sábado, 17 de agosto de 2024

FOI EM AGOSTO DE 1978


Tinha completado no dia 27 de Fevereiro, do ano acima referido, quarenta e cinco anos de idade quando, no dia 8 do supracitado mês, o edema pulmonar o matou, prematuramente, na sua casa de Monte Abraão (Queluz). Foi uma morte prematura e inesperada, para quem não privou com o Homem, o Cidadão e o Poeta Ruy Belo.

Para além de poeta reconhecido pelos seus pares e de todos os amantes da poesia, Ruy Belo foi também um cidadão íntegro e comprometido socialmente, como fica claro e evidente numa brevíssima nota biográfica, onde se realça a sua procura de saber, conhecimento científico e sua divulgação, através de umas quantas excelentes traduções de autores como: Antoine de Saint-Exupéry (Piloto de guerra, Cidadela e Um Sentido para a Vida), Montesquieu (Confidências sobre as causas da grandeza e da Decadência dos Romanos), Baise Cendrars (Doravagine), Raymond Aron (Ensaios sobre as Liberdades), H. - I. Marron (Do Conhecimento Histórico) e Jorge Luís Borges (Poemas Escolhidos). 

Na sua busca de conhecimento científico obtêm duas licenciaturas: Direito;  Filologia Românica; e, Doutoramento em Direito Canónico, com uma tese intitulada Ficção Literária e Censura Eclesiástica, na Universidade de S. Tomás de Aquino (Roma), em 1958.

Regressa a Lisboa e, durante cerca de três anos, é director literário da Editorial Aster e chefe de redacção da revista Rumo.

Em 1969 integrou a lista de candidatos a deputados, por Lisboa, da CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática). Em 1971 ocupa o cargo de leitor de Português na Universidade de Madrid. Como homem e cidadão íntegro e vertical, não se submeteu às clientelas político-partidárias nem aos jogos de poder, trocas de favores e influências. Por isso, quando regressou de Madrid, em 1977, apresentou requerimento para o lugar de assistente na Faculdade de Letras de Lisboa, este foi-lhe sistematicamente recusado. Apesar de ter habilitações académicas e experiência profissional que correspondiam ao então exigido, e a faculdade, como todo o sistema de ensino, ter falta de professores. Consegue, e em horário nocturno, um lugar de professor na Escola Técnica do Cacém. 

 

Ruy Belo escreveu, no seu livro País Possível, a nota que transcrevemos abaixo:

 

NOTA DO AUTOR

Este livro, que aparentemente poderia não passar de uma antologia visto que o integram um poema inédito e poemas extraídos dos meus últimos livros publicados, tem realmente uma unidade e é afinal um livro novo. E não o é apenas por eu publicar pela primeira vez na íntegra composições anteriormente truncadas por razões várias ou por eliminar ou emendar versos, por voltar a tentar suprimir o mais possível a pontuação, por resolver de vez «a guerra maiúsculas-minúscúlas» a favor do lado mais fraco.

Este livro é um livro novo porque um livro de poesia é, afinal, um lugar de convívio, um local onde os poemas reagem uns contra os outros, se criticam mutuamente, se transformam uns nos outros. É um livro novo, em suma, porque a ele, como a nenhum outro livro meu, preside indubitavelmente uma unidade temática: a do mal-estar de um homem que, ao longo da vida, tem pagado caro o preço por haver nascido em Portugal; a problemática de uma consciência que sofre as contradições próprias da sociedade em que vive e de um homem que tem atrás de si vários passados e vive várias vidas simultaneamente e que intensamente se autodestrói; que se vai suicidando lentamente porque essa sociedade o destrói e assassina e o censura e a censura se instala na sua própria consciência.

Unidade essa devida ao facto de estes poemas serem uma reflexão sobre o próprio poeta e a realidade que o rodeia, de serem uma forma de intervenção, de compromisso, de luta por um mundo melhor (não nos grita Mário Sacramento, no final da sua admirável Carta-Testamento: «Façam o mundo melhor, ouviram?») sem, por outro lado, o poeta pactuar com a demagogia, com o oportunismo que afinal representa não ver primordialmente na arte criação de beleza, construção de objectos tanto quanto possível belos em si mesmos, embora de difícil acesso porque a arte é difícil e precisa que, através da educação, da divulgação, da interpretação, quem a receba possa assim e só assim ter acesso a ela e assim se sentir vivo, vertical e assim actuar, intervir.

A poesia não é em si mesma, creio eu, uma forma de comunicação, como tão-pouco o são a pintura, a música, o romance, o verdadeiro e único romance, o romance que consegue que passe por ele a linha evolutiva da literatura. A poesia comunica, comunica até intensamente desde que se faça o leitor chegar até ela, esse leitor saído talvez de um povo que hoje, em Portugal, no estado de alienação ou alheamento em que se encontra, nem sequer se revê nas suas próprias criações, como, por exemplo, os romances do romanceiro tradicional. O povo português nem sequer se reconhece na sua música e prefere muitas vezes, penso eu, uma cançoneta de Tonicha transmitida pela rádio ou pela televisão, verdadeiras «técnicas de aviltamento», a uma composição qualquer das muitas que foram escrupulosamente recolhidas por Lopes Graça e Giacometti.

