sábado, 29 de abril de 2023

CARTA DE ALFREDO COSPITO

A minha luta contra o 41-bis é uma luta individual de um anarquista, eu não faço nem recebo recados. Simplesmente não posso viver num regime desumano como o 41-bis, onde não posso ler livremente o que quero, livros, jornais, revistas anarquistas, de arte e ciência, bem como de literatura e história. A única hipótese que tenho de sair é renunciar à minha anarquia e vender alguém para que ocupe o meu lugar.

Um regime onde não posso ter nenhum contacto humano, onde nem sequer posso ver ou apanhar uma mão-cheia de erva ou abraçar uma pessoa querida. Um regime onde as fotografias dos teus pais são confiscadas. Enterrado vivo numa sepultura num lugar de morte. Continuarei a minha luta até às últimas consequências, não por uma «missão», mas porque isto não é vida.

Se o objectivo do Estado italiano é fazer-me «dissociar» das acções dos anarquistas de fora, que fiquem a saber que, como bom anarquista, não aceito recados. Acredito que cada qual é responsável pelas suas próprias acções, e como membro da corrente auto-organizada não estou «associado» a ninguém e por isso não me posso «dissociar» de ninguém. A afinidade é outra questão. Um anarquista coerente não se afasta de outros anarquistas por oportunismo ou conveniência.

Sempre reivindiquei com orgulho as minhas acções (inclusivamente em tribunal, é por isso que aqui estou) e nunca critiquei os demais companheiros, muito menos quando existe uma situação como esta onde me encontro. O maior insulto para um anarquista é ser acusado de dar ou receber ordens. Quando estava no regime de Alta Segurança, também tive censura e não enviei nenhum pizzini [pepelinhos através dos quais os chefes mafiosos supostamente passam as suas ordens], mas sim artigos para jornais e revistas anarquistas. E, acima de tudo, podia receber livros e revistas, e escrever livros, ler o que queria, até me era permitido evoluir, viver.

Hoje estou disposto a morrer para fazer o mundo compreender o que é realmente 41-bis; 750 pessoas sofrem-no sem protestar, continuamente transformadas em monstros pelos meios de comunicação social. Agora é a minha vez, vocês transformaram-me num monstro tachando-me de terrorista sanguinário, depois santificaram-me como mártir anarquista que se sacrifica pelos demais, para depois me voltarem a transformar num monstro, num terrível espectro. Quando tudo tiver terminado, serei sem dúvida elevado aos altares do martírio. Não, obrigado, não estou com disposição, não me presto aos vossos jogos políticos sujos.

Na realidade, o verdadeiro problema do Estado italiano é que se cheguem a saber todos os direitos humanos que são violados neste regime 41-bis em nome de uma «segurança»» pela qual tudo é sacrificado. Óptimo! Terão de pensar duas vezes antes de pôr aqui um anarquista. Não sei quais são as verdadeiras motivações e manobras políticas que estão por trás disto. E porque é que alguém me usou como uma «maçã envenenada» neste regime. Era muito difícil não prever quais seriam as minhas reacções a esta «não vida». O Estado, o italiano, é um digno representante da hipocrisia de um Ocidente que dá continuamente lições de «moral» ao resto  do mundo. O 41-bis deu lições que foram bem aprendidas por Estados «democráticos» como o turco (os colegas curdos sabem algo sobre isto) e o polaco.

Estou convencido de que a minha morte será um obstáculo para este regime e que as 750 pessoas que têm sofrido com ele durante décadas poderão viver uma vida que valha a pena, independentemente do tenham feito. Amo a vida, sou um homem feliz, não trocaria a minha vida pela vida de outra pessoa. E é porque a amo que não posso aceitar esta não-vida sem esperança.

obrigado, companheiros, pelo vosso amor.

Sempre pela Anarquia. Nunca curvado.

Alfredo Cospito 

Em: MAPA/JORNAL DE INFORMAÇÃO CRÍTICA/MARÇO-MAIO 2023, pag. 29