Ao escrever, e independentemente do valor do que escrevo, tenho às vezes a vaga consciência de que contribuo, embora modestamente, para o aperfeiçoamento desta terra onde um dia nasci para nela morrer um dia para sempre. Dou palavras um pouco como as árvores dão frutos, embora de uma forma pouco natural e até antinatural porquanto, sendo como é a poesia uma forma de cultura, representa uma alteração, um desvio e até uma violência exercidos sobre a natureza. Mas, ao escrever, dou à terra, que para mim é tudo, um pouco do que é da terra. Nesse sentido, escrever é para mim morrer um pouco, antecipar um regresso definitivo à terra.
Escrevo como vivo, como amo, destruindo-me. Suicido-me nas palavras. Violento-me. Altero uma ordem, umas harmonia, uma paz que, mais do que a paz invocada como instrumento de opressão, mais do que a paz dos cemitérios, é a paz, a harmonia das repartições públicas, dos desfiles militares, da concórdia doméstica, das instituições de benemerência. Ao escrever, mato-me e mato. A poesia é um acto de insubordinação a todos os níveis, desde o nível da linguagem como instrumento de comunicação, até ao nível do conformismo, da conivência com a ordem, qualquer ordem estabelecida.
O poeta deve surpreender-se e surpreender, recusar-se como instituição, fugir da integração, da reforma que até mesmo pessoas e grupos aparentemente progressivos lhe começam subtilmente a tentar impor o mais tardar aos trinta anos. Abaixo o oportunismo, a demagogia, seja a que pretexto for. O poeta deve desconfiar dos aplausos, do êxito a até passar a abominar o que escreveu logo depois de o ter escrito. Numa sociedade onde quase todos, pertencentes a quase todos os sectores, procuram afinal instalar-se o mais cedo possível, permanecer fiéis à imagem que de si próprios criaram pessoalmente ou por interpostas pessoas, o poeta denuncia-se e denuncia, introduz a intranquilidade nas consciências, nas correntes literárias ou ideológicas, na ordem pública, nas organizações patrióticas ou nas patrióticas organizações.
Escrever é desconcertar, perturbar e, em certa medida, agredir. Alguém se encarregará de institucionalizar o escritor, desde os amigos, os conterrâneos, os companheiros de luta, até todas aquelas pessoas ou coisas que abominou e combateu. Acabarão por lhe encontrar coerência, evolução harmoniosa, enquadramento numa tradição. Servir-se-ão dele, utilizá-lo-ão, homenageá-lo-ão. Sabem que assim o conseguirão calar, amordaçar, reduzir.
É claro que falo do poeta e não do poestastro, do industrial e comerciante de poemas, do promotor da venda das palavras que proferiu. Falo do homem que nunca repousou sobre o que escreveu, que se recusou a servir-se a si e a servir, que constantemente se sublevou.
Falo do homem que, ombro a ombro com os oprimidos, empunhando a palavra como uma enxada ou uma arma, encontrou ou pelo menos procurou na linguagem um contorno para o silêncio que há no vento, no mar, nos campos.
O poeta, sensível e até mais sensível porventura que os outros homens, imolou o coração à palavra, fugiu da autobiografia, tentou evitar a todo o custo a vida privada. Ai dele se não desceu à rua, se não sujou as mãos nos problemas do seu tempo, mas ai dele também se, sem esperar por uma imortalidade rotundamente incompatível com a sua condição mortal, não teve sempre os olhos postos no futuro, no dia de amanhã, quando houver mais justiça, mais beleza sobre esta terra sob a qual jazerá, finalmente tranquilo, finalmente pacífico, finalmente adormecido, finalmente senhor e súbdito do silêncio que em vão tentou apreender com palavras, finalmente disponível não já tanto para o som dos sinos como para o som dos guizos e chocalhos dos animais que comem a erva que afinal pôde crescer no solo que ele, apodrecendo, adubou com o seu corpo merecidamente morto e sepultado.
Em: Ruy Belo - Todos os Poemas, Círculo de Leitores, 2000, pp. 267/8
Nota: Os sublinhados são da nossa responsabilidade.
Concidadãs e concidadãos, a todas as pessoas que vivem no concelho de Rio Maior, e não só, se nos permitem, colocamos à vossa consideração e convidamos-vos a pensar e reflectir connosco sobre a notícia incluída na página 6, do Boletim Municipal de Rio Maior, n.º 17 de Junho de 2025, com o título seguinte:
«Reabilitação da Casa Ruy Belo a bom ritmo»
Perante uma notícia destas só poderíamos concluir que, após décadas de abandono a que a casa esteve sujeita, finalmente as obras, necessárias e urgentes, de reabilitação prometidas, recorrentemente prometidas, em cada campanha de propaganda eleitoral autárquica, tinham começado...
