segunda-feira, 13 de março de 2023

25 de ABRIL: TRANSFORMAÇÕES NAS ESCOLAS E NOS PROFESSORES (II) - Eduarda Dionísio

 

25 de Abril de 74

O liceu onde eu dava aulas quando o 25 de Abril aconteceu talvez fosse dos mais disciplinados e controlados. Praticamente todos os professores punham sempre gravata - hábito que imediatamente se rompeu... As professoras só há pouco tinham sido autorizadas a usar calças - "jeans", nem pensar... Também só podiam fumar em sala própria e nunca com os colegas-homens na sala dos professores. Pormenores que dizem muito. O direito de reunião, aqui como em todo o lado, era inexistente. Os poucos movimentos associativos (clandestinos) eram rapidamente descobertos e reprimidos.

Nos últimos dias de Abril, de repente, falava-se finalmente de tudo em voz alta. Ser "comunista" já não era crime. Antes do 1º de Maio, já as sabedorias procuradas eram outras: as dos que tinham sido desde sempre da "oposição". A "autoridade" mudava de campo.

No dia 30 de Abril, a sessão que reuniu livremente todos os professores da escola, na vetusta Biblioteca, ainda com a presença do Reitor (que em breve pediria a reforma), era uma realidade completamente nova e surpreendente. Pela primeira vez as pessoas falavam numa assembleia (ainda não propriamente "democrática"). Aprovou-se mesmo um documento (gesto desconhecido até então) de apoio à JSN - que todos os presentes por seu punho assinaram e que foi, se não me engano, redigido e proposto por Mário Dionísio, também professor nessa escola: "(...) esperam os mesmos professores que a orientação da política educacional seja entregue a quem, movido por inequívoco ideal democrático, leve todos os portugueses à escola para que nela se formem e preparem, estude e ponha em prática novas condições de trabalho, livre e criador, promova a real participação de todos os professores na obra imensa que se impõe e com eles tome as medidas necessárias à transformação de mentalidades, cuja necessidade imperiosa e urgente o 25 de Abril significativa".

 Ao mesmo tempo que inaugurava um tempo novo - em que para muitos a esperança nascia e para uns quantos o medo crescia -, esta reunião fechava uma época. Poucos dias depois, o discurso já não seria o de uma tão grande e unânime confiança num Poder que, pelo menos na Educação, ia tardando em mostrar-se com clareza. Ou seja: as medidas que este e outros discursos consideravam mais que urgentes não apareciam.

Rapidamente, cada um tomou em mãos a mudança da escola onde trabalha, sem muito esperar por qualquer "orientação de política educacional". Contando cada escola com as suas próprias forças. E, muito depressa, ousava-se vencer, para além de se ousar lutar. Em breve, os professores descobriram também o que até ali não tinha sido uma evidência: nas escolas, havia estudantes e, para estes, também o 25 de Abril tinha chegado. E havia "funcionários administrativos" - e "auxiliares", que, de um momento para o outro, já não eram designados por "pessoal menor"...

Depois do 1º de Maio, tratava-se sobretudo de eleger, muitas vezes nominalmente e evidentemente sem programa, em Reuniões Gerais, uma nova instância de poder, a que ninguém faltava, nomes para comissões: a comissão sindical, que tratava de tudo um pouco, sentida mais como garante da "democracia" na escola e elemento de ligação com as outras escolas, do que como estrutura de um sindicato que entretanto estava em formação; a "comissão de gestão". Os copiógrafos das secretarias que, até ao momento, tinham servido apenas para reproduzir os enunciados dos exercícios escritos, editavam propostas de funcionamento da escola, reivindicações, comunicados que a imprensa divulgava (sem cunhas e sem dinheiro), os primeiros textos teóricos necessários. Lembro-me de um texto - prático, esse - bem necessário, que circulava nalgumas escolas e que uma professora tinha a iniciativa de fazer: um resumo das regras de funcionamento das assembleias democráticas do Roque Laia. Mesa, ordem de trabalhos e de inscrição, pontos de ordem, requerimentos, considerandos, propostas, declarações de voto - tudo foi, em certo momento, novidade. Eram instrumentos que se aprendia a dominar Por eles passavam as vitórias e a felicidade.

Nem todos os que detinham estes conhecimentos estavam interessados em divulgá-los. Controlar uma assembleia passava muitas vezes pela ignorância ou a pouca experiência dos que tinham acabado de chegar a uma prática, mais nova para uns do que para outros... Mas era também destes trabalhos "elementares" de "divulgação", de "pedagogia democrática" e de participação que se fazia o quotidiano de muitos militantes, alguns dos quais se iam reunindo, informalmente, na sede do Movimento de Esquerda Socialista, fundado nos primeiros dias de Maio, e que não era ainda um partido, mas, de facto, um "movimento", muito aberto.

lembro-me de que um dos primeiros trabalhos da comissão sindical a que eu pertencia (no meio de uma agitação febril que nos levava da Escola à Cova da Moura, por causa dos "saneamentos", às reuniões no Estádio Universitário, por causa do Sindicato, a outras escolas para sabermos uns dos outros e do que por outros sítios se passava), foi iniciar uma biblioteca de sindicalismo. Divulgávamos sistematicamente (stencil, copiógrafo) as indicações bibliográficas mais urgentes (e mais fáceis), os índices, os resumos, alguns textos escolhidos que traduzíamos fora de horas. Por exemplo: "O Sindicalismo Contemporâneo", " O Sindicalismo Revolucionário", "Marx e os Sindicatos", " A CGT", "Os Sindicatos Operários em FRança" - livros que alguns de nós tinham e que punham à disposição de todos...

 

Em: O FUTURO ERA AGORA - O movimento popular do 25 de Abril, Coord. Francisco Martins Rodrigues, Edições Dinossauro, Lisboa, 1994, pp. 179 a 181.