sábado, 13 de janeiro de 2024

Florestas: mais emissões ou mais emprego? – Paulo Pimenta de Castro

Nas últimas duas décadas, a estimativa de emissões de Gases de Efeito Estufa associados aos incêndios rurais em Portugal ronda os 50 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente. Cerca de metade corresponde à área ardida em apenas três anos: 2003, 2005 e 2017.


Se a média anual das emissões decorrentes dos incêndios rurais é inferior às produzidas pelo sector da agricultura e, mais ainda, pelos sectores dos transportes ou da energia, o facto é que estas últimas têm, necessariamente, de ser reduzidas. Designadamente, através da transição energética e pela readaptação dos processos produtivos. Todavia, há uma diferença substancial entre as emissões decorrentes destes sectores económicos e as produzidas pelos incêndios florestais. As primeiras têm subjacente a actividade produtiva, apesar dos problemas conhecidos, as últimas geram apenas destruição. Essa destruição está associada à perda de biodiversidade, ao aumento do risco de erosão e perda de fertilidade dos solos, à perda de capacidade de armazenamento de água. Estes, são três factores, a par das doenças respiratórias, que condicionam fortemente a qualidade de vida futura das populações humanas.

As perspectivas futuras, no domínio climático, não são animadores. Seja pelas projecções de ocorrência crescente de anos de seca, seja pelo aumento da temperatura ou da intensidade do vento. Por outro lado, no domínio da ocupação do solo, a ausência de políticas de contenção do êxodo rural, associada à omissão do Estado quanto à proliferação de extensas áreas de monocultura lenhosa, tendem a potenciar futuros grandes (superiores a 10 mil hectares) e mega-incêndios (superiores a 100 mil hectares) no território. Por último, a ausência de apoio especializado no terreno, leva a que a mudança nos comportamentos seja ténue. Sendo que comportamentos do passado, nomeadamente no uso do fogo em meio rural, são hoje o maior factor de ocorrência de incêndios. Se a intervenção humana sobre o clima gera impacte a mais longo prazo, urge intervir nos dois outros domínios, seja sobre a ocupação do território, seja sobre os comportamentos na sua gestão.

Para a intervenção sobre a ocupação e os comportamentos, há que ter em conta a visão subjacente à definição de instrumentos e de medidas de política para o território. A política florestal é parte de um conjunto de políticas sectoriais que têm por base o território.

Uma visão que assente na robotização da gestão do território e no uso do fogo, que não na aposta no rendimento familiar rural, é uma aposta mais de acordo com extensas áreas de plantações mono-específicas e regulares. A aposta da já designada “paisagem ordenada”. A aposta nesta visão não carece de esforço de repovoamento humano do território. Muito pelo contrário, será preferível escorraçar os pouco que ainda lá estão e os poucos que para lá queiram ir. O problema é que esta visão, de zero população, tenha perna curta. Obtido o lucro e esgotados os recursos naturais, os “empresários” das monoculturas partem para outras paragens. Mas, o território não migra. Alguém vai ter de dar azo ao esforço de o recuperar. Se tal for possível! Face às alterações climáticas. É assim como que um reviver pós-décadas de 30 e 40 do século passado, com a “campanha do trigo” e o esforço de “colonização interna”, na década de 60/70, que se lhe seguiu. Mas, agora há que contar com o efeito de outras condições climáticas. O custo será proibitivo, o avanço da desertificação uma realidade avassaladora.

Ainda neste contexto, há que ter em consideração condicionantes de natureza fitossanitária. A proliferação de pragas e de doenças é facilitada por extensas áreas de monoculturas e por novas condições climáticas.

Uma outra visão, já operacionalizada várias vezes ao longo da História, passa pela aposta no repovoamento humano. Pela aposta sistemas poli-culturais, agro-silvo-pastorias. Estes conferem maior resiliência face às alterações climáticas. Esta opção carece de um esforço imediato, mas gradual, por parte do Estado. Pode e deve ser enquadrado no âmbito de apoio europeus, já num quadro de programação dos apoios da União Europeia para o período 2021-2027.

Mas, não chega deitar dinheiro sobre a problemática do abandono e acréscimo de riscos no território. Assim o prova os apoios públicos atribuídos ao sector agrário nas décadas mais recentes. Comprovadamente, pouco ou nada beneficiaram o território ou as suas populações. Pelo contrário, o rendimento familiar rural ficou fortemente condicionado, o emprego no sector primário registou um substancial decréscimo. No domínio florestal, houve diminuição no coberto florestal, com incidência nas espécies autóctones, e aumento o risco de propagação de incêndios e de proliferação de pragas e de doenças, fruto do abandono e da expansão de áreas de monoculturas.

Entre 1990 e 2019, a população empregada no sector primário registou uma contracção superior a meio milhão de postos de trabalho. No sector silvo-industrial, neste mesmo período, a perda de emprego andou próximo dos 100 mil postos de trabalho. O impacto foi sentido sobretudo nas micro, pequenas e médias empresas, sediadas, essencialmente, em áreas de baixa densidade populacional. Actualmente, entre o sector primário, emprego em silvicultura, e o sector secundário, emprego na indústria transformadora de base silvícola, estão activos 66 mil postos de trabalho. Cerca de 80% destes ocorrem no sector do processamento das madeiras e do mobiliário.

