quinta-feira, 16 de março de 2023

25 de ABRIL: TRANSFORMAÇÕES NAS ESCOLAS E NOS PROFESSORES (VI) - Eduarda Dionísio

Março e Novembro de 75

 

Três dias antes do 11 de Março, reuniam-se, em Económicas, centenas de professores. Era um "Encontro Nacional" promovido pelo Núcleo de Professores do MES. Alguns dos que participaram no Encontro eram militantes, bastantes consideravam-se "simpatizantes", a maior parte não tinha qualquer relação com o Movimento. Apenas reconheciam interesse no Encontro - que vinha na sequência do discurso do "Pelo Poder das Escolas".

O Encontro durou das 9 da manhã à meia-noite, em reuniões plenárias e por secções. Tratou da escola e do sindicalismo dos professores, dos conteúdos e dos métodos de ensino, por graus e por disciplinas, a partir de textos previamente divulgados. Tratava-se, depois deste grande encontro, de os professores presentes promoverem debates a partir das teses e das conclusões, bem como dos textos antológicos" divulgados e "levar à prática as propostas avançadas, devidamente ajustadas às situações concretas e à evolução do processo político revolucionário em curso no nosso país".

Um livro foi rapidamente editado. Vendeu-se facilmente. Reúne um conjunto de materiais que muitos professores usaram nas suas tentativas de "combater a escola burguesa" e de transformar a escola numa outra escola.


                                                      25 de Novembro de 75

 

Muito se tinha andado desde Abril de 74. As escolas já não eram - há muito, parecia-nos - como dantes. Alunos e professores mantinham relações muito mais igualitárias - o que não excluía o conflito. Era normal tratar-se na escola do que se passava fora dela. A fórmula da "assembleia" passou para muitas aulas. As autoridades estavam abaladas.

Não havia rotina nas escolas. As aprendizagens a custo se centravam nas "matérias". Eram outras. Lembro-me dos enormes cartazes com frases de Samora Machel, por toda a escola, a propósito da independência de Moçambique.

O ano lectivo de 74/75 tinha sido, evidentemente, profundamente agitado por todas as questões referidas e muitas outras, mas também por acções violentas, provocadas por grupos de estudantes de direita que andavam de escola em escola. As interrupções de aulas eram constantes - reuniões cada vez menos participadas, greves cada vez mais frequentes. Militares ocuparam a direcção das escolas mais "ingovernáveis". Em 75, os "pais" começavam a organizar-se no sentido de "repor a ordem" nas escolas dos seus filhos, o que passava por "vigiar" os professores, apesar de só em 76 as poucas associações de pais existentes se terem reunido naquilo a que chamávamos a "CAP dos Pais".

Os alunos mais novos, e também, de uma maneira geral, os que não pertenciam a organizações exteriores à escola, e muitos professores, começavam a cansar-se. Os alunos habituaram-se sem dificuldades a decidir sobre (pelo menos) algumas coisas, mas mais cedo do que grande parte dos professores, já não lhes parecia assim tão essencial decidir, ir a reuniões, nem, por exemplo, que as reuniões das comissões directivas fossem públicas - o que tinha sido um grande cavalo de batalha...

Em Novembro de 75, eu pertencia a mais uma comissão sindical, recentemente eleita, cujo programa terminava dizendo: "Só um trabalho de base quotidiano e regular com todos os professores interessados no processo revolucionário e no socialismo em torno de verdadeiros problemas pode dar origem a uma linha sindical consequente e contribuir para a criação dum sindicato democrático e de massas que adquira uma função na luta anticapitalista".

Um mês antes do 25 de Novembro, em resposta a um texto da CDP do Sindicato intitulado "É necessário impedir a desagregação do nosso Sindicato!", a comissão sindical anterior, a que eu pertencia também, tinha divulgado um contratexto, discutido numa reunião alargada e distribuído noutras escolas, onde responsabilizava a CDP pelo avanço de posições "oportunistas" e "contra-revolucionárias", uma vez que, entre outras coisas, não tinha conseguido manter uma posição  coerente no caso da colocação/recondução dos professores (que ainda se arrastava); tinha feito acordos com o MEIC sobre a questão da gestão (cujo decreto-lei entretanto saído não assegurava uma real participação e autonomia); tinha desmobilizado os professores no processo da reivindicação salarial, ao ter negociado os aumentos numa perspectiva "trade-unionista"; tinha apoiado os únicos estatutos que privilegiavam os plenários em detrimento das assembleias de escola; tinha abandonado a discussão da lei da greve, da lei sindical, dos saneamento, dos concursos, das acumulações, etc., etc....

Já se começava, pois, a falar de "desmobilização". Poucos dias antes do 25 de Novembro, a comissão sindical aprovava, nessa escola, uma declaração de princípios sobre gestão democrática, a discutir em assembleia de delegados, que, mais uma vez, afirmava que não deveria haver um único modelo de gestão e que "os modelos de gestão aprovados deverão permitir e fomentar a ligação da escola ao meio e o progressivo controle da escola pelos órgãos de Poder Popular".

No princípio de 76, tiveram lugar as primeiras eleições para o Sindicato dos Professores decorrentes dos Estatutos aprovados. As listas, propostas por 200 sócios, eram constituídas por 50 candidatos. O regulamento ainda dizia que estes não podiam ter pertencido à ANP, UN, PIDE/DGS, MP/LAG, nem ter nenhum processo de saneamento pendente, nem ter pertencido a qualquer direcção de sindicato imposta pelo regime fascista, nem ter interesses financeiros no ensino particular, etc.... Concorreram 6 listas e, pela primeira vez, a direita. Aquela que eu integrei, a B, tinha como lema "Mobilizar. Combater Unir. Por uma Prática Sindical Anticapitalista".

O PCP perdeu a direcção para o PS (que incluía o futuro POUS). Em breve, seria o agravar da desmobilização - que tinha, aliás, começado logo, significativamente, com os aumentos salariais de 75. Mas muitas comissões sindicais e assembleias de escola continuavam - e continuariam por muito tempo ainda - activas, com real influência nas escolas e no Sindicato.

Faltava pouco para começar a falar no "regresso à escola do 24 de Abril".


Em: O FUTURO ERA AGORA - O movimento popular do 25 de Abril, Coordenador: Francisco Martins Rodrigues, Edições Dinossauro, Lisboa, 1994, pp. 190 a 193.