segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

 
 

Nas passadas semanas foram anunciados os lucros obscenos de 2022 das cinco maiores empresas petrolíferas do mundo. Estes foram os maiores lucros de toda a história da indústria fóssil, conseguidos às custas do aumento do custo de vida da população e da destruição do planeta.

As maiores somas foram registadas pela Exxon, que contabilizou 6.3 milhões de euros POR HORA, num total de 56 mil milhões de lucro puro. A Shell, por sua vez, nunca somou quantias tão elevadas desde a sua fundação há 115 anos. Chevron, Total e BP ora redobraram lucros, ora acumularam mais do que o necessário para ajudar a recuperar as comunidades mais vulneráveis às catástrofes naturais (o que não fizeram).

Estas empresas podem, de facto, celebrar sobe o caos climático e o empobrecimento proporcionado pelo total dos seus 196 mil milhões de euros de lucros. E Portugal não está excluído desta festa, já que esta semana foram anunciados os maiores lucros da história da Galp: 881 milhões, quase o dobro do ano passado.

Um momento épico para toda a indústria fóssil, uma tragédia para as restantes pessoas – quem paga os seus lucros como quem lida com as consequências catastróficas das suas actividades. O novo CEO da Shell, Wells Sawan, vangloria-se pela “capacidade de fornecer energia vital aos nossos clientes num mundo volátil”, afirmando que querem tornar-se cada vez mais baixos em carbono, mas que isso “tem de ser lucrativo”.

O gás “natural” foi uma mentira rentável durante bastante tempo. Os ganhos com Gás Natural Liquefeito (GNL) superaram as expectativas, efectivamente. Mas não é novidade que o gás é tão fóssil como o petróleo ou o carvão e que, embora interesse tanto aos lucros destes gigantes, o gás aprisiona-nos aos caminhos que levam ao colapso.

Precisamos de cortar 50% das emissões de carbono até 2030, pelo que quaisquer planos que tenham combustíveis fósseis no centro da transição energética são armas contra a sobrevivência. O único motivo pelo qual estas empresas têm interesse em investir em energia renovável é por estarem articuladas com fósseis e compensarem o investimento com lucros de gás. O que é que isto quer dizer? As indústrias fósseis são senão a reiteração permanente de um sistema montado para nos falhar enquanto lucra massivamente.

Não nos enganemos, o gás que encanta governos, indústrias e lobbys como resposta à actual crise energética é a distração mais bem criada para premiar accionistas. Não nos enganemos, foram estas as indústrias que conscientemente nos levaram à crise climática em que vivemos. Não nos enganemos, eles sabiam. Nos anos 60, cientistas como Edward Teller advertiram a indústria fóssil acerca do perigo de aumento de CO2 produzido pela sua actividade.

Pela mesma altura, foram produzidos relatórios pelas próprias indústrias que previam os impactos catastróficos da exploração de combustíveis fósseis. O American Petroleum Institute (API) tornou-se um dos mais bem sucedidos grupos de lobbying ao transformar o cepticismo climático em senso comum. As campanhas de negacionismo climático avançaram no ataque à legitimidade da ciência. Foram tão bem sucedidas, que em 2022 estas indústrias que planeiam investir 1.5 biliões em novos projectos fósseis. E é possível, pelo andar da carruagem, que revertam em lucros.

A única forma desta longa carruagem do colapso parar é tomarmos as rédeas pelas nossas próprias mãos. Não vão ser estas indústrias a salvar-nos, quando foram elas a trazer-nos aqui. Os governos continuam a pactuar com os seus interesses ao darem luz verde a novos projectos de gás e ao não actuarem decisivamente para travar o colapso. Em vez disso, cortam impostos às indústrias fósseis para nós enfrentarmos a maior inflação desde que há Euro.

A pior das crises de aumento do custo de vida reflecte-se não só nas contas de electricidade e gás, mas também em todos os produtos que deles dependem para serem produzidos – desde comida a roupa. Os aumentos salariais não acompanham a inflação e as taxas de juro aumentam qual cereja no topo do bolo.

Estes predadores alimentam-se da nossa pobreza, para enriquecer os seus accionistas. Os seus lucros, tendo em conta a sua responsabilidade na crise climática que vivemos e no caos climático para o qual nos encaminham, são crimes. Os crimes mais consentidos e mais lucrativos da história. É por isto que devem ser parados.

A luta por electricidade 100% renovável até 2025, acessível a todas as famílias, será conquistada apenas com a mobilização de toda a sociedade. Sabemos que o conhecimento e a tecnologia existem, ao contrário de vontade política. Resta nos abrir alas à organização colectiva para que se transformem em acção. Como diria o actual Secretário-Geral da ONU, António Guterres, é necessário “disrupção para parar a destruição”.


Artigo publicado orignalmente no Público a 25 de Fevereiro de 2023.

EXPLICAÇÃO QUE O AUTOR HOUVE POR INDISPENSÁVEL ANTEPOR A ESTA SEGUNDA EDIÇÃO*

Há sensivelmente dez anos eu tinha sensivelmente menos dez anos do que hoje tenho. Existe muita gente que, por múltiplas razões - quase sempre coerência, quase nunca imobilismo, que sei eu? -, não muda em dez anos. Eu, para já, mudei e mudei muito, até porque num simples decénio pode caber, por exemplo, a Guerra de Tróia, com todas as suas peripécias, ou a frequência do curso de Direito por parte de João de Deus ou de outros não menos ilustres portugueses e, no meu caso pessoal, com a modéstia inerente não só a tudo o que, no fundo, se me refere mas também a um destino obviamente individual, muitos acontecimentos se verificaram. Sempre aceitei as coisas, quanto mais não fosse - e não é esse, afinal, o principal motivo - porque se me torna impossível modificá-lo, quando até as próprias coisas que, num dado momento, me acontecem, as aceito com portuguesa paciência, desde que não envolvam, nalguma medida, a minha responsabilidade como homem enquadrado num certo contexto social.

A muito poucas pessoas que não eu deve - assim o espero - importar a minha vida particular, coisa que não gostaria de ter mas afinal tenho, como quem veste um pijama para a travessia da noite - oh! estas minhas incorrigíveis alusões culturais - ou lava os dentes, pelo menos, ao começar o dia. No entanto, a minha suprema ambição - o meu ideal inatingível até porque ideal, mas sempre presente como limite - longe de ser a figura de César ou mesmo a de Shakespeare (que, aliás, nos legou uma figura incomparável do ditador romano) - é a de um simples mineral, com a sua impassibilidade e a sua adesão à terra, a que acabarei por voltar não só por condição como por desejo profundamente, longamente sentido e só satisfeito no dia em que a minha voz passar a ser a voz da terra, mais importante, no fundo, do que todas as palavras que me houver sido dado proferir à sua superfície, ao longo da minha vida mais ou menos curta mas ao fim e ao cabo sempre curta, se encarada na perspectiva do destino do homem como espécie e da vida deste planeta como seu ambiente de sempre e para sempre.