Uma visão de aposta no repovoamento rural, no rendimento familiar rural, em sistemas agro-florestais, implica, de imediato, na redução dos riscos de habitabilidade em zonas rurais. Para além de intervenções de carácter mais geral, em escolas, hospitais, tribunais, correios e outros serviços e infraestruturas essências, no plano agrário implica ainda que seja disponibilizado apoio técnico de proximidade. O que não chega, se os mercados continuarem a ser condicionados pela indústria transformadora pesada ou pela indústria de grande distribuição.

Um outro domínio importante passa pelo aumento da capacidade de fiscalização por parte de organismos do Estado. O enfraquecimento dos organismos competentes da Administração Pública serve hoje ainda interesses que comprometem uma visão europeia de ocupação do território, fomentado o seu abandono e a expansão de monoculturas de prazo, cada vez mais, condicionadas pela escassez de recursos e pelas alterações climáticas.

Desta forma, no que respeita especificamente à conservação da natureza e das florestas, bem como à sustentabilidade da actividade agro-silvo-pastoril, urge uma aposta numa maior e melhor capacidade de intervenção do Estado nos domínios da fiscalização, da prevenção e do combate aos riscos que se colocam de forma crescente. Isto, através dos reajustes necessários numa depauperada autoridade florestal nacional, designadamente no domínio do policiamento florestal, bem como no reforço de quadros de sapadores bombeiros florestais. Se num caso se impedem e contraiam acções ilegais, no outro reforça-se a capacidade de intervenção prévia, em período menos crítico através de acções de prevenção e vigilância, e a primeira intervenção, em caso de ocorrência de incêndio.

Mas, não chega! Embora seja conhecido o potencial ecológico das várias espécies ao longo do território, existe uma forte carência de conhecimento técnico para a aplicação das melhores práticas para o seu cultivo. Através de um serviço de extensão florestal, é possível ligar a investigação à produção. Embora sob coordenação pública, a operacionalidade no terreno deste corpo de extensionistas pode assentar em entidades públicas ou em organizações associativas de proprietários e produtores agro-florestais.

Neste enquadramento, suportado pelo acréscimo de valorização ambiental, social e económico do território, é possível criar, na próxima década, pelo menos 10 mil novos postos de trabalho ligados às florestas e à actividade agro-silvo-pastorll.

  • Seja no domínio do policiamento, através da recuperação do corpo de guardas e mestres florestais.
  • Seja na prevenção, vigilância e primeiro combate, com o reforço e reestruturação do quadro de sapadores bombeiros florestais.
  • Seja no domínio da extensão rural ou florestal, através de um corpo de técnico especializado, capacitado para apoio directo a proprietários e produtores, em ligação privilegiada às universidades e centros de investigação do Estado.
  • Seja na gestão técnica e comercial, directamente nas explorações rurais, ou na realização de operações culturais.
  • Seja em consultoria, na actividade viveirista ou na realização de operações manuais, moto-manuais e mecanizadas, através de empresas de prestação de serviços.

Todavia, há que associar ainda o reforço do emprego em escolas profissionais e em instituições do ensino superior, para a qualificação e formação contínua destes quadros. Por último, embora reduzido em termos de empregabilidade, há que recuperar o organismo de regulação económica, impedindo que os mercados continuem a funcionar em concorrência imperfeita, dominados por oligopólios industriais que condicionam o rendimento rural. Sem este último, várias das apostam anteriores correm o risoc de ficar fortemente condicionadas.

No final, o grande objectivo a traçar deve ser o de reduzir para metade o valor médio anual de emissões decorrentes da destruição das florestais pelos incêndios. Tal só é possível com a proximidade humana. As regiões mais densamente povoadas (distritos de Lisboa, Porto, Braga) são as que registam maior número de ocorrências de incêndios, mas são aquelas em que cada ocorrência provoca menor área ardida. Já as regiões de baixa densidade populacional, apesar do menor número de ocorrência, são aquelas onde uma ocorrência pode dar origem a um grande incêndio.

No entanto, não é só no sector primário, e em concreto nos incêndios, que a questão das emissões de gases de efeito estufa se coloca. A estratégia industrial que o país pretenda levar a cabo tem forte impacto sobre as emissões e o sequestro de carbono. Se a estratégia priorizar a produção de madeira para triturar, para transformação pela indústria papeleira ou do sector energético, o carbono resultante do crescimento das árvores é rapidamente libertado. Os produtos obtidos são de ciclo curto de sequestro de carbono. Pelo contrário, se aposta passar pela valorização da madeira serrada, pela produção de cortiça, os produtos obtidos estão associados a longos períodos de sequestro de carbono. Por outras palavras, uma folha de papel, após o seu fabrico, é rapidamente utilizada e deitada fora. Embora possa ser reutilizada e reciclada, o carbono que armazena é rapidamente libertado. Por sua vez, uma peça de madeira serrada, utilizada em construção ou em mobiliário, pode manter o carbono nela armazenada por décadas. O mesmo pode acontecer com os bens produzidos em cortiça.

Fruto de um adequado modelo de gestão, a produção de madeira para serrar ou de cortiça pode facilmente ser associada a outras produções e à prestação de serviços ambientais dos ecossistemas. O mesmo não acontece com as plantações intensivas para a obtenção de lenho para triturar e queimar.

Para além da produção de bens associados a maiores ciclos de sequestro de carbono, as indústrias das madeiras e do mobiliário, como antes referido, representam 80% do emprego no sector silvo-industrial nacional. Uma economia rural que aposte em unidades locais de primeira transformação de produção agro-florestais, cria valor e emprego, contribui para a fixação e migração de pessoas para as regiões rurais.


Paulo Pimenta de Castro é engenheiro silvicultor e presidente da direção da Acréscimo, Associação de Promoção ao Investimento Florestal.