quinta-feira, 27 de abril de 2023

“proTEJO discorda da construção da barragem do Alvito e considera lamentável a apresentação para consulta pública

de um powerpoint sem contexto nem devidamente fundamentado”

O proTEJO – Movimento pelo Tejo discorda da construção da barragem do Alvito, inserida num pacote de “Soluções para o reforço da resiliência hídrica do Tejo”. Esta é uma “solução” onerosa e inócua para o reforço da resiliência hídrica, e irá agravar o já precário estado ecológico do rio Tejo, sendo a primeira barragem que irá servir a estratégia do “Projeto Tejo” que prevê a construção de novos açudes e barragens no Tejo.

Considera-se lamentável a ausência de informação devidamente fundamentada e a falta de transparência e profissionalismo com que as ditas “Soluções para o reforço da resiliência hídrica do Tejo” foram apresentadas à consulta pública, que hoje termina, na forma de um pobre powerpoint governativo genérico pouco informativo, sem contextos e propostas claramente fundamentados, impedindo uma análise informada e uma apreciação exaustiva das ditas “Soluções”.

Esta falta de transparência é agravada pelo facto do processo de consulta pública das ditas “Soluções”, há muito tempo preconizadas, ocorrer apenas 3 meses após o término do período de consulta pública da proposta de Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Tejo e Oeste - 2022/2027, no dia 30/12/2022, não permitindo i que as ditas "Soluções” fossem consideradas e convenientemente diagnosticadas quanto às graves pressões e impactos no uso da água para finalidades humanas e ecológicas e impedindo que fosse realizada uma consulta pública informada, ampla e participada em sede própria do 3º ciclo de planeamento da gestão da água no qual atempadamente o proTEJO apresentou a sua posição.

Questionamos ainda quanto ao motivo pelo qual a Área Metropolitana de Lisboa foi excluída da apresentação destas “Soluções” sendo certo que o estuário do Tejo irá sofrer os fortes impactos ecológicos deste projeto de novos açudes e barragens no Tejo pela diminuição do caudal de chegada ao estuário e à foz. Também foi excluída a Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo.

Qualquer que seja a decisão tomada importa que seja realizada uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) pelo Ministério do Ambiente que integre o desenvolvimento de estudos de projetos alternativos com base nas metas da Estratégia para a Biodiversidade 2030 e das Diretivas Quadro da Água, Aves e Habitats, tendo em conta todos os contextos , ecológicos, financeiros e tecnologicamente mais eficazes, numa lógica de política de recuperação de custos dos serviços da água, de salvaguarda do bom funcionamento dos ecossistemas e de uso adequado do erário público considerando o custo de oportunidade destes projetos.

A “Solução” da barragem do Alvito não tem significância se a compararmos com a distribuição a 100% do caudal anual mínimo já previsto na Convenção de Albufeira com um regime de caudal ecológico regular, contínuo, instantâneo e medido em m3/s, de acordo com a sazonalidade já expressa nos caudais trimestrais da Convenção.

Esta distribuição do caudal anual mínimo da Convenção de Albufeira asseguraria um caudal de 45 m3/s no trimestre de verão, mais do que o dobro do máximo de 20 m3/s da contribuição da barragem do Alvito proposta pelo Ministério do Ambiente, em especial quando este cenário com barragem do Alvito apenas acresce 6 m3/s ao caudal máximo do cenário sem barragem (14 m3/s), evitaria a degradação dos ecossistemas aquáticos que estão na base da sustentação da Vida e o desbarato de 500 M€ do bolso dos contribuintes em obras hidráulicas desnecessárias (360 M€ barragem e 100 M€ do túnel).

A solução mais simples, e que é exequível, é a implementação de caudais ecológicos regulares vindos de Espanha e não inventar justificações para os custos adicionais astronómicos para os contribuintes portugueses - o volume de 2700 hm³ de caudal anual mínimo estabelecido na Convenção de Albufeira é suficiente e tem sido cumprido mesmo em anos de estiagem, faltando apenas exigir que possa fluir para Portugal respeitando um regime de caudais ecológicos como determina a Diretiva Quadro da Água.

O que mudou para se optar pela construção da barragem do Alvito que tinha ficado suspensa para "encontrar soluções de otimização" por não ser considerada rentável pela EDP?

Convém ainda lembrar que a construção da barragem do Alvito irá destruir valores ecológicos ao submergir o ecossistema florestal, bem como agravar as alterações climáticas pelas consequentes emissões de gases com efeitos de estufa associadas ao metano emitido pela degradação da sua matéria orgânica na albufeira.

O movimento proTEJO compromete-se a juntar esforços para impedir que seja dada a última machadada no rio Tejo com a construção dos novos açudes e barragens desejados pelo “Projeto Tejo”, designadamente, a barragem do Alvito, o túnel do Cabril a partir do rio Zêzere na barragem do Cabril para o rio Tejo na barragem de Belver, e os novos 4 açudes e 2 barragens de Abrantes até Lisboa, fragmentando de 20 em 20 km os últimos 127 km de rio livre.

A construção deste conjunto de obras hidráulicas desnecessárias custará aos contribuintes mais de 1/3 da bazuca europeia, mais de 5 mil milhões de euros. 

Esta atitude é um assumir do fracasso de uma boa gestão da água da bacia do Tejo pelos Governos de Portugal e Espanha, bem como de um fracasso da cooperação transfronteiriça da gestão da bacia do Tejo face à incapacidade de suplantar uma Convenção de Albufeira que constitui um prejuízo para o rio Tejo desde a sua assinatura em 1998.