Decerto haverá quem não me perdoe eu ter mudado, ou porque ficou no cais donde parti ou porque sempre esteve no cais onde pressinto que acabarei por chegar, termo de uma escala que julgo explicável e justificável mas que não predeterminei, até porque nunca predeterminei coisa alguma na minha vida, embora possa haver escrevinhadores que pensem o contrário num país onde, noutras circunstâncias, teriam sido talvez jornalistas, mas onde sem dúvida o deixarão de ser no dia em que essas circunstâncias se modificarem, porque afinal de contas dessas circunstâncias dependiam e só elas lhes permitiram exibir o que, à primeira vista, podia parecer inconformismo mas, no fundo, não passava de conformismo, conivência, integração, porque sempre os extremos se tocam (o que até explica que dois antigos seminaristas, em dois países geográfica e ideologicamente distantes, houvessem chegado a satisfazer e a saciar, à custa da grande maioria de homens que só vivem uma vez, a sua insaciável sede de poder).

A minha solidariedade de base com um livro que passei a abominar mal o reli em letra impressa manifesta-se até no facto de consentir na sua reedição, embora sobre mim não tenham deixado de exercer uma certa pressão quer a Casa Editora a que mais devo (alguma outra afinal me explorou e continua a explorar, o que , ao fim e ao cabo, mais não é do que, com pretensa benevolência, consente em publicar autores nacionais, autores jovens ou marginais, livros de poesia, etc), quer um seu representante qualificado, meu velho amigo do tempo dos bancos da Faculdade de Direito de Lisboa, companheiro de tomadas de posição em que se nos foram anos de vida e, como se tudo isso não fosse bastante, sonhador que como eu nasceu com a fatalidade de investir o seu capital de nuvens (viva o José Gomes Ferreira!) numa arte tão pouco significativa no nosso tempo como a poesia.

No entanto, afinal como manifestação da mudança a que comecei por aludir, acabei por introduzir nesta edição modificações muito mais profundas e numerosas do que alguma vez pensara introduzir. Não renego um passado conhecido de muitos, susceptível de ser conhecido por quem o quiser conhecer. Apesar disso sofri alguma coisa, numa sociedade e num país onde se sofre muito. No termo de dez anos de uma aventura mística que terminou há dez anos, eu saí para a rua e para o dia-a-dia com este punhado de poemas, com estas palavras que me consentiram escrever nos breves intervalos de um silêncio durante muitos anos imposto, a pretexto de que, de contrário, a minha alma correria perigo, como se eu tivesse uma coisa como alma, como se correr perigo não fosse talvez a minha mais profunda razão de vida.

Trata-se obviamente de um livro cheio de defeitos, o menor dos quais não deixará de ser por vezes a falta de autonomia da linguagem, como muito bem viu, se bem me lembro (nem imagina como me custou não ter podido assistir à sua última lição, meu caro, meu sempre jovem Vitorino Nemésio), António Ramos Rosa, num artigo publicado na Seara Nova, artigo esse em que eu, entre outros poetas criticados, tive a honra de emparceirar com Daniel Filipe, escritor irregular mas irrequieto, morto na cidade que cantou, morto para mim, mediante a simples leitura de uma lacónica notícia de jornal, em Trás-os-Montes, talvez a província portuguesa da gente mais pobre e mais explorada mas mais generosa, por onde na altura eu passava à descoberta dos homens, de companheiros de viagem (um deles condenado à morte), da terra e de mim próprio.

Quem tiver tempo e paciência para isso, não deixará talvez de notar que, já à data da composição destes poemas, atravessava uma crise profunda quem aliás sempre viveu em crise, apesar de, nos domínios fundamentais, ter porventura por conta própria arriscado mais que muitos homens de sistema, de ideologia, de doutrina, de instituição. Tema limite dessa crise talvez seja o da solidão no meio da cidade: o do homem que não dispõe de «ombro para o seu ombro», que tem «o destino da onda anónima morta na praia» (por que diabo hei-de ser eu mais imortal que essa onda entrevista no Outono no mar de Cascais?), que «vai só», que «não tem ninguém».

A solidão será porventura um problema burguês. Mas, numa sociedade onde todos os intelectuais mais ou menos o são, ela será talvez, numa perspectiva realista, não tanto o reflexo como a denúncia dessa mesma sociedade, responsável responsabilizada por consciências que, nos casos mais significativos, não terão escrito Os Lusíadas mas escreveram a Mensagem, não terão morrido a 10 de Junho de 1580, muito a tempo portanto de se poder utilizar o dia da sua morte como «Dia da Raça», mas morreram a 30 de Novembro de 1935, que poderá perfeitamente vir a ser o «Dia da Civilização Ocidental».

Como também viu António Ramos Rosa, até hoje autor de única antologia verdadeiramente representativa da mais moderna poesia portuguesa - e note-se que acabo de receber a terceira edição de uma outra, que consegue ser cada vez pior de edição para edição, embora eu nela vá conseguindo uma representação cada vez maior a ponto de recear vir a absorver, num prazo mais ou menos longo, mais ou menos curto, todas as suas páginas -, a insatisfação expressa na minha poesia sempre foi «mais de raízes ontológicas do que religiosas». E, embora eu não tenha querido levar as alterações por mim agora introduzidas até ao ponto de obnubilar o clima onde se moveu e continua sem remédio a mover-se a organização verbal deste livro, embora eu tenha conservado significantes, sintagmas que traduzem significados como por exemplo os de pecado individual, de mal e tantos outros que hoje não têm o condão de me afectar na mínima medida que seja, esta colectânea, estou certo, fundamentalmente fiel à primeira edição, terá sido e continuará a ser suficiente para, de certa maneira, me permitir a integração naquela geração que, em Portugal - e para glosar Jorge de Sena - perdeu o jogo do catolicismo e, talvez como nenhuma outra, proveniente de qualquer outro sector ideológico, aliás incondicionalmente merecedor do meu maior respeito, haja contribuído tanto para a luta tendente à emancipação do povo português, não só pela sua actividade como pela constante e inexorável capacidade de reflexão e de revisão de métodos.

Fundamentalmente, as modificações a que nesta edição procedi relativamente à primeira (a que não chamo princeps até porque algum erudito a poderia porventura confundir, neste ano de comemoração de Os Lusíadas, com essoutra obra onde, apesar da incomensurável superioridade de engenho, talvez conseguisse descobrir, após porfiadas pesquisas, um espírito de cruzada de certa maneira idêntico) cifram-se na supressão de maiúsculas e na redução da pontuação àquele mínimo que ao mesmo tempo permitia o máximo de ambiguidade e de possibilidades de leitura para o receptor o que, se não significa uma concessão para com a poesia concreta, talvez ao fim e ao cabo implique uma integração não só no conjunto da minha poesia como na verdadeira poesia de vanguarda portuguesa, actualmente representada pelos textos escrupulosamente coligidos por Casimiro de Brito e por Gastão Cruz, e onde afinal há muitas moradas, tal como no reino dos céus. Mesmo a grafia do lexema »deus», com minúsculas, decerto mais consentânea com a minha actual posição ideológica, mais não significa, digamos, que a recente tomada de posição (só que de sinal contrário, devido aos diferentes ventos que sopram, não da Espanha ou da Sibéria, mas simplesmente da história) de Soljenitsine na URSS ou o desejo de que palavra alguma levante a cabeça no maio da frase, por mais carregada de sagrado que a história no-la tenha feito chegar.