Mas não, a realidade desmente a notícia, a casa já não existe, foi demolida, ruiu, porque lhe tiraram o telhado, em época de chuvas e, como era de adobes, ruiu, na prática, para além de décadas de abandono e degradação, foi demolida. Por isso, não é possível a «obra de reabilitação e conservação» de uma casa que não existe.
Ficou o local, não a casa, onde o poeta, ainda menino, olhava pela janela o rio Maior e imaginava o rebentar do mar que já conhecia «das páginas dos livros que já tinha lido». Nessa casa ninguém vai poder entrar e pisar o mesmo soalho que o poeta pisou, nem andar «dentro dela de janela em janela», como o poeta andou...
Porque nada disso existe, nada disso tem reabilitação e conservação possível...
As obras que estão a decorrer, no local, são de construção de uma casa, e não de reabilitação e conservação, como está escrito no edital da obra, da casa onde nasceu e viveu o poeta Ruy Belo...
Esta lastimável situação, sendo da responsabilidade do executivo camarário e da junta de freguesia local, vai custar às pessoas que pagam impostos, directos e indirectos, pelo menos, 530 mil euros, segundo o que veio a público.
Consideramos que, perante este vergonhoso processo, é no mínimo exigível que a verdade seja reposta e a propaganda enganosa extirpada.
E isso só é possível com a participação organizada e continuada das pessoas que não abdicam dos seus direitos e deveres cívicos, em defesa da verdade, da cultura, da história, do património e da memória colectiva da comunidade.
chamado para mobilização popular em defesa das nossas vidas, pelas florestas, solo, água e ar respirável.
Instigadas pelo sofrimento das populações rurais que, em Portugal, são as mais vulneráveis perante o repetido terror dos incêndios e com o peso das centenas de pessoas mortas este verão em Portugal pela Galp, EDP, Navigator e Altri, através das ondas de calor voltamos a sair à rua em defesa das vidas de todas nós, ano após ano mais e mais ameaçadas, e por uma floresta que nos ajude a mitigar o impacto crescente das altas temperaturas e a destruição causada por um clima cada vez mais feroz e errático.
Fazemo-lo pelo terceiro Setembro consecutivo, juntando centenas de pessoas em várias cidades, vilas e aldeias do país – agora com concentrações por todo o mundo, no ambito da Draw The Line / Delimite em que várias organizações, povos, comunidades e lideranças indígenas, “da Amazónia ao Pacífico”, nos convocam a retomarmos as rédeas do futuro, pois a única resposta somos nós: as comunidades e as pessoas.
Fazemo-lo ainda, ou sobretudo, porque o poder político, celuloses e indústria fóssil, em sólito conluio, seguem na contra-mão do que seriam verdadeiras e urgentes políticas-de-vida: conscientes dos desafios climáticos e da pressa em interromper e superar um sistema que coloca o lucro (nunca distribuído) e a falácia do crescimento económico infinito como única possibilidade ao viver humano.
O resultado desta acção, voluntária e premeditada, atingiu globalmente o seu ponto crítico: turbulências económicas, catástrofes ecológicas e climáticas, instabilidades políticas, ataques violentos aos direitos humanos fundamentais, militarização e genocídios, com os ricos ficando mais ricos e influentes e os pobres mais pobres e manietados.
Em Portugal a desgraça é congénere. Somos um país onde as populações do interior foram empurradas para o litoral, transformando grande parte do espaço rural em zonas de pilhagem. As empresas e as suas monoculturas impostas, mataram a biodiversidade e, exponenciadas pelo aquecimento global, transformam Portugal num deserto, fustigado pelos incêndios sem tréguas.
Somos, em termos relativos, o país com mais área de eucalipto no mundo. Em termos absolutos, o quarto. Ao perigo da monocultura do eucalipto adiciona-se o tempo quente e seco, resultado de décadas de atividade encorajada pelo poder político e subsidiada pela indústria fóssil e da celulose. Como consequência, somos o país que mais arde na Europa. Empresas como a Navigator e Altri sequestraram para si uma fatia imensa do território e, como todos os males não travados, cresce na sua tentativa de propagação além fronteiras, como agora se assiste com o recente projecto aprovado de uma fábrica da Altri na Galiza.
Por outro lado, a indústria da celulose e as empresas de combustíveis fósseis como a Galp e EDP fazem lucros recorde enquanto as suas emissões levam a recordes de temperatura e milhares de pessoas mortas em ondas de calor. Outros males alheios ao bem-estar de pessoas, animais e seus biomas, concorrem para a destruição sócio-ambiental do nosso território: extração de lítio, agroplantações e pecuária intensivas, o embuste que tem sido a gestão das faixas de combustível e as instalações de parques fotovoltaicos e eólicos em ecossistemas abatendo milhares e milhares de sobreiros e carvalhos – essenciais para a resiliência às alterações climáticas e absorção de emissões -, o turismo massificado, a construção civil predatória, a ascensão da extrema- direita.