País Possível, portanto, creio eu, mais do que uma antologia, um livro novo: o livro possível, neste momento, a um homem que sente na poesia a sua mais profunda razão de vida mas se sente, simultaneamente, solidário com os outros homens, que talvez tenham dificuldade em compreendê-lo porque houve quem se empenhasse em que não compreendessem, nem pensassem, poque pensar é realmente um perigo, o maior dos perigos Pensar, pensar como um homem que nasceu livre e quer morrer livre, leva depois inevitavelmente a actuar, a lutar contra qualquer forma de opressão.

Mas só agora reparo que digo melhor tudo isto nalgum destes poemas. Estou afinal a comentar-me, a plagiar-me a mim próprio e só isso eu não aceito em arte. Por isso, ponho ponto final nesta nota, onde espero ter sido mais claro do que na minha poesia em geral.

É que não acredito realmente na clareza como um propósito da arte, quanto mais não fosse porque eu, quando construo um poema, não procedo de maneira a obter resultados que seriam decerto mais fáceis de conseguir através de uma carta, de uma conversa telefónica, de um artigo, de um discurso. É evidente que espero, ao fim e ao cabo, vir a ser claro. Mas isso não é, num poema, problema meu. Em contrapartida, espero tê-lo sido nesta nota, redigida um pouco à maneira de quem conversa em família.

Madrid, 1 de Maio de 1973.

 

Notas:

O poeta é intemporal, como o demonstra o texto acima... No fundamental, podia ter sido escrito hoje.

Os sublinhados são da nossa responsabilidade.

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

A Poluição dos Afluentes e do Tejo Continua! Que fazer?



Fonte e fotografia: Mais Ribatejo, 12 Agosto, 2024.

A mortandade agora verificada no rio Almonda é inerente ao modelo económico-financeiro, produtivo, social e cultural, ancorado na ideologia hegemónica que é imposta, pela classe social detentora do poder, "senhores do mundo / mandadores sem lei", às comunidades humanas...
 
Obviamente, os seus servidores nunca sabem a causa, a origem do crime  (ecocídio), nem identificam o criminoso, e, quando é impossível "fingir" que não sabem a identidade do criminoso, não acontece nada, ou, são-lhe aplicadas umas coimas irrisórias e a actividade criminosa pode continuar, de preferência, com menos arrogância, isto é, sem dar tanto nas vistas...

Vejamos a situação do rio Maior/vala real/canal de Azambuja - é um rio com várias designações -: começou a ser poluído/destruído, de forma visível na década de 50 do século XX, numa extensão considerável, com inicio na então Vila de Rio Maior. Em 1965, com a entrada em funcionamento da fábrica de tomate, situada em S. João da Ribeira, foi uma mortandade absoluta (peixes, enguias, galinhas de água, etc.)  desde a referida localidade até à foz (Azambuja)...

Desde então, a situação agravou-se com a introdução de outras indústrias, a agricultura e a pecuária - ambas tóxicas e intensivas - em particular, a produção intensiva de porcos em recinto fechado, de grandes dimensões, porque as produções familiares foram levadas à falência, dado as regras a cumprirem e a fiscalização permanente e rigorosa. Estas só se aplicam aos pequenos produtores, os grandes estão isentos...

Enquanto os pequenos produtores tinham que ter fossa séptica e campos para agricultura suficientes para escoar as águas residuais ("chorume"), os grandes, basta-lhes mandar abrir uns buracos no chão e enche-los com as águas residuais produzidas por milhares de porcos (excrementos, urinas, águas de lavagem, etc.). Estes cheios, vai de descarregar para as linhas de água e terrenos próprios ou alheios, poluindo e contaminando ambos.
 
Poluem as massas de água superficiais e subterrâneas, assim como os solos e o ar, tornando-o irrespirável e doentio, com os gases emitidos, inclusive, o metano e, indirectamente, o dióxido de carbono, ambos gases de efeito de estufa que estão a provocar as alterações climáticas, visíveis, para todas as pessoas que se recusem a negar a realidade.

Obviamente, a cidadania activa, organizada, unida e determinada pode alterar todo este sistema podre, corrupto, hipócrita e criminoso, como a história nos demonstra e a experiência nos prova.
 

Quanto à iniciativa pública organizada pelo executivo camarário de Santarém, em que participaram os executivos das quatro Câmaras (Azambuja, Santarém, Cartaxo e Rio Maior) e suinicultores, assim como o grupo de trabalho constituído pelas entidades referidas acima, resultaram da pressão feita pelas pessoas e as organizações ecologistas, cívicas e ambientais (Eco-Cartaxo, Movimento Ecologista - Vale de Santarém, Movimento Cívico Ar Puro - Rio Maior, No Coração da Cidade - Santarém, proTEJO - Movimento pelo TEJO) que se juntaram e, em conjunto, organizaram acções e iniciativas várias em que participaram centenas de pessoas.

Este trabalho conjunto e coordenado conseguiu ganhar pessoas, mudar, apenas, a retórica das entidades oficiais, por exemplo, até então, o discurso do executivo camarário de Rio Maior era: "os maus cheiros é sinónimo de riqueza e desenvolvimento do concelho"; passou para: "vamos fazer o que estiver ao nosso alcance para resolver a situação e implementar a sustentabilidade, a economia verde, blá,blá... Mas, no essencial, a situação continua a agravar-se.

