terça-feira, 21 de março de 2023

JOÃO D'ALDEIA - POETA DO VALE DE SANTARÉM

                                            

 

                                                Brevíssima nota

Com a publicação destes dois poemas homenageamos o poeta João D'Aldeia e a Moleirinha - faleceu centenária - que lhe serviu de musa, para o poema que o poeta lhe dedicou.

Do Moinho, nem vestígios / Foi arrasado, por alguém incomodado... 

Poeta do Vale de Santarém, com ligações a pessoas do concelho de Rio Maior, onde fez e alimentou amizades . Tendo, por exemplo, colaborado com o jornal «O Riomaiorense» que publicava os seus poemas.


Em 1946 escreveu


Vivi as ilusões da minha mocidade,

Afectos varonis em altos ideais.

Acreditei no Bem, no Belo e na Verdade

No Dever, no Respeito, em Esperanças imortais.

Acreditei na Vida e pensei na Igualdade,

Acreditei no Homem e na ciência e, mais,

Num mundo só de Amor, de Paz e Liberdade

Na doce evolução d'efeitos fraternais.

Acreditei ... Sonhava e no progresso cri.

Hoje o Homem, voando, ouve telefonia

E o átomo já disse: «Cheguei, vi e venci»

 

Mas... Dever, Honra e Paz - do puro Amor seu guia -

Caíram. E, ao dobrar os meus 60 eu vi

Um mundo sem vergonha e só hipocrisia.

 

 

Um poema lírico, segundo Victor Manoel  Pinto da Rocha, "a que poderemos chamar               

«A moleirinha do Moinho d'Ordem»."

 

Moleirinha prazenteira

Do Moinho da Ribeira

Onde há lírios amarelos; 

Com teu mimo e tua graça

Olhando a água que passa

Onde vão teus olhos belos?

Onde vão, ó moleirinha

Da cor da alva farinha? ...

Teus fulvos olhos d'amor

Cabelos da mesma cor

Que o áureo tom acarinha,

Uns são rubis, ou esmeraldas, 

Outros formam grinaldas

No rosto cor da farinha.

Se pousas as mãos vestais

Sobre as dobras da cambeira, 

Não há cores desiguais:

É tudo farinha alveira.

Que graça tem a Moleira

Do Moinho da Ribeira!

Com seus braços remangados  

Volta a farinha por gosto

Que tem a cor do seu rosto

E dos braços cobiçados;

Se o colo mostra, ao desdém,

De quem o oha se amua

Porque semelha, também,

A farinha cor da lua.

Nuvem branca, níveo astro,

É seu colo de alabastro!

Sua coma em desalinho

Que a farinha empoeirou

Toma a cor do alvo linho

Que da farinha a tomou ...

Não tendo da touca o abrigo

Que a áurea cor lhe mantinha,

Bela, fulva, cor do trigo 

Agora é cor da farinha ...

Ai a leda Moleirinha 

Dando ares d'uma velhinha! ...

Velhinha ... não, querubim 

Se de ebúrneo marfim

Tem na cútis o primor

A casta açucena em flor

Iguala, d'essa maneira...

Ou então branca pombinha

Da cor da alva farinha

Do Moinho da Ribeira.

Onde há assim moleirinha

Tão formosa e tão fagueira?! ...


Em: Victor Manoel Pinto da Rocha, JOÃO D'ALDEIA - POETA DO VALE DE SANTARÉM, Edição: Junta de Freguesia de Vale de Santarém, 2019, pp. 110, 111, 112, 113, 114.