segunda-feira, 21 de agosto de 2023

As Célebres Greves da linha de Vila Franca, Maio de 1944 -- Lino Santos Coelho

A GREVE DE 8 DE MAIO DE 1944

(...). Empregara-me entretanto na Fábrica de Chitas de Sacavém ("Têxtil do Sul"). (...) Deram-se por esta altura as célebres greves da linha de Vila Franca, de Maio de 1944.

O 8 de Maio de 1944 é uma data memorável, por ter sido uma das maiores greves até então feitas no nosso país. Foi uma grandiosa manifestação de repúdio ao regime fascista, à miséria e à exploração capitalista. Milhares e milhares de trabalhadores paralisaram e incorporaram-se numa manifestação, de Vila Franca até à fábrica da Covina. O fascismo tremeu e só não tremeu mais porque muitas indústrias nos arredores falharam à última hora.

Nesse dia, - Lino Coelho dirige-se a Alhandra - a fim de incentivar os manifestantes a marcharem em direcção à Covina e acompanhá-los até ali. Com as palavras de ordem "Temos fome abaixo a miséria" e "os ricos que tenham menos para os pobres terem menos fome", foi percorrida a pé a distância de Alhandra à Covina.

À frente da manifestação seguiam muitas mulheres e entre elas, empunhando uma bandeira preta, a mulher do querido camarada Soeiro Pereira Gomes, Manuela Câncio Reis. No trajecto, nas bermas da estrada, muita gente nos saudava, batendo palmas e dando vivas aos trabalhadores, vendo-se algumas limpando os olhos e acenando os lenços.

(...).

Ao chegarmos à Povoa de Santa Iria, onde éramos esperados, juntaram-se mais umas centenas de trabalhadores à manifestação vinda da Fábrica da Soda, dos Moinhos de Santa Iria, da Fábrica Velha e de outras fabriquetas. À saída da Póvoa, começamos a encontrar a GNR em motos e a tentar impedir-nos de seguir, o que não conseguiram. Ao aproximarmo-nos da Covina, deparámos com uma forte resistência da GNR que ali estava concentrada à nossa espera. Conseguiram travar-nos a marcha, pois tinham ali um forte contingente motorizado.

Um tal capitão Ferreira, que comandava a repressão, atirou-se à camarada que levava a bandeira preta, tentando agredi-la, o que não conseguiu por nos termos oposto. A camarada, muito tesa, nunca largou a bandeira, chegando mesmo a cair com os safanões do capitão. Gerou-se grande confusão, havia tiros de espingarda e de metralhadora para o ar e muitos gritos, (...). Houve troca de murros e pedradas dos manifestantes.

Ao fazer barreira para a camarada se pôr em fuga, fui atingido com uma coronhada e imediatamente preso e levado para a Fábrica. (...). Pouco tempo depois, levaram-nos para a Praça de Touros do Campo Pequeno, onde passei cinco dias.

Os curros onde nos meteram cheiravam muito mal. Muitos camaradas não resistindo ao cheiro vomitavam constantemente e uns faziam os outros vomitar. Só no outro dia, já noite, é que nos deram um prato de sopa e um pouco de pão. No terceiro dia, começaram a identificar-nos e a libertar alguns. Nessa madrugada, calhou-me a vez e, depois de identificado, fui mudado para outro local, onde já estavam dez a doze camaradas. No quarto dia, fui enviado para arua António Maria Cardoso, mas só fui interrogado dois dias depois.

O primeiro interrogatório correu razoavelmente. Uns murros, uns estalos, uns pontapés, uns puxões de cabelos e muitas ameaças. As Tradicionais perguntas:

- Quem são os teus camaradas que organizaram a greve? Onde estão? Falas ou matamos-te! Se não morreres aqui, morres no Tarrafal. Sabemos muito bem quem tu és.

Também não se esqueciam das costumadas ofertas:

- Se te portares bem, arranjamos-te emprego, e bom, talvez mesmo para trabalhares connosco. É preciso é que sejas bom para nós porque nós também seremos bons para ti.

E foi neste ranga-ranga que decorreu o primeiro interrogatório. Passados uns dias, voltei à liça. Desta vez, as coisas correram um pouco pior. Houve mais violência e mais duração de interrogatório mas os métodos foram os mesmos ou parecidos.

Quando fazia quinze dias de preso, fui novamente chamado para interrogatórios. Foram mais de três horas de martírio. Tudo me fizeram, bateram-me em todas as partes do corpo. Fizeram-me descalçar e depois pisavam-me, pulando para cima dos pés até estes deitarem sangue. Rojaram-me pelo chão, puxando pelos cabelos. Quando já não podia mexer-me, tiraram-me o casaco, viraram-mo ao contrário e penduraram-me a uma porta. Os pides riam selvaticamente como loucos. Não sei quanto tempo estive pendurado, pois estava meio inanimado. Já não sentia as pancadas, estava totalmente dormente. Quase de madrugada, levaram-me para um quarto e ali estive até ser solto, dezanove dias depois, sem nunca ter assistência. Conservo ainda de memória e muito bem os pides que me torturaram nesta altura. Foram eles o José Golçalves, Oliveira, Sousa, Coelho e Domingos.

No dia em que fui libertado, antes de sair, o Gonçalves disse-me:

- Vais em liberdade mas não te esqueças de te despedir da família quando cá caíres novamente. Nós continuamos a seguir os teus passos. Depois não digas que somos maus!

Em: MEMÓRIAS DE UM REBELDE - TESTEMUNHOS DO TERROR FASCISTA, Lino Santos Coelho, Editora "Em Marcha" SCARL, Lisboa 1981, pp. 161 a 164.