Por isso, é urgente e imperioso retomar o trabalho conjunto, coordenar e delinear estratégias, aprender com os erros cometidos, ganhar pessoas, para tomarem em mãos o resgatar do presente e construir futuro. Se ficarmos à espera que os criminosos e seus serviçais invertam a situação, vamos ser cúmplices da catástrofe que o capital está a impor a toda a humanidade.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

11 de Setembro, 2024: 14ª Greve das Pessoas que Trabalham na Nobre, por trabalho com direitos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: SINTAB (Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura e das Indústrias de Alimentação, Bebidas e Tabacos de Portugal)

 

Começamos por realçar a resistência das pessoas, trabalhadoras e trabalhadores, que trabalham nesta corporação multinacional que, apesar das dificuldades inerentes aos miseráveis salários que recebem, persistem na luta por melhores salários, condições de trabalho, de higiene, segurança no trabalho e o fim da precariedade laboral.

Treze meses a perderem um dia de trabalho por mês e respectivos subsídios, persistem em enfrentar a prepotência e arrogância de uma corporação multinacional que adquiriu a empresa, com o objectivo de obter o máximo de lucro no mais curto espaço de tempo, explorando ao máximo a classe trabalhadora que garante e sustenta a ganância insaciável dos seus accionistas.

Esta corporação multinacional, como todas as outras, multinacionais ou não, por mais que explorem, oprimam e pilhem a riqueza produzida pelas pessoas da classe social trabalhadora, tem todo o apoio das autoridades oficiais locais, regionais e nacionais, ("Município distinguiu exemplos de sucesso em Gala Empresarial (...) Vencedores (...) Empresa Investidora: Nobre Alimentação". Boletim Municipal - junho 2024).

O prolongamento da luta, como nos demonstra a história da classe trabalhadora, corre o risco de quebrar pelo lado, fase à correlação de forças, mais fraco, isto é: perante as dificuldades inerentes ao rombo, todos os meses, nos miseráveis salários que recebem, pode levar pessoas a desistir, reduzindo, assim, as que resistem e persistem em continuar.

É imperioso reforçar a união, organização e determinação de todas as pessoas que trabalham na empresa, porque todas estão a ser exploradas, oprimidas e humilhadas por esta corporação multinacional. Para isso, é imperioso que as trabalhadoras e trabalhadores, assim como as suas organizações de classe, avancem no sentido de enfrentar a empresa de forma integrada, isto é, organizando-se e coordenando as suas lutas como um todo, e não como se fossem empresas distintas.

Se nos permitem, perante uma corporação multinacional, para a enfrentar, com forte probabilidade de vencer, as pessoas que nela trabalham devem organizar-se, unir-se e encetar as lutas de forma coordenada, solidária e fraternal, envolvendo as trabalhadoras e trabalhadores de todo o grupo, e não por país. 

Por último, consideramos que é fundamental que as trabalhadoras e trabalhadores, que estão a ser exploradas, oprimidas e humilhadas por esta corporação multinacional, recebam a solidariedade fraternal e o apoio de todas as pessoas, que trabalham e vivem em Rio Maior, comprometidas com a justiça social. Por exemplo, participando na marcha prevista para dia 11 de Setembro, da porta da empresa até à Câmara Municipal, ou, fazendo-lhes chegar mensagens de solidariedade e apoio à sua justa luta.

A luta é de toda a classe social trabalhadora e de todas as pessoas comprometidas com o fim da opressão, exploração, injustiça social, climática e a construção de uma comunidade humana solidaria, fraterna e em harmonia com a natureza. Um mundo onde a justiça seja Lei.

 

Trabalhadores da Nobre na 13.ª greve por melhoria de salários e condições na empresa de Rio Maior

 

Cerca de meia centena de trabalhadores da empresa Nobre, em Rio Maior, concentrou-se hoje em frente à empresa, cumprindo a 13.ª greve por falta de resposta ao caderno reivindicativo.

A greve, a 13.ª convocada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura e das Indústrias de Alimentação, Bebidas e Tabacos de Portugal (SINTAB), acontece depois de mais uma reunião com a empresa que “negou todos os pontos do caderno [reivindicativo], não cedeu em nada e implementou em junho um aumento de cinco euros, pareceu bastante mal aos trabalhadores”, disse à agência Lusa o dirigente sindical Diogo Lopes, sustando não ser esse valor “que resolve os problemas que as pessoas têm hoje em dia”.

O caderno reivindicativo apresentado à empresa no início do ano exigia um aumento salarial de 150 euros, a valorização do subsídio de refeição e do trabalho noturno, a implementação de diuturnidades, direito a 25 dias de férias e o fim do recurso à contratação precária, entre outras reivindicações.

“Falamos de uma empresa em que os trabalhadores recebem o salário mínimo nacional, independentemente dos anos de casa”, disse o dirigente do Sintab, sublinhando haver “trabalhadores com 40 anos de casa que recebem o salário mínimo nacional e com o aumento do custo de vida, hoje em dia, é bastante difícil”.

De acordo com o sindicalista “a empresa nos últimos três anos teve um lucro de nove milhões de euros, portanto, tem todas as possibilidades de aumentar o salário a estes trabalhadores”, que reivindicam que o salário ascenda a 950 euros.

“Enquanto a empresa não vir que realmente é necessário implementar com urgência este aumento salarial os trabalhadores vão continuar em luta, garantiu Diogo Lopes, adiantando que já está agenda uma nova paralisação para o dia 11 de setembro, dessa vez integrando a realização de uma marcha lenta pelas ruas da cidade.