A substituição da epígrafe inicial do livro por uma diferente, de que aliás já dispunha ao tempo da primeira edição, enquadra-se noutra ordem de ideias: afinal a de que poesia é, ao fim e ao cabo, uma aventura de linguagem, por muito que os significantes possam significar. A arte pode não ir muito longe mas, de qualquer maneira, sempre oferecerá maior resistência ao tempo do que as ideologias, expressas sem irmos mais longe no credo da Santa Madre Igreja ou no hino da General Motors.

De livro para livro, de poema para poema, talvez mesmo de verso para verso, sempre procurei assegurar ao eventual leitor - não menciono o eventual ouvinte porque não tenho poemas gravados, nunca escrevi letras para baladas nem concorri nem tenciono concorrer (está portanto descansada, Helena) a qualquer festival da canção - aquela capacidade de surpresa que Valéry, poeta que talvez não preze mas intelectual que, a vários títulos, admiro, considera características de arte moderna Se não fui tão longe como outros poetas, difícil será decerto encontrar quem, como eu, haja com tamanha veemência repudiado a instituição sem, por outro lado, cair ou ficar nos simples jogos verbais, que nem os mais medíocres gongoristas ousaram trazer a lume, até porque não havia jornais, não havia publicidade, não se vivia numa sociedade de consumo.

Todo este livro foi escrito num clima a que não só já não tenho acesso hoje em dia como espero não o voltar a ter. E a solidariedade fundamental com o passado, condição do presente para mim, não integrado em qualquer revolução cultural e portanto capaz de compreender que a incomensurável complexidade de um Shakespeare não cabe nem mesmo se esgota no conceito de escritor burguês, nem sequer implica saudade em quem não só não pertence à filosofia portuguesa como nem sequer tem mais de português que haver nascido no país mais ocidental da Europa.

Não se deve, não se pode pedir ou exigir ao autor de um livro, por mais filólogo que seja, que examine o seu rebento ou o seu dejecto numa perspectiva estrutural ou paracientífica ou que ceda mesmo à tentação de ser sistemático, o que, pelo menos, talvez o levasse a traduzir-se na própria língua ou a praticar uma literatura segunda, para mais quando se tem a vaga suspeita de que se não é Dante ou S. João da Cruz.

É claro, até para mim, que de inocente pouco tenho pelo menos como poeta, que, ao longo de todos estes poemas, certas palavras afloram com maior frequência, o que sem mais poderá permitir a qualquer desempregado ou reformado ou funcionário público - nos tempos que correm não se pode esperar por um erudito, um estudioso ou um simples interessado, aos quais os mortos já dão trabalho bastante, especialmente se estão verdadeiramente mortos - proceder a estudos que, embora possivelmente de muito diversa índole, necessariamente terão de comum a circunstância de conseguirem ser mais loucos do que a própria poesia. Citamos, mais ou menos ao acaso e sem a menor preocupação de ordem: morte, deus, folhas, homem, árvore, estações, primavera, palavras, chuva, cidade, manhã, dia, crianças, infância, coração, pássaros, mar Poesia metafísica a deste livro? Decerto. Mas também - e não faltou quem o visse e o dissesse e me fizesse tomar consciência disso - poesia do quotidiano, onde de certa maneira sobressai um real que sucessivamente chega até nós, dessa forma humilde e comezinha que convém à realidade

Livro, por outro lado, cheio de influências. A única coisa que jamais perdoei a um autor foi tê-lo lido, tê-lo até talvez estudado e não haver deixado a menor, a mais indirecta marca em tudo aquilo que escrevi. Bíblia, missais, Eliot, que importa tudo isso? Ao próprio Saint-Exupéry, onde colhi a epígrafe, pouco decerto devo em comparação com o que ele me deve, dívida principalmente contraída ao longo dos dois anos de vida que sacrifiquei à tradução de Citadelle quando, impedido de escrever coisas minhas, escrevi em português a obra de um autor estrangeiro, imolando-lhe assim as experiências e os achados de vida e de linguagem que se me iam proporcionando.

Talvez seja possível detectar, no conjunto da obra poética que até hoje dei a lume, uma certa evolução técnica, um conhecimento cada vez maior do ofício à medida que fui escrevendo e publicando os livros. Mas esse aperfeiçoamento,além de ser mais aparente do que real, de forma alguma é significativo. Se, por exemplo, só no seu terceiro livro o soneto surgiu, foi porque não conseguiu resistir por mais tempo à irresistível sedução dessa forma quem, durante nada menos que uns longos quinze anos, a praticara com o carácter oculto e obstinado de um vício. Sensivelmente o mesmo se poderia dizer das aliterações, das assonâncias, do apoio constante do decassílabo, da utilização, exploração e dinamitação de toda a espécie de rimas, que conheço melhor, muito melhor do que a aldeia onde nasci ou a Vila Ápia Antiga, ambas ruminadamente trilhadas caminho por caminho, pedra por pedra.

Não me venha quem quer que seja com a história da inspiração, quando mais não seja porque a própria poesia se aprende. Mas a perfeição técnica sem rebuço exibida pode afinal dissimular não tanto uma maior ou menor falta de chama como o desconhecimento de um princípio no entanto elementar: o de que só quem sabe fazer as coisas as pode saber deixar de fazer. Independentemente do valor deste livro mesmo só no restrito cômputo da minha produção poética, não vim na verdade adquirindo uma perfeição técnica cada vez maior de livro para livro. Talvez até tenha perdido uma certa ciência do abandono, porventura até fácil de comprovar nalgumas correcções nesta edição introduzidas, por mais pensadas e medidas que tenham sido.

Embora neste momento longe de muitos papéis e livros meus, ia jurar que nenhum manuscrito subsiste de qualquer poema incluído nesta colectânea porque, coerente com o princípio de que só o produto acabado interessa, devo ter rasgado tudo o resto. Limitei-me a anotar, num exemplar de cabeceira - sem maior valor aliás que qualquer outro objecto ao alcance da mão de quem dorme ou descansa, maxime do «vaso doméstico» (a expressão, como está bem de ver, tão eufemística é que consegue exceder em mau gosto o objecto a que se refere) -, as datas, os locais e alguns outros elementos minimamente relacionados com a elaboração dos textos. Mas um só poema é toda a vida de um homem e tenho por manobra de diversão revelar a outrem uma coisa não menos íntima do que a mais íntima peça de roupa. Limito-me a citar um exemplo:

O «Poema de carnaval», constante deste livro, devia incluir um epígrafe que nem a primeira edição incluída, mas se encontra, escrita à mão, no referido exemplar de uso pessoal: «Num segundo entreviu a sua solidão medonha, fundamental, a solidão dos filhos de Deus.» Como toda a gente sabe (isto é, como pouca gente sabe), trata-se de uma frase extraída de La joie, de Bernanos, autor aliás que, embora ou porque convictamente católico, também escreveu um livro como Les grands cimetières sous la lune.

Mas para quê, pergunto eu, fornecer a essoutro autor que afinal é o leitor ou o crítico um elemento que só poderá servir para desnortear? Efectivamente, de duas uma: ou o poema em questão sugere a solidão fundamental de um homem. Para quê explicar então o que porventura não alcançou realização artística, o que na melhor das hipóteses nem a terá talvez mesmo desencadeado? Além de que a arte fica e o comentário petrifica. O poema é o que era há dez anos e, por muito que tenha envelhecido seja para quem for - decerto para ninguém terá envelhecido tanto como para mim -, que pode significar, aos olhos de um homem realmente do nosso tempo, a atribuição de uma sua filiação a um deus que, por mais divino que seja, não pode ser tanto seu pai como o homem ou a terra?

