico
deixou de interessar. Interessam as audiências, o retorno da publicidade
e a influência política. Não sejamos inocentes: ninguém compra um
jornal que não dá lucro por outra razão que não o poder político que lhe
confere.
Neste momento, aos grupos sem rosto que compram jornais interessa
mais o negócio que o jornalismo. Ora, por outro lado, e ao contrário do
que se tenta espalhar, os meios públicos são mais livres que os
privados. Em vários aspetos, incluindo na cabeça do jornalista. Pode
parecer estranho, mas o jornalista pensa: "aqui trabalho para o povo",
não trabalha para acionistas.
Quando apareceram as televisões privadas, eu era presidente do
Sindicato [de Jornalistas]. Faziam-se lá coisas que nos pareciam
verdadeiramente anti-deontológicas. Chegámos [nós, os sindicalistas] a
ser maltratados e quase expulsos de redações. Uma antiga colega da RTP
fazia numa televisão privada coisas que eu sei que se recusaria a fazer
— e com razão — na estação pública. "Mas aqui o dinheiro é do patrão",
disse-me ela. Ora, o patrão tem os seus interesses. E o jornalista
também. Nem que seja o interesse em continuar a ter trabalho, e sem
democracia não há jornalismo.
Há uns dias, uma camarada jornalista propôs, corajosamente, que se
revertessem para o Estado alguns jornais que estão em crise. Tenho a
certeza que isso seria melhor quer para os jornalistas, quer para os
leitores, quer para a democracia.
Quando o Estado apoiou a comunicação social,
durante a pandemia, houve quem falasse em "sovietização". Deve haver um
plano de financiamento público do jornalismo?
Tem de haver. Não creio que só porque alguém recebe dinheiro público
deve, ou irá, ser obediente a quem está no poder. Deverá ser obediente
ao povo, essa palavra tão pouco usada. O jornalista, nessa
responsabilidade, garante a sua liberdade, e mais capacidade de
intervenção.
Tive problemas de censura na RTP, sem dúvida. Tive de apresentar queixa ao sindicato porque me censuraram uma série documental chamada Geração de 60,
por causa de um episódio sobre a Guerra Colonial."É por causa da tua
mania de falar sobre coisas desagradáveis; porque é que que não falas
dos Beatles?", disse-me o meu diretor. Demorou dois anos, mas o episódio
foi para o ar.
Uma vez, noticiei uma manifestação contra o governo em El Salvador.
Escrevi que os trabalhadores em El Salvador "exigiam" melhores
condições. O chefe mandou-me chamar e disse-me que os trabalhadores não
exigem, "pedem". E eu respondi: "é melhor ir ver as imagens, porque eles
estão a pedir de uma maneira esquisita, levam armas na mão".
Escrever que os trabalhadores "pedem" é uma escolha ideológica. E ter
uma opinião contrária vai contra o fabrico do consenso que afirma que
os ricos é que têm razão e por isso é que são ricos. Há jornalistas
muito cúmplices dessa construção de uma narrativa consensual, muitas
vezes sem a consciência disso.
"Ouvir o outro lado da história é
uma das bases do jornalismo e vai sendo esquecida. Ouvimos sempre o
polícia, ninguém ouve o ladrão. Talvez conviesse saber porque é que o
ladrão decidiu roubar."
Há uma degradação do ofício jornalístico, que acaba por se alimentar a si próprio. O jornalismo está descredibilizado?
Sim. A própria ideia do que é um jornalista vem-se degradando há
muito tempo. Desde que dou aulas que pergunto, no início do ano letivo,
quem quer ir para a imprensa, para a rádio e para a televisão. Muitos
queriam ir para a televisão. E eu juro que não é perseguição minha, mas
eram os que tinham piores resultados nas provas. Julgavam que a
televisão é uma coisa que se faz com um bom palminho de cara e uma voz
decente. Mas a televisão é muito mais trabalhosa que a imprensa, porque
é, simultaneamente, texto, imagem e som.
Criou-se a ideia do jornalista como vedeta. Está errado. Somos um
veículo que passa informação. Somos aquelas pessoas felizes a quem pagam
para ouvir e contar histórias. Temos muita sorte. Não somos assim tão
importantes, mas os jornalistas têm vindo a convencer-se que sim. E
então já está a ver o jornalismo todo deturpado. Começa a
degenerescência, deixa de haver cuidado no que se escreve e se faz.