“A nossa luta tem que continuar”, afirmou Inês Santos, admitido que os trabalhadores façam “uma greve por mês até vencer pelo cansaço a empresa que recentemente “ainda retirou direitos”. Segundo a trabalhadora, a empresa retirou a majoração que dava a possibilidade de os trabalhadores sem faltas poderem gozar 25 dias de férias, estipulando que todos os trabalhadores passarão a gozar 22 dias úteis e o dia de aniversário.

Numa moção aprovada hoje os trabalhadores exigem a reposição dos 25 dias de férias e o aumento do subsídio de alimentação para oito euros diários, ao invés dos 5,30 praticados atualmente, depois de este subsídio “nos últimos 10 anos ter aumentado apenas 14 cêntimos”, disse Diogo Lopes.

Segundo o sindicato, a paralisação de hoje conta com a adesão de cerca de 80% dos mais de 600 trabalhadores da empresa.

Contactada pela agência Lusa, a Nobre Alimentação Lda não respondeu às questões sobre as negociações nem sobre o número de trabalhadores que aderiram à greve.

“[Estamos] sempre atentos às necessidades dos nossos colaboradores e da empresa”, afirmou a Nobre, numa resposta enviada por email, acrescentando que a administração “realiza reuniões frequentes com os sindicatos para discuti-las, de forma positiva e transparente”.

Na resposta a empresa reitera ainda o “compromisso de disponibilidade para dar continuidade às reuniões regulares” e, em conjunto com os trabalhadores, olhar “para o caminho a seguir”.

Os trabalhadores têm agendada uma nova greve para o dia 11 de setembro, data em que preveem concentrar-se em frente à câmara municipal.

 

sábado, 10 de agosto de 2024

VAMOS DEFENDER A NOSSA SAÚDE E SEGURANÇA ALIMENTAR!

 

Um desastre iminente pesa sobre o mundo vivo, por causa da corrupção das autoridades sanitárias que deveriam proteger o meio ambiente e a saúde dos cidadãos...


E precisamos seu apoio hoje para se levantar e impedir que nossos líderes distorçam a Lei e a Ciência para satisfazer os interesses das multinacionais agroquímicas!

Há poucos dias, a Autoridade Europeia para a Segurança da Saúde (EFSA) publicou um opinião rápida e tendenciosa para encorajar a comercialização de novos organismos geneticamente modificados na Europa (1) que a indústria agroquímica e agrogenética está a exigir .

Os riscos para o futuro do nosso sistema alimentar e para o funcionamento dos ecossistemas dos quais dependemos são cruciais:

A luz verde da EFSA augura uma vitória total para os agroquímicos nos próximos meses, que obteriam condições de autorização para as suas novas tecnologias OGM que são extremamente frouxas e perigosas para a biodiversidade:

>> Nenhuma avaliação dos efeitos que os novos OGM podem ter nas abelhas, borboletas, minhocas, aves ou seres humanos, para saber se estes produtos são ou não perigosos;

>> Não há rastreabilidade de produtos geneticamente modificados, desde o campo até nossos pratos;

>> Nenhuma rotulagem de alimentos produzidos a partir desses novos OGM, que, no entanto, encontraríamos em massa nas prateleiras de TODAS as lojas !

E isto, apesar de estudos científicos que descrevem os potenciais efeitos negativos que poderiam ser causados ​​pela difusão massiva de genes modificados descontrolados e incontroláveis ​​na natureza e no nosso ambiente...

…apesar da opinião de muitos investigadores científicos de renome (2) e da opinião de autoridades de segurança sanitária como a ANSES (3), em França, que denunciaram repetidamente a falta de fundamentação científica do projecto europeu e os riscos que resultariam da distribuição gratuita de novos OGM sem primeiro estudar os seus efeitos .

É, portanto, de facto, uma corrupção abjecta das instituições europeias que devemos combater hoje.

É por isso que apelamos urgentemente a todas as pessoas empenhadas como vós nesta corrida frenética para salvar os seres vivos e o mundo que deixaremos às gerações futuras .

A POLLINIS precisa do seu apoio e de todos os cidadãos em nome dos quais lutamos, para evitar a disseminação massiva e descontrolada de novos OGM no nosso território .

Graças ao apoio financeiro que poderá obter hoje, a POLLINIS criará uma resposta cidadã para contrariar a ofensiva política dos lobbies e evitar que a agro-indústria assuma definitivamente o nosso sistema agrícola e alimentar – e juntos a vida!

► FAÇO UMA DOAÇÃO

Perante a EFSA e a Comissão Europeia que se preparam para entregar o nosso sistema agrícola e alimentar às multinacionais agroindustriais, os únicos grandes vencedores desta desregulamentação...

… mesmo que isso signifique espezinhar sem escrúpulos as opiniões de várias autoridades científicas nacionais, incluindo a ANSES, a agência francesa de saúde e segurança ambiental, que gritaram alto e bom som o seu contundente desacordo ao insistirem na existência real de riscos potenciais para o ambiente ( 4)...

