sábado, 2 de março de 2024

No clima não há meios termos, é ganhar ou perder

Os debates e as propostas para estas eleições estão a acontecer numa realidade alternativa. A nossa casa está a arder, as paredes a ruir, as torneiras a ficar sem água, as hortas sem capacidade de produção de comida. Enquanto isso, candidaturas e média conduzem um debate sobre a cor das cortinas, e mandam lenha para a fogueira. Este cenário torna-se ainda mais absurdo quando a maioria destes reconhece que estamos no meio de uma casa em chamas

“Vamos manter o debate dentro daquilo que está previsto” proferiu o jornalista Carlos Daniel, em reação à interrupção por parte de ativistas do debate entre os partidos com assento parlamentar. Esta reação, assim como a forma como o debate prosseguiu é exemplo desta distopia, confirmando aquela que foi a intervenção da ativista: “travar a crise climática não está na mesa de voto, está nas mãos das pessoas”.

Os assuntos trazidos aos debates importam para a vida das pessoas, e as propostas políticas dos diferentes partidos não “são todas iguais”. Mas discutir sobre aqueles que são serviços essenciais para a sociedade, sem apresentar o facto de as bases nas quais estes serviços assentam estarem a colapsar é ignorar o consenso científico ao redor daquela que é a maior ameaça que a humanidade alguma vez enfrentou.

Ainda mais absurdo é que há um acordo, nestas eleições, sobre expandir infraestruturas e projetos que aumentarão as emissões de gases com efeitos de estufa.

Um parêntesis: a crise climática não é meramente sobre o aumento das temperaturas médias globais, o degelo dos calotes polares ou um maior número e maior intensidade de ocorrência de eventos climáticos extremos. A crise climática está a criar colapsos sociais causados por mudanças drásticas nos ciclos climáticos globais, produzindo caos nos sistemas alimentares, nos ciclos de água doce, e nos sistemas energéticos, de transportes e de saúde. Tal irá produzir a falência de sistemas políticos, que se traduzirá em caos social, conflitos, guerras e migrações em massa. Isso significa uma regressão civilizacional histórica, da qual a subida da extrema-direita a nível internacional é apenas um dos primeiros sinais. Por isso falamos em “colapso climático”.

Na emergência climática não há meios termos, “passinhos” em frente, ou “reformas no bom sentido”. Os mecanismos de retroalimentação positiva ou “bola-de-neve”, os “tipping points” e “pontos de não-retorno” precipitarão o planeta para um novo estado de equilíbrio climático totalmente adverso à presença da espécie humana e de muitas das outras espécies existentes. Sobre a crise climática é ganhar ou perder.

O movimento por justiça climática recusar-se-á a consentir com a derrota garantida que este sistema nos impõe.

O facto da maioria dos partidos que concorrem a eleições reconhecerem a crise climática é irrelevante se posteriormente apresentam uma negação programática do que esta significa. O facto de alguns apresentarem algumas propostas importantes e “no bom sentido” continua sendo irrelevante do ponto de vista da físico-química e biogeologia que dita os ciclos naturais e climáticos.

Assim sendo, o debate nestas eleições está a ser por definição anti-democrático, visto que está a haver uma disputa enquadrada mediática e institucionalmente numa falsa normalidade, que não contempla qualquer plano para travar a catástrofe climática. O processo eleitoral atual acaba assim por ser uma perversão da democracia, no sentido em que os termos em que acontece comprometem qualquer democracia, justiça social e direitos constitucionais.

Às pessoas ou grupos, partidários ou outros, a quem esta realidade gera desconforto, é preciso explicar que este desconforto parte de uma problema real e de uma incompatibilidade efetiva por parte de todos os programas políticos presentes a eleições com as ações necessárias para travar o caos climático, e garantir serviços básicos e justiça para todas as pessoas.

Reconhecer o estado em que estamos e a necessidade de ação disruptiva exige propostas radicais. Também exige coragem para fazer o que este momento histórico exige.

A verdadeira paz e um real travão de emergência para reverter a marcha em curso em direção ao caos climático não estará nas mesas de voto, e não estará portanto nos planos de qualquer que seja o governo que assuma a governação. É responsabilidade de toda a sociedade deixar de consentir com a ausência de planos reais para travar o ato de violência em curso.


Leonor Canadas – Ativista no movimento Climáximo

Artigo de opinião no Expresso, 28 de Fevereiro 2024