quarta-feira, 19 de abril de 2023

CARTA ABERTA AO MINISTRO DO AMBIENTE E ACÇÃO CLIMÁTICA

Senhor Ministro Duarte Cordeiro,

Acaba hoje, dia 19 de Abril, o prazo para nos pronunciarmos sobre as alterações ao projecto de ampliação da Mina do Barroso.

Como somos solidários e apoiamos todas as pessoas e colectivos que discordam deste projecto, e outros semelhantes, decidimos tornar pública a nossa posição.

O Movimento Cívico Ar Puro expressa publicamente a sua discordância em relação ao projecto em questão nos termos que passamos a expor seguidamente.
 
 
O artigo 66 da Constituição da República prevê que “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.” Este direito é um direito fundamental. O dito artigo enumera uma lista de deveres para garantir tal direito fundamental, indicando que “Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos: a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão; b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem; c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico; d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações; e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas; f) Promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial; g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente; h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida”.
 
Ora, este projecto de mina é incompatível com o direito fundamental a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado garantido pela Constituição da República, tendo em conta que resulta inevitavelmente na destruição de ecossistemas, na descaracterização permanente das paisagens e na perda da capacidade produtiva dos terrenos. Numa região agrícola em que a relação com a terra norteia noções de cultura, identidade, valor, sustentabilidade e autonomia, transformar contra a vontade popular o que são paisagens afectivas e campos de memória familiar em desolação é uma violência é um atentado à ideia de que em Portugal a democracia se faz com e para as pessoas. As poeiras, o ruído decorrente dos explosivos, o risco de contaminação e a convivência forçada com um projecto extractivista monumental são incompatíveis com a dignidade inalienável destas populações. Ademais, tendo em consideração a situação de stress hídrico que ameaça Portugal, os altíssimos níveis previstos de gasto de água conformam um cenário inaceitável, que faz adivinhar constantes instabilidades no acesso local a este bem comum. 
 
A zona onde se projecta a mina é reconhecida como Património Agrícola Mundial, uma designação reservada aos principais exemplos mundiais de sistemas liderados por comunidades locais que suportam o património cultural, a biodiversidade agrícola e a resiliência dos ecossistemas. Importa sublinhar que é a única região em Portugal a beneficiar desta designação e uma das únicas sete existentes na Europa. Barroso integra de forma sustentável a agricultura, a criação de gado, a silvicultura e a conservação da natureza. A região é famosa pelas suas raças autóctones de gado bovino, ovino e caprino, tal como pela produção de queijo e mel. Se há um futuro sustentável, ele faz-se apoiando estas comunidades e fazendo delas exemplos. Pelo contrário, este projecto de mineração sacrifica-as para benefício de indústrias e padrões de consumo movidos por lógicas de curto prazo e funciona em última análise como materialização de um sistema extractivista que não pode com sinceridade intelectual ser associado a uma transição energética justa ou sustentável. A electrificação da frota automóvel nos moldes actuais, por exemplo, representa uma total distopia extractivista e contribui para obstruir o facto de que este tipo de consumo individualizado não é compatível com um sistema económico que se possa perpetuar na Terra. 
 
Para concluir, cita-se aqui o que David R. Boyd, relator Especial das Nações Unidas para os direitos humanos e o meio ambiente, escreveu sobre o caso de Covas do Barroso: “as zonas de sacrifício são completamente incompatíveis com o direito humano a um ambiente saudável e ecologicamente equilibrado (artigo 66.º da Constituição Portuguesa) ou a um ambiente limpo, saudável e sustentável (Resolução 76/300 da Assembleia Geral da ONU.