Para um poeta que, quanto à concepção do poema, perfilha a doutrina designadamente de Horácio e de Sá de Miranda, dois eternos autores de vanguarda, para um poeta que portanto só publica textos que, por haver longamente limado, tem por definitivos, não pode deixar de ser mau sinal ver-se na obrigação de, num caso ou noutro, proceder a alterações. Mas talvez lhe possa servir de consolação a ideia de que a perfeição é coisa de mortos.

Agora reparo que me propunha fornecer uma simples explicação e talvez tenha falado de mais. Apesar disso espero que neste livro, mesmo de estreia, a minha poesia seja de alguma maneira essa poesia silenciosa a que Gastão Cruz, grande poeta e grande conhecedor de poesia, embora meu amigo e portanto suspeito, aludia em depoimento se não estou em erro inserto num número recente de Crítica, jornal que, não sei bem como, me veio ter às mãos aqui a Madrid, uma das cidades do mundo mais distantes de Lisboa.

Madrid, 16 de Fevereiro de 1972

*Ruy Belo refere-se à 2.ª edição, de 1972, de Aquele  Grande Rio Eufrates (N.E.- Nota do Editor).

Em: RUY BELO - TODOS OE POEMAS, Círculo de Leitores, 2000,  pp. 15 a 21.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

RUY BELO - Cidadão de longe e de ninguém - Maria Jorge Vilar de Figueiredo

                                        

 

«Passeou pelos espelhos dos dias / suas clandestinas alegrias / que mal se reflectiram desertaram»

 Ruy Belo - Aquele Grande Rio Eufrates               

    

 

 

Ruy Belo começou por ser, para mim, apenas um nome que, num longínquo dia de Primavera, alguém pronunciou num dos corredores da Faculdade de Letras de Lisboa. Corria o ano de 1962, nessa «pátria sem país por trás», eram cinzentos e tristes os dias das pessoas, e a Primavera de todos nós chegara com a violência daqueles que decretavam alegrias e tristezas, palavras e silêncios. De Ruy Belo só sabia que escrevia versos.

Não fui, portanto, amiga de Ruy Belo, nunca lhe li os versos sem ser em letra de forma, nunca lhe ouvi as gargalhadas de criança, nunca com ele comi castanhas assadas em fins de tarde de tourada, nunca senti o peso dessa enorme solidão que se vai aceitando na memória de um largo, de um jogo, da mansidão de um paul, da majestosa sombra de um plátano, de um risco de giz a desenhar a frescura das manhãs, nunca me falou de raparigas de rosto claro e rosado como as macãs do regresso da escola, nunca veio acordar-me a desoras para um copo de vinho ou uma conversa que ajudasse às madrugadas, nunca perdemos o olhar no mesmo Verão, no mesmo mar.

Também não sou sua conterrânea. Não houve torre de igreja a cobrir-me a infância, não li o jornal na mesma adega, nunca fui à «festa da azeitona», nunca vi na Primavera aquele rio que «rápido subia» e «os barcos [navegar] entre a vinha». Não conheci o ferrador que vinha de Almoster à quarta-feira, o barbeiro Marcelino, o Liovigildo, o Marcolino, a dona da farmácia, nem sei de noivos que iam casar-se de carroça. Nunca fui às «lavegadas / onde as mulheres mondavam as searas», nem vi ao fim da tarde aquele «sol-poente sobre si redondo / [...] / e prestes a cair no mar», ou senti que o vento trazia «a moinha da eira», ou me dediquei à «inspecção minuciosa de pauis, cômoros, marachas». Nunca ouvi o «búzio da azeitona [aspergindo] em leque o som inabalável / nos leves ondulados e restritos renques das mais longínquas oliveiras conhecidas», nem provei «esse peixe da infância que vem na enxurrada», nunca em dia de S. José fui dançar às Ómnias, não sei em que época decorre a feira da Piedade, nem houve pátio onde o meu olhar de adolescente medisse o tempo pelo alastrar da sombra na parede.

Quanto ao «Portugal futuro» que foi, para tantos de nós e durante tanto tempo, mais sonho que ambalava dias do que imagem real a ficar, um dia, «mais fixa do que nas fotografias», a nossa luta foi a mesma, primeiro na recusa de pertencer a essa «gente sonolenta» para quem «[era] possível consentir na vida / sem pelo menos lhe imprimir a marca do polegar», e na consciência de «uma dor chamada portugal», país que « fora de nós em nós»buscávamos. Depois, confirmada já a «hipótese da apoteose», quando as «vagas vinganças entrevistas» se foram esfumando na alegria de ermos finalmente um país, esse «paul recuperado», quando as janelas deixaram de ser «tão tristes como dom duarte», e Portugal deixou de ser «um país vencido / que só buscou no mar razão de ser», a nossa luta foi a mesma, mas nunca estivemos lado a lado, na mesma trincheira.

Não fui, portanto, amiga, conterrânea, ou companheira de luta de Ruy Belo.

Fui apenas sua contemporânea, simples questão de idade, devo tê-lo visto nalgum eléctrico onde esperava pelo fim da viagem, ou pelo fim do poema, devo ter-me cruzado com ele à saída do metro, nalgum cinema, nalguma cervejaria, por aí. E nunca soube que o vira, que me cruzara com ele, que estivéramos por uns instantes nos mesmos espaços, escondidos cada um de nós pela capa (in)cómoda do anónimo que somos sempre para quem nos não conhece.

Também nunca andei pelas livrarias à procura dos seus livros, nem vasculhei páginas de jornais e revistas à cata de referências que me permitissem situá-lo, analisá-lo, dissecá-lo nos seus versos.

Por tudo isto, só poderia começar a falar de Ruy Belo apoiando-me em indícios cronológicos ou referências à sua vida privada - que, segundo ele próprio, «é coisa que não gostaria de não ter mas que afinal tenho» -, se recorresse a informações biográficas que outrem foi recolhendo, decerto com objectivos muito legítimos e tidos por imprescindíveis para o que é costume considerar-se o conhecimento de alguém. Não o quis fazer. Limito-me a saber que nasceu, viveu - e viveu muito - e que, provavelmente, deve ter morrido na data em que a televisão noticiou a sua morte. Ou terá apenas adormecido, finalmente?

Não tendo sido amiga, conterrânea ou companheira de luta de Ruy Belo, e não tendo nunca ambicionado ser crítica literária, não pertenço ao número daqueles que o próprio poeta refere em Breve Programa para Uma Iniciação ao Canto: «Alguém se encarregará de institucionalizar o escritor, desde os amigos, os conterrâneos, os companheiros de luta, até aquelas pessoas ou coisas que abominou e combateu. Acabarão por lhe encontrar coerência, evolução harmoniosa, enquadramento numa tradição. Servir-se-ão dele, utilizá-lo-ão, homenageá-lo-ão. Sabem que assim o conseguirão calar, amordaçar, reduzir.»