…e mesmo que isso signifique negar as provas científicas que lhe são fornecidas por todos os lados pelos seus Estados-Membros…
 

…lutaremos com todas as nossas forças, em seu nome, para:

>> Restaurar os factos e tornar publicamente visível e audível a voz científica dos especialistas e agências independentes que foram suficientemente corajosos para tomar uma posição pública contra o projecto irresponsável da Comissão Europeia;

>> Combater as mentiras de instituições e lobbies, ponto por ponto e sempre que necessário;

>> Testar-nos, se necessário, os efeitos dos novos OGM nas abelhas e nos polinizadores, para forçar a implementação de uma avaliação científica robusta e sincera de qualquer novo produto candidato à comercialização;

>> Pesar todo o nosso peso na balança, contra os interesses das multinacionais irresponsáveis ​​e criminosas, usando o Direito, a Justiça e a mobilização cidadã!

Não temos escolha hoje a não ser levar este confronto à vitória.

Mais do que nunca, a sua ajuda é vital para permitir que a nossa pequena equipa vença esta luta em seu nome .
 

Juntos, vamos contrabalançar os extraordinários recursos financeiros mobilizados pelas multinacionais agroquímicas e agrogenéticas para colocarem as mãos nos vivos.

► FAÇO UMA DOAÇÃO

Para entender completamente o que está acontecendo, precisamos voltar um pouco no tempo.

Durante vários anos, um punhado de empresas agroquímicas têm trabalhado nas sombras para sabotar a lei existente sobre OGM, que é a única forma de proteger os consumidores e o ambiente.
 

A sua poderosa ofensiva visa invadir os mercados europeus com as suas sementes potencialmente prejudiciais, desviando e distorcendo os processos de desenvolvimento da lei.

A sua estratégia: pretexto de que as plantas geneticamente manipuladas em laboratório através de novas técnicas genómicas são comparáveis ​​às plantas convencionais, para fazer acreditar que não apresentam quaisquer riscos, e assim impor uma desregulamentação forçada em toda a União Europeia...
 

Mas quem pode acreditar seriamente nesta grande farsa?

As autoridades nacionais francesa (5) e alemã (6) foram muito claras: a chamada equivalência proposta pela Comissão Europeia, e aprovada pela EFSA, não tem justificação científica !

A EFSA é manipulada, usada como garantia científica para satisfazer os interesses das multinacionais agro-industriais, e permitir-lhes expandir ainda mais o seu vasto império e sufocar os agricultores que dela dependerão...

E estas empresas agirão fora da vista e com impunidade porque, ao obterem luz verde das autoridades de saúde europeias, NÃO serão responsabilizadas ou condenadas quando surgirem escândalos ambientais.
 

A legislação europeia não prevê salvaguardas, nem controlos de segurança, nem sistema de vigilância :

Uma vez que os genes modificados sejam propagados no ambiente e na nossa alimentação, não haverá caminho de volta.

E as empresas NUNCA pagarão pelos seus actos criminosos, uma vez que os custos ambientais, financeiros e morais associados às suas terríveis consequências serão - como já acontece com os pesticidas químicos - inteiramente suportados apenas pelos cidadãos .

Perante este escândalo e esta injustiça, POLLINIS subiu à frente.
 

E nosso trabalho duro está começando a dar frutos!

Graças ao apoio dos doadores, conseguimos:

>> trazer este escândalo à luz na imprensa , através de inúmeras entrevistas e participações em emissões do France Inter, Reporterre, Le Monde, entre outros;

>> assediar os governantes eleitos e o governo, o gabinete do Primeiro-Ministro, o Ministério da Agricultura, o Ministério da Economia, etc. para defender a protecção dos polinizadores e a opinião dos cidadãos ;

>> mobilizar os cidadãos para enviarem conjuntamente centenas de milhares de mensagens de inquérito a funcionários eleitos europeus e franceses.

Para exigir que os nossos representantes nos ouçam, que nos escutem, e se oponham a este projecto prejudicial, devemos continuar a lutar contra o mau uso das instituições e as mentiras da agro-indústria.

Implementaremos uma resposta estratégica incansável para:

> mobilizar TODOS os consumidores para forçar os supermercados a obterem oposição firme e oficial do governo francês à comercialização descontrolada de novos OGM;

> alertar e sensibilizar TODOS os governantes franceses eleitos para que se comprometam abertamente com a protecção da agricultura francesa e com a liberdade dos cidadãos de escolherem alimentos naturais sem OGM;

> multiplicar, aumentar dez vezes, aumentar cem vezes os alertas para que TODOS os meios de comunicação finalmente tratem deste tema crucial e retransmitam a voz dos cidadãos, consumidores e agricultores que se opõem a este projecto.

É por isso que lhe pedimos, se for possível, que contribua para as nossas ações essenciais de mobilização e apoie o compromisso essencial da nossa equipa para se manter firme contra os lobbies da agroindústria e destruir o seu domínio.

Qualquer que seja o valor da sua doação, saiba que será uma ajuda capital para permitir que POLLINIS lidere a organização de um contra-lobby cidadão sólido e eficaz, para enterrar definitivamente esta lei e salvar os insetos polinizadores.

► FAÇO UMA DOAÇÃO

Numa altura em que a extinção generalizada ameaça o equilíbrio da vida e precipita o colapso das populações de aves, anfíbios e peixes de água doce que se alimentam de insectos...

…os nossos líderes políticos não podem dar-se ao luxo de colocar os organismos vivos em qualquer risco adicional . No entanto , é isso que eles estão fazendo .