Eu sei que muita da falta de cuidado, de erros evitáveis, vem da
precariedade, das pobres condições de trabalho. Uma das coisas mais
importantes numa redação é a memória. Ora, a uma certa altura as
redações concordaram que os mais velhos fossem afastados: porque
ganhavam um pouco mais ou tapavam a progressão. Quantas vezes não tive
eu de tirar dúvidas com os jornalistas mais velhos, porque não entendia
um nome, uma palavra, uma referência? Liam os nossos trabalhos e
avisavam-nos das calinadas que escrevíamos.
Muita coisa se perdeu e o jornalismo piorou. Na [revista] Vida Mundial,
os tipógrafos eram o nosso primeiro público. Diziam-me: "Ó, Andringa,
não percebo isto que escreveste aqui". E se o senhor Severo me dizia que
não entendia, eu ia reescrever. Hoje, já não tens o senhor Severo. Já
não tens a datilógrafa que te diz: "isto aqui está um bocado confuso".
Escreves e publicas imediatamente. Perdeu-se tempo, perderam-se modos e
espaços de reflexão, e com o desaparecimento da memória nas redações os
jovens jornalistas não se aperceberam disto.
Mas há cursos superiores que ensinam o jornalismo.
Nunca achei que deveria haver licenciaturas de jornalismo. As pessoas
deveriam formar-se em Direito, em História, em Antropologia, em
Medicina, e depois num mestrado aprenderiam as técnicas do jornalismo.
Fariam jornalismo sabendo alguma coisa. Em vez disso, os jornalistas de
hoje acham que sabem tudo sobre tudo — principalmente os de televisão —
quando são tremendamente ignorantes sobre uma série de coisas. Isso está
a minar a nossa democracia.
Consciente ou inconscientemente, os jornalistas de hoje promovem um
tipo de informação que manipula o público. Os noticiários com ecrãs
divididos em quadrados, as imagens repetidas, os diversos oráculos com
frases sempre a passar têm efeitos psicológicos nas pessoas. Promovem a
desconcentração, porque não há tempo para refletir. O telespectador é
confrontado com tanta informação que fica desarmado.
"Aos grupos sem rosto que compram jornais interessa mais o
negócio que o jornalismo. Ora, por outro lado, e ao contrário do que se
tenta espalhar, os meios públicos são mais livres que os privados."
O analfabetismo funcional no nosso país é, infelizmente, muito alto.
Há uma população envelhecida que não tem literacia mediática,
especialmente para o digital. Tudo isto é perigoso. Estamos a fomentar o
medo e a imposição de um regime de força, de um líder forte que traga
ordem ao caos. Ora, um regime de força, sabemo-lo bem, rebentará com
aquilo que é a nossa base, a liberdade de imprensa. A atitude dos
jornalistas tem algo de suicida.
Durante a pandemia, falou sobre a "ética da
responsabilidade" sobre as palavras usadas. Um estudo da Universidade do
Minho concluiu que os jornalistas "orientaram cidadãos para o
confinamento". Por um lado, isso promoveu boas práticas de saúde pública
num momento crítico. Por outro, demonstra o poder, e a disponibilidade,
que o jornalismo tem em fabricar consentimento, em linha com o poder
político.
Ao retirar o contexto da transmissão de uma notícia, o mundo vai se
tornando incompreensível, e o que é incompreensível cria pânico. Hoje
vivemos todos mais ou menos assustados. Estamos a assistir a isso com a
narrativa mediática criada à volta do Serviço Nacional de Saúde. Eu não
quero que as pessoas fiquem contentes quando as coisas correm mal, mas
vamos lá ter calma.
A história das ativistas despidas pela polícia durante a revista na
esquadra depressa se deixou cair. Nem no meu tempo era comum a PIDE
fazer isso, mas os jornalistas pareceram não se indignar muito. No
final, toda a situação ficou a parecer uma coisa normal, e que os
polícias têm direito a desnudar as pessoas, porque, coitadinhos, ganham
pouco.