Em: Antologia Poética RUY BELO Cidadão de longe e de ninguém, Maria Jorge Vilar de Figueiredo, Círculo de Leitores, 1999, pp. 5 a 7. 

Nota: este pequeno trecho foi transcrito do Prefácio, escrito pela autora acima referida, à obra supracitada.     

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Saiba como baixar a sua conta da eletricidade – João Reis

O título deste artigo não é clickbait, vou mesmo ensinar-lhe uma forma de baixar o seu preço da luz. Nesta altura estará a perguntar-se: qual é o truque? Existe um truque de facto, ou melhor dois truques.

O primeiro truque passa por investir em energias renováveis. Agora segue a pergunta: energias renováveis? Mas essas coisas não servem para subir a conta da luz?

Longe vão os dias em que as energias renováveis representavam um fardo nas contas. Na última década, o custo da eletricidade a partir de fontes como o solar e eólicas caiu a pique. Ainda antes da escalada dos preços de gás, petróleo e carvão do último ano, as renováveis já eram uma fonte de poupança.

A fatia que estas representam nos sistemas elétricos é cada vez maior. A nível mundial, as renováveis já produzem mais eletricidade do que o gás, e prevê-se que nos próximos anos superem o carvão. Em Portugal, as fontes hídricas têm um longo histórico, as eólicas já são uma parte essencial do setor energético e a solar caminha para tal.

Apesar disso, tem sido difícil alguém olhar para a conta da luz e perceber o papel que as renováveis têm em baixá-la. Em especial com o vigente “modelo marginal” de fixação preços, em que a fonte de energia mais cara (isto é, o gás) empurra para cima todos os preços.

Como ilustrado pelo atual mecanismo de preços, mesmo com a crescente presença das renováveis, as grandes energéticas têm continuado a lucrar desmesuradamente com a produção elétrica. Enquanto extorquir o consumidor comum de energia continuar a ser uma possibilidade, as grandes empresas irão procurar formas de o fazer. Apesar das conversas a nível europeu para uma mudança do sistema de preços, é difícil vislumbrar mais do que uma mudança cosmética.

É este ponto que nos leva ao segundo truque: o setor energético passar a servir o interesse público e não o das grandes empresas.

É crucial que esta seja uma transição rápida para as renováveis, não uma transferência gradual na qual permanece intacta a moldura em que as empresas do costume continuam a extrair lucros colossais. Olhando para o setor petrolífero, quer em Portugal no caso da Galp que quase duplica os lucros, quer pelo mundo fora, os lucros dos últimos meses atingiram níveis que são insultuosos para quem sofre com crise do custo de vida. Como se não bastasse, as multinacionais estão a investir esses mesmo lucros em expandir a produção de combustíveis fósseis, assegurando que continuaremos a depender dessas fontes não renováveis por muitas mais décadas.

A passagem para as renováveis não é trivial. A intermitência, a dispersão e a necessidade de eletrificação colocam desafios que têm de ser superados com investimentos em transmissão, armazenamento e eletrificação, mas ao contrário do que é frequentemente afirmado, não dependem de milagres tecnológicos.

Para grande parte dos consumos, as tecnologias já existem, e a viabilidade de sistemas baseados em energias renováveis é consensual.

Os desafios da transição energética tornam ainda mais vital que o interesse público a conduza, não deixando aspetos cruciais à mercê dos mercados, cuja derradeira necessidade é a procura do lucro. Uma transição energética que se traduza em acesso universal a energia para todas as pessoas, através da criação de um serviço público de energias renováveis, que garanta uma transição justa para os trabalhadores dos setores poluentes, e que crie milhares de Empregos para o Clima dignos e de qualidade, é possível, e é o plano para baixar as contas.

Passar para um sistema de energias renováveis a preços suportáveis é possível, mas para o conseguir, o truque é mesmo pôr mãos à obra e não deixar os lucros esvaziarem os bolsos dos do costume.

 

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Lucros recorde, padres pedófilos e assassinos de civilizações – João Camargo

Começando pelo imediato, os resultados operacionais da Galp ascenderam em 2022 a 3,85 mil milhões de euros, e a empresa lucrou 881 milhões de euros líquidos no negócio do petróleo e do gás. Quando pensamos na crise do custo de vida em Portugal e na Europa, ela tem um fator desencadeador, que promoveu o aumento dos preços, um fator que manteve a inflação e que se repercutiu em todos os momentos desde 2021: os preços do gás e do petróleo. São esses mesmos preços absurdos que produziram os maiores lucros de sempre da história das petrolíferas. Em 2022.

Quando sairmos à rua em protestos contra o aumento do custo de vida, em todos mas também em cada um dos sectores – seja pela falta de salários que acompanhem a inflação, seja pela tragédia dos aumentos dos preços das casas que já eram incomportáveis, pelos preços do transportes, de cada ida às compras -, devemos saber onde colocar a responsabilidade pelo que nos está a acontecer, e é a indústria fóssil, de todas e de nenhuma nacionalidade, sem pátria que não seja a da exploração absoluta. A invasão da Ucrânia pelo exército russo piorou a situação, mas não a desencadeou.

Quando protestarmos contra os lucros obscenos da Jerónimo Martins, do Montepio, da SONAE ou da Navigator Company, quando olharmos para os aumentos generalizados de rendas de casas, precisamos de reconhecer o oportunismo intrínseco destas empresas e senhorios, que a cavalo da inflação que já existia escolheram recompensar-se sem limites, face à fraqueza dos Estados que se renderam aos mercados como entidades divinas. Mas só o puderam fazer por causa das petrolíferas. Só puderam açambarcar e especular com o panorama de guerra porque vivemos em economias que foram deliberadamente viciadas em combustíveis fósseis.

Precisamos também de reconhecer como esta crise de custo de vida foi depois multiplicada pela ortodoxia do liberalismo económico, que rejeita qualquer realidade social ou ambiental pelas regras fantásticas da “academia” da economia neoliberal. A decisão política foi rendida à tecnocracia dos bancos centrais, “independentes” da democracia e da sociedade, independentes do escrutínio e seguramente independentes e blindados das consequências das suas decisões. A decisão destes bancos foi aumentar as taxas de juro e tornar todos os empréstimos mais caros. Numa sociedade com péssimos salários e por isso mesmo endividada até ao cabelo, isso significa uma só coisa: mais pobreza. Significa empréstimos mais caros, rendas mais caras, significa menos dinheiro sobre menos dinheiro.

Assim, pagámos os lucros de empresas como a Galp de pelo menos cinco maneiras:
No aumento direto dos custos da eletricidade e gás;
Na maioria dos produtos de primeira necessidade (especialmente comida);
Na compressão salarial (onde houve aumentos salariais, foi sempre abaixo da inflação);
Nos cortes de impostos aos combustíveis e empresas fósseis e de energia;
No aumento das taxas de juro.

Mas estamos longe de este ser o fim do problema. É aliás a questão menor do problema.

A divulgação, a 13 de fevereiro, dos maiores lucros da sua história da Galp coincide com a divulgação do relatório de abusos sexuais de crianças por parte da Igreja Católica em Portugal, que promete fazer correr toda a raiva e nojo que merece. A divulgação nesta data consegue ofuscar toda raiva e nojo que deveria ser levantada contra o crime histórico da Galp.