Diante desta situação insuportável e intolerável , não desistiremos:
 

>> Ainda é possível inverter o curso da história : as discussões estão bloqueadas a nível europeu e uma nova ronda de negociações começou em 1 de julho.
 

Os próximos meses serão decisivos para consolidar o bloqueio e impedir que os países europeus, por todos os meios ao nosso dispor, cheguem a um acordo no Conselho da União Europeia.
 

Estamos determinados e firmemente decididos a pôr os lobbies de joelhos.
 

Para conseguir isso, POLLINIS amplificará o contra-ataque e lançará um movimento de cidadãos em grande escala para exigir que os nossos governantes eleitos finalmente ouçam a voz fundamentada dos cientistas, agricultores e consumidores e que enterrem este projecto de uma vez por todas .
 

Mas precisaremos de todo o vosso apoio para levar até ao fim este impasse e denunciar a atitude escandalosa das instituições políticas que cederam ao poder colossal dos lobbies...

Vamos parar o massacre agora .

► CLIQUE AQUI PARA FAZER UMA DOAÇÃO

Agradecemos antecipadamente o seu compromisso e apoio nesta luta essencial para proteger as abelhas e a natureza.

Com esperança e determinação,

A equipe POLLINIS

Referências

  1. EFSA, Parecer científico sobre a análise da ANSES do Anexo I da proposta da CE COM (2023) 411 (EFSA‐Q‐2024‐00178) , 11 de julho de 2024.
  2. La Croix, Cientistas pedem cautela em relação às biotecnologias genéticas , 9 de dezembro de 2022.
  3. ANSES, Riscos e questões socioeconómicas ligadas às centrais NTG Conhecer, avaliar, proteger opinião da ANSES , Relatório colectivo de peritos, Janeiro de 2024.
  4. ANSES, Parecer da ANSES relativo à análise científica do Anexo I da proposta de regulamento da Comissão Europeia de julho de 2023 relativo às novas técnicas genómicas (NTG) - Exame dos critérios de equivalência propostos para definir plantas Categoria 1 NTG
  5. ANSES, Riscos e questões socioeconómicas ligadas às centrais NTG Conhecer, avaliar, proteger opinião da ANSES , Relatório colectivo de peritos, Janeiro de 2024.
  6. Aonde nos leva o caminho da UE em matéria de NGT? 2023 Bohle, F.; Schneider, R.; Mundorf, J.; Zuhl, L.; Simão, S.; Engelhard, M. Pré-impressões 2023, 2023111897.

sábado, 3 de agosto de 2024

RESISTÊNCIA e RESILIÊNCIA:

Mulheres na Luta pela Terra e Territórios contra o Neocolonialismo em África e no Caribe

Jessica Fernandez, investigadora Garífuna, diplomata na Missão Permanente da República das Honduras na ONU. Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Coimbra. Candidata a doutora em Estudos de Desenvolvimento


A luta por terras e territórios em África e no Caribe representa uma resistência constante contra o colonialismo como sistema de dominação que progrediu, mas que não desapareceu, tendo-se transformado no neocolonialismo. Este conceito tem sido abordado por pessoas líderes de lutas, autores e autoras do sul global, como Kwame Nkrumah, no Gana; Amílcar Cabral, em Cabo Verde e na Guiné-Bissau, Walter Rodney, na Guiana, e complementado por autores do Caribe como Frantz Fanon, Sylvia Wynter, entre muitos/as outros/as. Cada um/a deles/las tem desenvolvido perspetivas diversas sobre como este sistema funciona e como afeta as sociedades, sobre o impacto que tem, em particular, nas mulheres e nos territórios. É assim que este sistema se pode descrever como uma forma moderna de controlo e de exploração, que mantém as dinâmicas de poder do colonialismo tradicional, agora dissimulada sob a fachada de investimento estrangeiro, de crescimento e de desenvolvimento económico.

Neocolonialismo e Desapropriação de Terras e Territórios

O neocolonialismo, segundo Kwame Nkrumah, é o controlo indireto que as antigas potências coloniais mantêm sobre os países supostamente independentes, através de influências principalmente económicas, políticas e culturais. Frantz Fanon aprofundou como o sistema colonial afeta profundamente as pessoas, tanto a nível individual quanto coletivo e as consequências psicológicas e sociais, apontando como este sistema perpetua o racismo a exploração e a desigualdade. Após a Segunda Guerra Mundial, a ideia de desenvolvimento impôs-se como uma doutrina padrão, promovida pelos países colonizadores através de organizações internacionais e bancos multilaterais. Este modelo de desenvolvimento, baseado no comércio global e no crescimento económico sem fim, beneficiou principalmente um pequeno grupo de pessoas e empresas que controlam a economia global, enquanto as desigualdades no mundo aumentaram.

Assim, tal como no colonialismo tradicional, o controlo neocolonial manifesta-se especialmente na apropriação de terras e territórios, através da interferência nas políticas internas dos países do sul global e do investimento estrangeiro, que se traduz na presença de indústrias extrativas multinacionais. Estas práticas afetam diretamente as comunidades locais, especialmente as mulheres camponesas, afrodescendentes e indígenas.