Mais uma vez, o verdadeiro exercício da soberania nacional seria que o Governo de Portugal requeresse ao Governo de Espanha que os 2.700 hm3 de caudal mínimo anual fosse enviado com a regularidade que serve o povo português, pois só assim poderá servir e que fosse revista a aplicação de uma Convenção de Albufeira que já prevê a definição de caudais ecológicos desde a sua assinatura em 1998, mas que há 24 anos mantém em vigor um regime de caudais mínimos que deveria ser transitório.

Este claudicar de responsabilidade apenas acontece para continuar a garantir a gestão flexível da água às empresas hidroelétricas espanholas de modo a que estas maximizem o lucro obtido enquanto causam danos à biodiversidade e prejudicam os usos da água para a agricultura, turismo de natureza, pesca, entre outros, em Portugal.

O ministério do Ambiente e da Ação Climática não pode, por um lado, deitar a toalha ao chão na negociação de caudais ecológicos vindos de Espanha e, por outro lado, optar pela via mais fácil de gastar os dinheiros públicos dos contribuintes sem antes avaliar alternativas que ofereçam resiliência tanto a curto como a longo prazo e que sirvam todos os portugueses tendo em conta a justiça intergeracional.

Em tempo oportuno, o proTEJO apresentou um memorando “Por Um Tejo Livre” aos Ministérios do Ambiente e Ação Climática e da Agricultura onde propõe várias alternativas, de entre as quais:

a)   sejam estabelecidos caudais ecológicos regulares no rio Tejo, contínuos e instantâneos, medidos em metros cúbicos por segundo (m3/s), e respeitando a sazonalidade das estações do ano, ou seja, maiores no inverno e outono e menores no verão e primavera, em cumprimento da Diretiva Quadro da Água, da legislação espanhola e portuguesa, por oposição aos caudais mínimos negociados politicamente e administrativamente há 24 anos na Convenção de Albufeira sem se concretizar o processo de transição para o regime caudais ecológicos que essa mesma Convenção prevê;

b)   seja definida uma estratégia de longo prazo assente na criação e restauração de corredores ecológicos de floresta autóctone, de vegetação ripícola e de biodiversidade ao longo dos rios e ribeiros que permita gerar, regenerar, reter e purificar água com a finalidade de alcançar a sua maior disponibilidade e qualidade, em paralelo com o aumento da capacidade de retenção de carbono que evite a intensificação das alterações climáticas que reduzem a precipitação e acentuam os períodos de seca;

c)   seja realizado um investimento de apenas 10 M€[1] na construção de uma Estação de Captação de Água diretamente do rio Tejo na zona da Lezíria do Tejo para uso agrícola à semelhança da Estação de Captação de Água da EPAL em Valada no Cartaxo que tem em uma capacidade nominal de captação de 240.000 m³/dia destinados ao consumo humano na área metropolitana de Lisboa.

A Estação de Captação de Água da EPAL em Valada capta água por gravidade na maré alta sem custos energéticos e na maré baixa com recurso a equipamentos de sucção (EPAL - Educação Ambiental: visita guiada à Estação de Captação de Água de Valada). Esta alternativa conjugada com a utilização de energias renováveis permitiria a obtenção de economias de escala com a redução dos custos energéticos na obtenção de água para as explorações agrícolas tão desejada pelos agricultores.

d)   seja promovida uma agricultura sustentável que tenha eficiência hídrica e preserve a biodiversidade e a sustentabilidade da Vida com apoios do Estado assentes nos meios financeiros que se pretendem destinar a obras hidráulicas desnecessárias.

Face a este cenário, terão de ser os cidadãos a apresentar uma Queixa à Comissão Europeia contra Portugal e Espanha pelos seguintes motivos:

1   Incumprimento da Diretiva Quadro da Água

A gestão das barragens de produção hidroelétrica com critérios meramente economicistas de maximização do lucro está a causar uma deterioração adicional do estado ecológico das massas de água do rio Tejo que impede que se alcancem os objetivos ambientais do nº 1 do Artigo 4º da DQA visto que não está assegurado um “regime hidrológico consistente com o alcance dos objetivos ambientais da DQA em massas de águas superficiais naturais” como decorre do documento de orientação nº 31 “Caudais ecológicos na implementação da Diretiva Quadro da Água”.

2   Inobservância da Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030

Estas obras hidráulicas na bacia do Tejo são, portanto, a contradição e perversão dos objetivos definidos pela União Europeia, subscritos por Portugal, ao pretender o aumento de barreiras à conectividade do rio Tejo.

A Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030 apresenta metas de restauro ecológico para os ecossistemas, importantes para a biodiversidade e o clima, destacando-se a importância de zonas húmidas, florestas e ecossistemas marinhos, assim como de rios, de forma a aumentar a sua conectividade.

Neste sentido, a Comissão Europeia estabeleceu a restauração de pelo menos 25 000 km de rios através da remoção de barreiras obsoletas e da recuperação de ecossistemas ribeirinhos como meta a alcançar no âmbito da Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030.

3   Incumprimento das Diretivas Aves e Habitats

O “Projeto Tejo” de novos açudes e barragens no Tejo afetará negativamente a proteção e conservação das espécies e habitats que ocorrem na Reserva Natural do Estuário do Tejo e na Reserva Natural do Paul do Boquilobo, Reserva da Biosfera da UNESCO, que são zonas especiais de conservação (ZEC), zonas especiais de proteção (ZEP) das aves, sítios de importância comunitária (SIC) da rede Natura 2000 (rede de áreas protegidas a nível Europeu) e zonas húmidas de importância internacional da Convenção de Ramsar.

O Tejo, a sustentabilidade da Vida e os portugueses merecem mais!

Bacia do Tejo, 24 de abril de 2023

Ana Silva e Paulo Constantino

Os Porta-Vozes do proTEJO