Brevíssima nota
Com a publicação destes dois poemas homenageamos o poeta João D'Aldeia e a Moleirinha - faleceu centenária - que lhe serviu de musa, para o poema que o poeta lhe dedicou.
Do Moinho, nem vestígios / Foi arrasado, por alguém incomodado...
Poeta do Vale de Santarém, com ligações a pessoas do concelho de Rio Maior, onde fez e alimentou amizades . Tendo, por exemplo, colaborado com o jornal «O Riomaiorense» que publicava os seus poemas.
Em 1946 escreveu
Vivi as ilusões da minha mocidade,
Afectos varonis em altos ideais.
Acreditei no Bem, no Belo e na Verdade
No Dever, no Respeito, em Esperanças imortais.
Acreditei na Vida e pensei na Igualdade,
Acreditei no Homem e na ciência e, mais,
Num mundo só de Amor, de Paz e Liberdade
Na doce evolução d'efeitos fraternais.
Acreditei ... Sonhava e no progresso cri.
Hoje o Homem, voando, ouve telefonia
E o átomo já disse: «Cheguei, vi e venci»
Mas... Dever, Honra e Paz - do puro Amor seu guia -
Caíram. E, ao dobrar os meus 60 eu vi
Um mundo sem vergonha e só hipocrisia.
Um poema lírico, segundo Victor Manoel Pinto da Rocha, "a que poderemos chamar
«A moleirinha do Moinho d'Ordem»."
Moleirinha prazenteira
Do Moinho da Ribeira
Onde há lírios amarelos;
Com teu mimo e tua graça
Olhando a água que passa
Onde vão teus olhos belos?
Onde vão, ó moleirinha
Da cor da alva farinha? ...
Teus fulvos olhos d'amor
Cabelos da mesma cor
Que o áureo tom acarinha,
Uns são rubis, ou esmeraldas,
Outros formam grinaldas
No rosto cor da farinha.
Se pousas as mãos vestais
Sobre as dobras da cambeira,
Não há cores desiguais:
É tudo farinha alveira.
Que graça tem a Moleira
Do Moinho da Ribeira!
Com seus braços remangados
Volta a farinha por gosto
Que tem a cor do seu rosto
E dos braços cobiçados;
Se o colo mostra, ao desdém,
De quem o oha se amua
Porque semelha, também,
A farinha cor da lua.
Nuvem branca, níveo astro,
É seu colo de alabastro!
Sua coma em desalinho
Que a farinha empoeirou
Toma a cor do alvo linho
Que da farinha a tomou ...
Não tendo da touca o abrigo
Que a áurea cor lhe mantinha,
Bela, fulva, cor do trigo
Agora é cor da farinha ...
Ai a leda Moleirinha
Dando ares d'uma velhinha! ...
Velhinha ... não, querubim
Se de ebúrneo marfim
Tem na cútis o primor
A casta açucena em flor
Iguala, d'essa maneira...
Ou então branca pombinha
Da cor da alva farinha
Do Moinho da Ribeira.
Onde há assim moleirinha
Tão formosa e tão fagueira?! ...
Em: Victor Manoel Pinto da Rocha, JOÃO D'ALDEIA - POETA DO VALE DE SANTARÉM, Edição: Junta de Freguesia de Vale de Santarém, 2019, pp. 110, 111, 112, 113, 114.