Para muitas comunidades ao redor do mundo, a terra não é apenas um recurso económico ou produtivo, é também um recurso fundamental de identidade, cultura e soberania. Assim mesmo, a compreensão do território inclui não só a terra física, mas também o espaço sociocultural, que representa a continuidade das formas de vida e tradições de povos e comunidades. Além disso, representa o equilíbrio da biodiversidade e a saúde através das plantas medicinais existentes nos territórios e a capacidade de produzir os seus próprios alimentos. Nesse sentido, o termo terra, que costuma referir-se mais ao seu valor económico e produtivo, é compreendido como um espaço de libertação, de autonomia e de exercício livre de práticas, além de ser um espaço onde se desenvolvem e transferem conhecimentos vitais para a soberania alimentar e a autodeterminação. Portanto, as consequências do neocolonialismo afetam não apenas a sustentabilidade, mas também têm implicações na saúde e bem-estar das populações.

Daí a importância de aprofundar a compreensão do neocolonialismo a partir de uma perspetiva holística, transversal e interseccional, uma perspetiva que analise os efeitos diretos sobre os grupos e comunidades que foram profundamente afetados pelo colonialismo e que, sem nenhum processo de reparação, são agora afetados em maior proporção pelo sistema neocolonial. Esta análise interseccional deve abordar diretamente como este sistema afetou as mulheres, camponesas, afrodescendentes e indígenas, incluindo a transversalidade de género, raça e classe. Este aspeto é fundamental para compreender de maneira mais direta as lutas contemporâneas pela terra e pelo território.

Mulheres, luta, terra e território no Caribe e África

1“Commodities” refere-se aos produtos primários, que têm baixo valor no mercado mundial e cujo preço, regra geral, é decidido em bolsas mundiais.

Nesse contexto, é importante lembrar a conexão indivisível entre África e o Caribe, onde ocorreram invasões de territórios e o sequestro de pessoas africanas para serem levadas para os territórios caribenhos para trabalhar forçadamente em plantações. Esta ideia das plantações, desenvolvidas sob o sistema de trabalho forçado, violência e exploração, constitui um exemplo claro do que o neocolonialismo representa. As pessoas de origem africana foram consideradas e tratadas como “commodities”1 para alcançar os processos de industrialização do mundo ocidental, tal como descreve Sylvia Winter (2003). Nos territórios ocupados pelos impérios coloniais, desenvolviam-se as atividades que sustentavam e continuam a sustentar até hoje as dinâmicas de exploração norte-sul. Estas assimetrias refletem-se na forma como os ditos países em desenvolvimento continuam a fornecer os insumos para os níveis de vida insustentáveis no norte global, à custa da degradação da biodiversidade, violações dos direitos humanos e conflitos sociais e políticos. Por esta razão, é importante analisar diversas dinâmicas presentes na conceção do neocolonialismo que, além da desterritorialização, devem também envolver discussões sobre a escravatura, racismo e género.

Neste sentido, é importante compreender como este sistema funciona a partir de exemplos de povos e nações que têm sido afetados historicamente, como é o caso do Haiti. Primeiro país a alcançar a independência da dominação colonial em 1804, o Haiti continua a enfrentar as consequências da sua ousadia e tem sido alvo de intervenções internacionais, sanções e controlo político que desestabilizaram o país e minaram a sua soberania, o que tem provocado instabilidade política, social e económica. A intervenção estrangeira e os projetos de desenvolvimento impostos levaram ao despojo de terras dos/as camponeses/as e à dependência económica, derivando numa profunda crise de violência. As políticas neoliberais e os acordos de livre comércio, como a Parceria Comercial da Bacia do Caribe, permitiram a introdução de produtos subsidiados estrangeiros que destruíram a agricultura local, aumentando a pobreza e a desigualdade. Frente a isso, movimentos camponeses no Haiti continuam a luta pela terra e pelo direito a cultivar.

Um outro caso interessante de resistência no Caribe é o do povo Garífuna, símbolo de resistência contra os negócios extrativos e os monocultivos que ameaçam os nossos territórios ancestrais. Os Garífunas, descendentes de africanos e indígenas do Caribe, lutaram historicamente contra a invasão colonial de ingleses e franceses no século XVII e agora, no Caribe da América Central, continuam a luta para manter os territórios ancestrais frente à expansão de projetos turísticos e agroindustriais de empresas canadianas, norte-americanas e europeias. Esta luta não é apenas pela terra física, mas também pela preservação da cultura, língua, espiritualidade e formas de vida. Miriam Miranda, Coordenadora da Organização Fraternal Negra Hondurenha (OFRANEH), destaca a importância desta luta, denunciando o deslocamento forçado: “Estamos a ser deslocados das nossas terras devido à expansão dos empreendimentos turísticos e à avidez pelas nossas riquezas naturais. Esta é uma forma de neocolonialismo que ameaça a nossa existência e identidade como povo”.

No continente africano, há diversos casos de lutas, como é o caso de Moçambique, que se apresenta como um caso emblemático na região Subsaariana. A União Nacional de Camponeses de Moçambique (UNAC), a maior organização de camponeses/as moçambicanos/as, com quase 60% dos seus membros sendo mulheres, luta contra a apropriação de terras por parte de corporações estrangeiras que pretendem estabelecer monoculturas e projetos mineiros. As mulheres camponesas moçambicanas desempenham um papel fundamental na UNAC e no movimento agrário. Elas equilibram a agricultura com outros trabalhos, como domésticas e vendedoras, mostrando uma abordagem multifacetada para sustentar suas famílias. Nesse sentido, UNAC unifica esforços para defender os direitos à terra, destacando-se pela sua força coletiva na defesa da terra (Monjane, 2023).