Todas são manifestações do crescimento capitalista a todo o custo e o desmantelamento da democracia. A imposição da destruição e colapso como única opção de futuro são a captura total do poder popular pelas elites políticas e económicas, forças destruidoras da sociedade e do planeta.
A luta pela vida e pelo fim da destruição é uma luta pelo bem comum e por uma democracia verdadeira e não apenas estes simulacros, rituais e processos vazios que hoje se encontram no seu lugar. Cabe-nos reaver o mundo e, colectivamente, exigir e lograr um futuro justo.
DESEUCALIPTAR
Mais do que nunca, temos de deseucaliptar e parar as monoculturas enquanto é tempo, para construir uma verdadeira floresta do futuro – floresta autóctone e biodiversa. Essa floresta tem de ser arrancada das mãos da indústria do eucalipto e da biomassa. Temos de garantir a expulsão do eucaliptal e o controlo da monocultura do pinheiro. Para começar, é preciso erradicar 700 mil hectares de eucaliptal em Portugal.
Temos de transformar a mistura explosiva de eucaliptal, pinhal e invasoras em verdadeira floresta e bosques resilientes, que aguentem o futuro mais quente, que travem o deserto e promovam uma rehabitação digna do interior do país. Tal será feito com as comunidades no centro, garantindo que quem resiste no meio rural tem fontes de rendimento que lhes permita viver com dignidade.
DESCARBONIZAR
Atingido o ponto de ruptura total, é imperativo que nos organizemos colectivamente para uma descarbonização imediata – medida sem a qual não poderá ser travada a crise climática. Queremos garantir o fim aos fósseis até 2030, através de uma transição justa, sustentável e ecológica. Tal implicará parar já todos esses projectos alienados de qualquer ideia de futuro, como são o gasoduto no Norte de Portugal, as minas de lítio e a Fábrica da altri na Galiza tal como os consumos desnecessários e do ultra-luxo.
Agirmos em comunhão com todos os povos nesta luta implicará, igualmente, 1) expulsar do Sul Global as empresas da indústria fóssil sediadas em Portugal, 2) o cancelamento da dívida dos países do Sul Global, 3) garantir que as empresas culpadas pela crise climática sejam responsabilizadas pelos danos causados.
DEMOCRATIZAR
Temos de tomar nas nossas mãos o rumo do planeta, recuperando o verdadeiro sentido da Democracia. Basta de imposições empresariais em conluios políticos contra os povos. É preciso construir uma sociedade em que as decisões são feitas pelas pessoas e para as pessoas, de forma colectiva, participativa e plural; em que a terra pertence às pessoas, e onde no centro estão as necessidades reais de todas as pessoas, tendo em conta as comunidades locais e justiça global.
Em Portugal, precisamos um cadastro rural total que permita avançarmos para a gestão coletiva das terras abandonadas. Para isso temos de nos organizar nas nossas localidades e em rede, para agirmos lado a lado.
Contra todos estes flagelos a nossa coragem e o desafio histórico de as enfrentar. Não nos sobra alternativa além de nós mesmas. Dia 20 de Setembro, junta-te a nós em algum dos muitos locais de protesto e organização popular.
Organizado por: Rede Emergência Florestal / Floresta do Futuro
Subscrito por:
ADPLP – Associação de Desenvolvimento e Proteção Local das Póvoas
Associação Intervalo de tempo – ass cultural sem fins lucrativos
Associação PRIP
Casa de Gigante
Climáximo
CooLabora – Intervenção Social
Cova da Beira Converge
Fim ao Fóssil Coimbra
Greve Climática Estudantil Lisboa
Lousitânea, Liga de Amigos da Serra da Lousã
proTEJO – Movimento pelo Tejo
Reabrir a Galé
SOS Árvores de Braga
Arbor
Global Florest Coalition
ClimAção Centro
Um Colectivo
MUDA (Movimento de União em Defesa das Árvores)
Eco-Cartaxo
Associação Cultural e Ecológica Palettentheater
Kollektiv
SOS Quinta dos Ingleses
Academia Cidadã
Plataforma Anti Transfobia e Homofobia de Coimbra
Movimento Cívico Ar Puro
Habitat Açores
A Rede Emergência Florestal / Floresta do Futuro foi criada em 2022 na sequência da Caravana pela Justiça Climática, reunindo membros de dezenas de aldeias e cidades em Portugal. Une os seus membros a convergência sobre a necessidade de mobilização social acerca de incêndios florestais em Portugal, incidindo nos três principais vértices deste tema no nosso tempo: eucaliptização, abandono e crise climática.