As palavras serão sempre curtas perante a enormidade dos factos e eventos históricos que estamos a viver. Em 2022 foi novamente quebrado o recorde de emissões de gases com efeito de estufa a nível global, e foi também o ano mais quente alguma vez registado na Europa, tendo-se verificado a maior seca dos últimos 500 anos no continente, enquanto na China ocorreu a maior seca de sempre. Estamos a caminhar perigosamente para o abismo, e continuamos a acelerar. É o negócio da Galp e das petrolíferas que está a provocar a crise climática. Quem nos empurra e mantém à beira do abismo são empresas como a Galp e os governos que a elas se submetem.

A existência de empresas como a Galp, em 2022, é um crime por si só. A continuação da sua existência, expansão e funcionamento são crimes muito além dos inomináveis crimes sexuais da Igreja Católica. Empresas como a Galp estão a matar o futuro de todas as gerações, a assassinar a civilização.

Estes crimes têm de ser travados.


Artigo originalmente publicado no Expresso a 14 de Fevereiro de 2023.


Serra da Estrela: Balanço e Prospetiva - fogos do verão passado; seu relevo na região e no Parque Natural da Serra da Estrela

Debate promovido pela Aliança pela Floresta Autóctone

Inscreva-se até 19 de fevereiro para o debate que se realiza em telerreunião no dia 22 de fevereiro, quarta-feira, às 21:00

Para se inscrever:

https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLScfFkrfERtXqPV54ie7edqwmTXEZuxZS506fInJ8-red_yG5w/viewform?usp=pp_url

Se ainda não é subscritor da Aliança pela Floresta Autóctone, visite a sua página eletrónica:
        https://florestautoctone.webnode.pt

e  pode subscrever o Apelo aqui:

O apelo tem subscritores individuais (cerca de 1350) e subscritores coletivos, formais e informais (algumas dezenas).

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Quem não se espanta com os sucessivos fogos que destroem o equilíbrio ecológico e a biodiversidade numa região em que, devido à existência do Parque Natural, todos os cuidados deveriam estar presentes?

Como é possível compreender o desleixo, a indiferença, a vastidão das ameaças que nada parece poder parar?

Convidados iniciais para o arranque deste debate, a Eng.ª Silvicultora Maria Carolina Varela; a Associação dos Amigos da Serra da Estrela; e a associação Guardiões da Serra da Estrela.

Haverá inicialmente uma breve introdução dos organizadores (Aliança pela Floresta Autóctone), seguida de três intervenções de cerca de 15 minutos cada, a primeira pela Engenheira Maria Carolina Varela, a segunda pela Associação Amigos da Serra da Estrela, e a terceira por Manuel Franco, vice-presidente da associação Guardiões da Serra da Estrela. Segue-se o debate com os presentes, até cerca das 23:00.

A ligação (link) será comunicada aos inscritos alguns dias antes do debate.

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MARIA CAROLINA VARELA

 

Engenheira silvicultora pelo ISA – Instituto Superior de Agronomia, investigadora em temas florestais, atualmente aposentada, tem numerosos estudos publicados, incluindo sobre genética florestal, conservação dinâmica das florestas, estudos sobre o sobreiro, montados de sobro e azinho, da espécie pinus pinea, sobre as raízes profundas dos fogos de 2003 em Portugal.


ASSOCIAÇÃO CULTURAL 

DOS AMIGOS DA SERRA DA ESTRELA

 

Associação Cultural dos Amigos da Serra da Estrela (ASE) é uma Organização não-Governamental de Ambiente (ONGA) portuguesa, registada na lista oficial das Organizações Não-Governamentais de Ambiente e Equiparadas.

É uma das principais referências de defesa ambiental na Serra da Estrela, o ponto mais alto de Portugal continental, é filantrópica, com mais de 1250 Associados. É também uma das ONGA mais antigas no pais.

Vive do voluntariado dos seus membros e amigos, cuja motivação comum é simplesmente a preservação da Serra da Estrela enquanto património nacional.


MANUEL FRANCO


Licenciado em Ciências do Desporto, trabalha como técnico de animação turística desde 2004. Praticante de desportos de Montanha e Natureza, descobriu desde tenra idade a sua paixão pelas montanhas portuguesas, em particular pelo território dos «Hermínios» tendo-se fixado nessa região em 1998. Sempre inspirado pela resiliência da Estrela, fez parte do grupo fundador do movimento «Guardiões da Serra da Estrela» em 2017, que deu origem à associação da qual hoje é vice-presidente.


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terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

ESCOLA PÚBLICA E SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE: A MESMA LUTA

A Escola Pública é uma conquista, das várias que o movimento popular conseguiu após o derrube da ditadura fascista/colonialista (Estado Novo), assim como o Serviço Nacional de Saúde e, de todas essas conquistas, são as que ainda não foram totalmente destruídas, devido à resistência e luta das pessoas que nelas trabalham e aos movimentos sindical, social e popular, ainda que estes tenham sofrido um retrocesso assinalável, apesar de os sucessivos governos as terem vindo paulatinamente a degradar, ao mesmo tempo que financiam o negócio privado da educação e da saúde, com vista a acabar com a Escola Pública e o Serviço Nacional de Saúde que correspondem a um direito básico de todas as pessoas.

Sejamos claros, foram conquistas obtidas com a participação activa empenhada e determinada de milhares, mesmo milhões de pessoas, ao contrário do que nos impingem, que envolveram as pessoas que neles trabalham e muitas outras dos mais variados sectores de actividade. Por isso, para travar a continua destruição da Escola Publica e do Serviço Nacional de Saúde e defender a retoma do desenvolvimento e consolidação de ambos, é necessário e urgente agregar as lutas, unir e mobilizar todas as pessoas que, de facto, querem assegurar o direito à educação, à saúde, à medicina preventiva públicas e universais, que satisfaçam as necessidades das actuais e futuras gerações.

Porque, o nível de degradação a que o Serviço Nacional de Saúde e a Escola Pública, assim como as condições de trabalho de todas as pessoas que neles trabalham, chegaram, demonstra-nos que as lutas travadas até agora não foram suficientes para parar o processo de destruição, apesar de conseguirem defender o essencial e não permitirem a sua destruição total, ainda que a sua degradação seja real, como pretendiam os sucessivos governos, presidências da república e maiorias parlamentares.

A defesa da Escola Pública e do Serviço Nacional de Saúde é um imperativo de todas as pessoas e não apenas das pessoas que neles trabalham, muito menos, contra as pessoas que lutam em sua defesa.

Nada nos foi oferecido, tudo foi conquistado com muita luta, trabalho e algumas derrotas, como, por exemplo, a destruição, o desmantelamento, por imposição governamental, das Caixas Sindicais de Previdência dos Trabalhadores, existentes em vários sectores de actividade, entre outros, nos Jornalistas e Tipógrafos.


sábado, 11 de fevereiro de 2023

 

Devemos abolir os jatos privados? – Noah Zino

Este janeiro soube-se que a desigualdade de emissões entre classes é maior que entre países. Uma viagem de jato privado emite, por pessoa, 10 vezes mais gases com efeito de estufa que um voo comercial. Menos de 0.1% das pessoas alguma vez puseram pés num.

Aos ouvidos de uma criança, razão suficiente para os abolir não falta, falta sim bom senso. E este brota abundantemente no movimento pela justiça climática.