Neste caso, a maioria das pessoas que trabalham e produzem a terra são mulheres, que enfrentam uma dupla carga de exploração laboral e opressão de género. Por outro lado, na África do Sul, a luta é diferente porque a distribuição desigual da terra é um legado direto do apartheid, que, por sua vez, é uma extensão do colonialismo. Aí, apesar da independência política, a terra continua concentrada nas mãos de uma minoria branca, enquanto a maioria negra, incluindo as mulheres, continua a lutar pelo acesso equitativo à terra.

2 Women on Farms Project (WFP) É uma organização feminista sul-africana que opera nas províncias do Nortern and Western Cape, trabalhando com mulheres que vivem e trabalham em quintas comerciais. Ver mais aqui.

3 A Organização Fraternal Negra de Honduras trabalha para proteger a cultura e o território Garífuna contra as ameaças aos direitos humanos e ao meio ambiente que a imposição de projetos económicos representa.

Em todos estes casos, as mulheres desempenham um papel crucial na luta pela terra e pelo território. Em Moçambique, Mariam Mayet é uma destacada ativista que defende os direitos das mulheres camponesas e o seu acesso à terra. Na África do Sul, a organização Women on Farms Project2 trabalha para melhorar as condições laborais e de vida das trabalhadoras agrícolas; nas Honduras, a OFRANEH3, apesar da situação de instabilidade e violência no país, existem movimentos e organizações que estão a defender os direitos dos camponeses, nomeadamente, das mulheres camponesas. Como a organização Solidarite Fanm Ayisyèn (SOFA) que defende os direitos à terra das mulheres agricultoras, onde também opera uma Escola de Agricultura Orgânica que apoia mulheres na agricultura.

O neocolonialismo afeta diretamente a posse de terras e territórios, especialmente para as mulheres, que têm uma conexão direta com as suas comunidades e com a terra, e que são as principais responsáveis pela agricultura e pela soberania alimentar. Tal como sublinha a Via Campesina, relativamente à importância da soberania alimentar, que implica o direito dos povos a definir as suas próprias políticas agrícolas e alimentares sem ingerência de nenhum tipo.

Conclusão

O extrativismo e a exploração dos recursos naturais no sul global perpetuam a pobreza e a dependência. As comunidades sem terra e território são forçadas a trabalhar em condições de exploração para as multinacionais, enfrentando violações de direitos humanos e os efeitos das mudanças climáticas. Os governos locais, pressionados pela necessidade de manter as suas economias a funcionar e cobrir os gastos públicos, muitas vezes cedem aos interesses das empresas estrangeiras, facilitando a ingerência em assuntos políticos e económicos.

Desde África até ao Caribe, as comunidades oferecem alternativas à primazia do mercado proposta pelo sistema neoliberal. Organizações, movimentos e comunidades priorizam a justiça social, a proteção dos direitos humanos e a harmonia com a natureza, contrastando com a visão neoliberal (Fernandez Norales, 2017) que coloca esses valores em segundo plano em prol do lucro económico.

A luta pela terra e pelo território é uma luta pela sobrevivência, dignidade e justiça. É uma resistência contra um sistema que, sob novas formas, continua a impor as mesmas dinâmicas de exploração, violência, racismo e exclusão que caracterizaram o colonialismo. A defesa da terra e do território é, em última análise, a defesa da própria vida. Esta luta é especialmente crucial para as mulheres em África e no Caribe, que não só sustentam a agricultura e a soberania alimentar, mas também são guardiãs da cultura, identidade e resiliência comunitária. As histórias de resistência dos/das Garífunas, dos/das camponeses/as haitianos/as, e das mulheres em Moçambique e na África do Sul destacam a importância de uma perspetiva interseccional que aborde género, raça e classe na luta contra o neocolonialismo e pela justiça social e ambiental.

Referências bibliográficas

1. Nkrumah, K. (1965). “Neocolonialism: The Last Stage of Imperialism”. London: Thomas Nelson & Sons.
2. Fanon, F. (1961). “The Wretched of the Earth”. New York: Grove Press.
3. Wynter, S. (2003). Unsettling the Coloniality of Being/Power/Truth/Freedom: Towards the Human, After Man, Its Overrepresentation—An Argument. “CR: The New Centennial Review”, 3(3), 257-337.
4. Chomsky, N. (1999). “Profit Over People: Neoliberalism and Global Order”. New York: Seven Stories Press.
5. Fernández Norales, J. (2017). Descolonizar el desarrollo: ideas de desarrollo desde los publos afro indígenas en Latinoamérica. En C. Olivieri y A. Ortega Santos. (Eds.), Decolonizando Identidades. Pertenencia y Rechazo de/desde el Sur Global (pp. 145-155). Granada, España: Instituto de Migraciones [ISBN: 978-84-921390-5-7]
6. La Vía Campesina. (2010). “Food Sovereignty: A Manifesto”. Disponível aqui.
7. Monjane, B. (2023).  Resisting agrarian neoliberalism and authoritarianism: Struggles towards a progressive rural future in Mozambique. J Agrar Change, 23(1), 185–203.
8. UNAC. (2021).

https://outraseconomias.pt/outrasec/resistencia-e-resiliencia/