Aqui há tempos, a convite do Sindicato de Jornalistas, fui dar uma
formação a magistrados. Disse-lhes que ainda estou à espera que me
mostrem um jornalista que tenha escalado as paredes da Polícia
Judiciária, entrado pela janela e roubado um processo. Porque a violação
do segredo de justiça ou é feita assim ou são os magistrados, ou os
seus funcionários, a dar as informações aos jornais para que se destruam
as pessoas.
Os jornalistas não podem aceitar ser passa-recados. Como é que se
noticia que um secretário de Estado tem haxixe em casa? É manipulação da
opinião pública. Como é que o jornalista soube que estava lá esse
haxixe? Não sabemos, mas duvido que tenha sido a mulher-a-dias. Convém
citarem-se as fontes. De repente, desapareceu essa necessidade.
Aceitou-se que há fontes que estão acima da luta de classes: se a
polícia diz, se o magistrado diz, se Carlos Alexandre diz, então tem de
ser verdade.
Como jornalistas, temos de pensar nas nossas condições de trabalho,
temos de nos preocupar em exigir um salário decente, mas também temos de
pensar, acima de tudo, naquilo que fazemos aos outros. Isso faz parte
da ética da profissão. Deixou de se discutir o que é ético. Se calhar
acham que são discussões de velhos, mas os jornalistas têm o dever de
garantir a dignidade das pessoas.
Ninguém vai para o jornalismo porque quer ser rico, mas porque
acredita que informar é bom para o povo e importante para a democracia,
porque se vai denunciar o que está errado. Mas a formação ética é
negligenciada. Há que respeitar o outro, ou acabamos desrespeitados. É
aí que começa a descredibilização da profissão, e a culpa não é do
estagiário. É do editor, é do diretor. Andamos a disparar nos nossos
próprios pés e podemos estar a abrir caminho para o fim da democracia.
"Perdeu-se
tempo, perderam-se modos e espaços de reflexão, e com o desaparecimento
da memória nas redações os jovens jornalistas não se aperceberam
disto."
Há um partido político em cujos eventos tem
havido ameaças e agressões a jornalistas. A última foi esta semana.
Mesmo assim, o seu líder é das personalidades com mais tempo de antena
nos espaços noticiosos (na televisão). Qual é a responsabilidade dos
jornalistas perante uma força política anti-democrática que dá ótimas
manchetes?
No momento em que um jornalista é agredido, todos os seus camaradas
se devem retirar de imediato e não há notícia sobre isso. Houve um tempo
em que isto seria evidente. Quando esteve cá um presidente
norte-americano, a RTP foi fazer reportagem. Deixaram entrar
primeiro os jornalistas norte-americanos. Eu protestei e imediatamente
todos os fotojornalistas portugueses baixaram as câmaras e disseram que
não faziam imagem.
Noutra vez, houve uma conferência de imprensa de Henry Kissinger ali
no aeroporto. Fui escalada para lhe fazer duas ou três perguntas. Faço a
primeira pergunta e Kissinger ignora-me e passa a palavra a um
jornalista norte-americano, que diz: "a minha pergunta é a da jornalista
portuguesa a que o senhor não respondeu". Ele passa para um segundo
jornalista norte-americano, e leva a mesma resposta. Passa para um
terceiro e ele responde-lhe o mesmo. Isto era o que se fazia quando
ainda nos chamávamos camaradas uns aos outros.
A situação atual no jornalismo português não se resolve com atos
simbólicos. Temos de fazer greves, para ver se as pessoas percebem que
precisam do jornalismo. Também é essencial, e alguns jornalistas já o
fazem, colocar estes acontecimentos no contexto histórico. A
extrema-direita sobe em todo o lado. Temos de tornar evidente aquilo que
ela faz — e fez — nos vários países onde governou. Mas alguns
jornalistas parecem ter ficado fascinados com a força das massas e das
pessoas que falam alto.
Entrevista, 18 Janeiro 2024
Em: www.setentaequatro.pt
Nota: todos os dias são dia das mulheres, e a luta pela sua emancipação é quotidiana e inserida na luta mais vasta de todas as pessoas pela emancipação, liberdade, igualdade, fraternidade e justiça social e climática...