Não bastava a aviação privada ser a indústria de transporte mais desigual, é também a mais poluente: as emissões causadas por um voo de jato privado entre Londres e Nova Iorque são superiores às que uma família portuguesa média fará num ano inteiro da sua vida.

Não nos acanhemos de apontar responsáveis. Segundo o Emissions Gap Report de 2020, da ONU, este minúsculo grupo (<1%) é responsável por mais de 97% das emissões e tem de as cortar na mesma proporção para que o mundo fique abaixo dos limites definidos pela ciência para prevenir o colapso climático.

Se os jatos privados já são o meio de transporte mais poluente e injusto em plena crise climática, porque continuam a existir e estão aliás em proliferação? Em todas as cimeiras do clima se pergunta: porque vão os governantes para lá de jato?

Os jatos privados são o cúmulo da hipocrisia e da inação climática, o sintoma perfeito da razão pela qual vivemos em crise. Quem governa, ou quem rege quem governa, é efetivamente responsável pela crise climática. E se historicamente todas as grandes mudanças sociais exigiram resistência ativa à injustiça, a maior crise que já enfrentámos não será diferente.

Nos anos 80 populações no norte de Portugal tiveram de arrancar ilegalmente 200 hectares de eucaliptos para a serra parar de arder, face a um estado e mercado ossificados. Terão de ser as pessoas normais a colocar mais uma vez a vida acima do luxo, desta vez perante um planeta em chamas.

Internacionalmente, esta é a tendência. No aeroporto de Schiphol, nos Países Baixos, um grupo de 300 pessoas invadiu a pista e impediu descolagens, cortando durante essas horas mais emissões da aviação do que o governo português planeia cortar esta década.

Em Portugal lançou-se a campanha Abolir Jatos Privados, focada em ações diretas e sem precedentes, tomando as crises do clima e da desigualdade com a seriedade que merecem.

Se nem nos conseguimos livrar das emissões absurdamente desnecessárias, como vamos chegar ao zero? Se é preciso cortar emissões comece-se pelas que só aos culpados fazem falta.


Artigo originalmente publicado no Expresso a 10 de Fevereiro de 2023.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Lützerath: sabotagem e radicalismo verde – Diogo Silva

Tinha chovido a potes nos últimos dias e a polícia foi convocada para trazer toda a força do Estado contra as últimas pessoas resistentes. O cenário parecia de guerra: lama e polícia por todo o lado; casas ocupadas em terra e nas árvores, num ato de resistência final; e, a apenas umas dezenas de metros, um precipício sobre a mina de carvão com dragas enormes que transformam com a sua passagem qualquer paisagem rural num campo uniforme e preto digno de filmes de ficção científica. Lützerath pode vir a não ser mais do que uma memória. As casas serão demolidas, o entulho mandado para outro lado, todo o solo terraplanado, e aquelas belas máquinas do tamanho de prédios poderão então escavar a memória ainda mais fundo para chegar à matéria orgânica multi-milenar decomposta e ali arquivada debaixo do solo: o carvão.

O Governo federal tem Verdes, o Governo estatal tem Verdes, as palavras são verdes e até a destruição foi pintada de verde. Lützerath será destruída para que outras aldeias não o sejam, num acordo celebrado com a empresa RWE (agora proprietária do solo da aldeia), por “permitir” manter a meta de não haver mais exploração de carvão na Alemanha a partir de 2030 e reduzir a dependência energética da Rússia.

Este cenário de celebração Verde assume um radicalismo que não vê alternativas, que sabota o seu próprio discurso e as nossas vidas. Podemos ter independência energética sem ter dependência fóssil, nem a dependência nos interesses anti-democráticos dos 1% de ricos subsídio-dependentes que lideram economias inteiras a partir do seu luxo (des)confortável, à custa da injustiça gritante do nosso custo de vida a aumentar cada vez mais. Como se vê pelo investimento na guerra, basta querer e o dinheiro aparece.

Na Alemanha, como em Portugal, Governos que muito falam de ação climática estão radicalmente presos a ideias que sabotam qualquer justiça climática. Só podemos contar com eles para lutar contra nós: veja-se Lützerath, e veja-se a detenção e acusação recente de ativistas pacíficas nas Ocupas pelo Fim ao Fóssil.

Na Alemanha, como em Portugal, este movimento só vai ser bem-sucedido se além de saber que não nos vão salvar, estiver unido na sua diversidade tática e a inspirar quem ainda nos vê a juntar-se a nós. Em Lützerath, mais de 35.000 pessoas manifestaram-se de no local, outros milhares se juntaram pela Alemanha fora, a solidariedade internacional fez-se ouvir, e o bloqueio no terreno permitiu que uma aldeia, que facilmente teria sido despejada se não houvesse resistência ilegal a uma lei legal e injusta, resistisse durante mais de duas semanas contra o avanço de uma polícia em força máxima, e a anos de intimidação prévia.

Sem a concordância de base na necessidade de defender Lützerath e a coordenação do movimento na diversidade de táticas, não teria havido a resistência prolongada que trouxe visibilidade ao confronto desigual e reforçou um movimento que tem estado mais separado do que coordenado.

Temos até 2030 para cortar 50% das emissões globais. Ao dia de hoje, elas continuam a aumentar, e as nossas hipóteses a diminuir a cada hora. Temos cada vez menos tempo para tornar inevitável o que agora ainda parece impossível e só na mobilização da sociedade podemos depositar a nossa esperança. Por isso é que o movimento em Portugal se vai reunir em fevereiro em Coimbra, num Encontro Nacional por Justiça Climática.

Possa Lützerath inspirar-nos a passar da fraqueza da ação temporária à força da coordenação permanente no bloqueio de qualquer avanço radical, mesmo que pintado de verde, e construção de um futuro em que a economia esteja sempre ao serviço da vida, e a desigualdade atroz que vivemos hoje seja relegada para os livros de História de amanhã.


Artigo originalmente publicado no Público a 04 de Fevereiro de 2023

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

 

A batalha de Lützerath – João Camargo

Em Lützerath estiveram em confronto duas forças históricas. De um lado, o movimento pela justiça climática, que há décadas se organiza e que desde 2019 se tornou um movimento global de massas. Em oposição a este, a RWE, multinacional alemã de carvão, e milhares de polícias vindos de pelo menos 14 cidades alemãs, em defesa das decisões do governo federal alemão e do governo da Renânia do Norte – Vestfália. Mais do que simbólica, a batalha de Lützerath travou-se por iniciativa do movimento pela justiça climática para travar a extração de 280 milhões de toneladas de carvão que estão por baixo da devastada aldeia.

Durante os últimos dois anos, centenas de ativistas ocuparam as casas da aldeia. Entretanto os governos federal e estadual e a RWE negociaram e coagiram os habitantes de Lützerath, abreviada para Lützi, a desocuparem as casas que habitavam. No início deste ano, mais de 300 pessoas montaram várias estruturas para resistir ativamente à destruição, evitando o despejo e a demolição das casas e abate da floresta, marcada para 10 de Janeiro. Os ativistas que lá estavam, assim como outros que se juntaram, barricaram casas, portas e janelas, ruas, construíram casas nas árvores e prepararam-se para o embate.

Do outro lado, não estava apenas uma empresa, mas grande parte do aparelho de Estado alemão, posto em campo a favor da expansão da mina de Garzweiller e da indústria fóssil. O estado alemão mobilizou milhares de polícias e sua infraestrutura, vindos de todo o país, para expulsar os ativistas e deixar passar as máquinas. A polícia alemã usou as empresas de comunicação da RWE, camiões, instalações e máquinas da RWE na sua ação, numa verdadeira parceria público-privada. O Estado alemão gastou milhões de euros para garantir o direito à destruição de Lützi pela RWE.

No centro da decisão da destruição da aldeia para expansão da mina de carvão está o partido “Os Verdes”. Faz parte do governo da Renânia do Norte – Vestfália, em coligação com a CDU (direita) e faz parte do governo federal alemão em coligação com o SPD (centro-esquerda) e o FDP (centro-direita). O Vice-Chanceler e ministro da Economia e Ação Climática é mesmo Robert Habeck, ex-líder e dirigente d’Os Verdes. Os resultados eleitorais deste partido em 2021, com 14,8%, foram conseguidos após as enormes mobilizações pelo clima no país. O partido justifica o seu apoio à decisão de destruir Lützi para expandir Garzweiler indicando que assim a RWE antecipará para 2030 o fim do carvão em vez de em 2038. No entanto, a expansão de Garzweiler significa apenas que queimará o carvão mais rápido, o que na verdade ainda piora a situação em termos de crise climática.

Na quarta feira, 11 de Janeiro, filas de polícias a perder de vista, a pé, a cavalo e em jipes marcharam sobre este lugarejo como se fossem um exército, com tanques, helicópteros e canhões de água, preparados para combaterem um autêntico inimigo. Em Lützi encontraram dezenas de ativistas pendurados em tripés em todas as ruas, nos telhados de casas, presos e equilibrados no topo das árvores. O aparato policial precisava de escaladores, mas trazia escudos, cassetetes e gás pimenta, à procura de violência, que só a espaços e em pequenos recontros encontrava. Entretanto, funcionários da RWE cortavam com serras elétricas as árvores onde ativistas resistiam, abatendo a floresta para dar espaço a mais carvão. Não pararam um momento durante os três dias seguintes, com turnos de polícias a retirarem e a prenderem um a um os ativistas pela madrugada dentro. Parecia que tudo ia acabar antes do fim-de-semana. Foi nessa altura que receberam a notícia de que havia um túnel subterrâneo, escavado pelos ativistas, onde duas pessoas – autodenominadas Pinky e Brain – resistiam debaixo de Lützi, mais perto do carvão mas longe da mão pesada da polícia. A força bruta, os milhares de polícias mobilizados, os milhões de euros gastos, não podiam tudo.

Fora de Lützi, a questão tornou-se enorme em termos de comunicação, com uma parte da imprensa alemã a chamar aos ativistas “terroristas climáticos”, enquanto sedes dos Verdes e da RWE eram ocupadas e ações internacionais de solidariedade aconteciam em países um pouco por todo o mundo. Foi feita uma sondagem na Alemanha acerca da manutenção de Lützerath, e 59% das pessoas pronunciaram-se a favor, com 33% a favor da demolição.

No sábado, pelo menos 35 mil manifestantes vieram até Lützi, incluindo Greta Thunberg. Milhares de polícias cercaram a manifestação enquanto esta avançava, outros cercavam a aldeia. Milhares de manifestantes invadiram a mina de Garzweiler e obrigaram à paragem dos trabalhos de extração de carvão. A polícia fez cargas violentas em pequenos grupos, experimentando táticas de guerrilha contra os ativistas, embora as imagens mais marcantes tenham acabado por ser a detenção de Greta e um grupo de polícias atolados na lama, gatinhando para tentarem pôr-se de pé, perante um “monge da lama”, imune a afundar-se. A polícia conseguiu evitar que os manifestantes “reconquistassem Lützerath”, mas precisou de usar toda a espécie de meios para fazê-lo. Nos dias seguintes, a coligação Ende Gelaende invadiu a mina de Garzweiler e obrigou à paragem da extração de carvão inúmeras vezes.

Apenas no dia 16 de janeiro Pinky e Brain saíram do túnel debaixo de Lützi, por sua vontade, uma vez que a polícia não tinha de retirá-los. No dia 23 a polícia e a RWE declararam a aldeia despejada.

Lutzerath está neste momento arrasada. Ao seu lado, a mina de carvão que a vai começar a engolir parece a superfície da Lua, um território irrecuperável por milhares de anos. Esta foi a conquista da aliança capital fóssil – Estado alemão.

A detenção de centenas de ativistas e a expectável condenação de alguns deles a penas de prisão serão os passos institucionais que se seguem. Mas algo essencial mudou com a Batalha de Lützerath. A mobilização e utilização massiva dos recursos do Estado para garantir a continuação da destruição foi necessária. E sê-lo-á muito mais vezes, com o agravar da crise climática.

No Reino Unido, novas leis draconianas contra o direito à greve e sobre as manifestações políticas foram aprovadas para tentar conseguir travar o Just Stop Oil, o Insulate Britain, o que sobra do Extinction Rebellion e a forte onda de greves no território. Ativistas climáticos em vários países da Europa estão a ser detidos preventivamente para tentar travar grandes ações disruptivas. Nos Estados Unidos um ativista climático que protegia uma floresta na Geórgia foi assassinado a sangue frio pela polícia.

Claro que nada disto é novidade em países mais pobres na América Latina, na Ásia ou no continente africano. A novidade é estarem a acontecer mesmo nos centros de poder do capitalismo.

Na escolha entre travar o colapso climático ou acabar com o privilégio do lucro capitalista, o sistema decidiu: vai mobilizar todos os recursos que forem necessários para manter a destruição. Não só não vai fazer o que reconhece ser necessário e o que assinou em acordos como o de Paris, mas usará da força bruta para manter a máquina imsaciável do lucro a funcionar, mesmo que tal custe o colapso climático. Aliás, sabendo que isso custaria o colapso climático se o movimento desistisse ou se resignasse.

Qualquer protesto climático (ou social) consequente terá de ser proibido.

Isto será feito tanto com o aval dos Verdes na Alemanha como com o do Labour no Reino Unido, e por tantas organizações políticas mais preocupadas com a ordem do que com a vida. Escolheram o campo da catástrofe.

Se recordarmos que o anunciado presidente da cimeira do Clima deste ano é o presidente de uma das maiores petrolíferas do mundo, fecha-se o nó: a via institucional para travar a crise climática enforcou-se em público e todos podemos observar o seu cadáver a baloiçar. Nenhuma eleição e nenhuma cimeira vai travar o caminho para a catástrofe desenhado pelo capitalismo. Sem a ação e a coragem do movimento pela justiça climática não haverá caminhos para o futuro. Além de parar o dano atualmente feito, tem de construir a transformação que o momento histórico em que vivemos exige.

A batalha de Lützerath marca o início de uma nova etapa. O sistema já escolheu: quer o colapso e confrontará violentamente quem se lhe opuser. Em Lützi o movimento já mostrou que não vai recuar. Chegou a hora do movimento avançar.


Artigo originalmente publicado no Expresso a 01 de Fevereiro de 2023