domingo, 11 de setembro de 2022

Portugal em Chamas - Como Resgatar as Florestas, João Camargo e Paulo Pimenta de Castro

Eucaliptos Crise Climática Abandono / Despovoamento FOGO

 

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

Portugal está no Mediterrâneo, um hotspot de alterações climáticas, o que significa que a crise climática aqui se manifesta com maior intensidade do que a média global. Um aumento de 1,5oC à escala global significa mais 3oC aqui. Estamos num zona que tenderá a arder ainda mais do que agora. No entanto, Portugal arde mais do que os outros países mediterrânicos. 

Mitos INCENDIÁRIOS 

Portugal está perfeitamente dentro da média dos outros países. Entre 20 e 30% dos incêndios no país são propositadamente iniciados, são fogos postos. Na Grécia os fogos postos estão entre 25 e 29%. Na Catalunha são 25%. Insistir no mito dos incendiários só serve para esconder o único factor que explica o facto de Portugal ser o país que mais arde na Europa e no Mediterrâneo: ter enormes manchas de floresta abandonada e composta principalmente por eucalipto, que se beneficia de incêndios. 

O MODELO DE NEGÓCIO DAS CELULOSES 

Portugal, apesar da sua área pequena, é um abastecedor gigante de papel, em particular para os países europeus. A The Navigator Company é a maior produtora de papel de impressão e de escrita da Europa e a sexta maior produtora do mundo. A Altri também é uma grande produtora. Apesar da sua área pequena, 10% do território nacional está dedicado a esta cultura de exportação, que empobrece solos, esgota águas e favorece incêndios, rumo à desertificação. Para que este modelo de negócio se tornasse rentável, foi necessária uma política pública que degradasse o valor dos terrenos e os tornasse tão pouco rentáveis que parecesse uma boa ideia simplesmente lá plantar eucaliptos (fornecidos pelas celuloses) e nove anos depois as celuloses ou seus empreiteiros simplesmente lá irem buscar as árvores. Os sucessivos governos, em particular a partir de metade dos anos 80 construíram esta legislação, que favoreceu um interior abandonado e perigoso, barato e mesmo à porta do Centro da Europa, poupando em transportes e em investimentos com os solos (as celuloses só possuem 110 mil hectares e arrendam mais 80 mil, mas usam a matéria-prima de uma área até 5 vezes maior do que essa. Portugal é um enorme estaleiro desta indústria e arca com todos os perigos e destruição da mesma. 

O MODELO DE NEGÓCIO DAS CELULOSES 

Entre as figuras políticas mais evidentes na construção deste estado de coisas estão: - Álvaro Barreto (Ministro da Indústria e Energia; Ministro da Agricultura; CEO da Portucel-Soporcel, Administrador da Portucel) - António Nogueira Leite (Diretor da Portucel-Soporcel; Secretário de Estado Finanças) - Daniel Bessa (Ministro da Economia; Administrador da Celbi) - Francisco Pinto Balsemão (Primeiro-Ministro, Administrador da Celbi durante 26 anos) - Joaquim Ferreira do Amaral (Ministro das Obras Pùblicas, do Comércio e Turismo, etc., Administrador da Semapa e Inapa) - Luís Todo-Bom (Secretário de Estado da Indústria e Energia, Administrador Caima, Presidente Conselho Fiscal Portucel-Soporcel). Neste momento, as celuloses estão também a aproveitar todos os fundos disponíveis para o combate às alterações climáticas para queimar madeira como energia "renovável". A Navigator Company produz cerca de 10% de toda a energia "renovável". Isto faz-se provocando desflorestação tanto em Portugal como noutros países, com importação de madeira para queimá-la, o que anularia qualquer ganho em termos de emissões. 

O MODELO DE NEGÓCIO DAS CELULOSES 

Perante uma pressão crescente sobre as celuloses, com os efeitos da crise climática a reduzirem o crescimento dos eucaliptos e com os incêndios por vezes a afectá-las diretamente, elas estão a procurar outros países onde plantar a sua matéria-prima, de forma a continuar o seu modelo de expoliação de solos e comunidades. O principal destino da The Navigator Company foi Moçambique, onde opera sob o nome Portucel Moçambique. Plantaram 350 mil hectares de eucalipto, expulsando comunidades, vedando o acesso a água e a caminhos, em Manica e na Zambézia. Em Portugal, as celuloses são neste momento o sector mais emissores de gases com efeito de estufa, desde o encerramento da central a carvão de Sines da EDP. Os complexos industriais de Setúbal, de Cacia e da Figueira da Foz da Navigator estão todos no TOP10 das estruturas industriais mais emissoras.

ENTÃO, PORQUE FAZEM ELES PROPAGANDA DO EUCALIPTAL COMO COMBATE ÀS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS? 

1) Porque não têm, nem nunca tiveram um pingo de vergonha na cara. 2) Porque muita gente não percebe as contas. Resumindo: as plantações florestais não retêm carbono no médio-prazo, que é o único que nos interessa. A mobilização de solos + máquinas + fertilizantes liberta uma enorme quantidade de carbono para a atmosfera. As plantações são cortadas num período curto e qualquer carbono retido é libertado nas fábricas das celuloses. 

ENTÃO, PORQUE FAZEM ELES PROPAGANDA DO EUCALIPTAL COMO COMBATE ÀS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS? 

Além disto, os ciclos de fogo cada vez mais curtos matam as florestas e bosques autóctones que retinham carbono há décadas ou séculos, libertando-o, expandindo nesse processo o eucaliptal e outras invasoras (háckeas, acácias, entre outras) que também proliferam no fogo e no abandono. 

DESTRUINDO MITOS - "AS PLANTAÇÕES DAS CELULOSES NÃO ARDEM" 

Ardem. Os 200 mil hectares das celuloses ardem frequentemente. No entanto... Eles gerem as suas próprias áreas, limpam-nas, podam árvores, retiram matos. Além disso, têm um corpo privado de bombeiros profissionais, a AFOCELCA, que está sempre a postos para alturas de incêndios. Mesmo na estrutura pública de incêndios, as celuloses têm prioridade na utilização dos meios de combate dos bombeiros, i.e., eles acorrem primeiro às áreas das celuloses e só depois a outras. 

DESTRUINDO MITOS - "AS CELULOSES SÓ USAM MADEIRA CERTIFICADA E DE TERRENOS QUE CUMPREM REGRAS, A CULPA DOS INCÊNDIOS É DOS PROPRIETÁRIOS QUE NÃO LIMPAM" 

O esquema de certificação, FSC (Forest Stewardship Council) é controlado diretamente pelas celuloses. Além disso, além dos eucaliptos dos 200 mil hectares que as celuloses possuem ou arrendam, recebem eucaliptos dos restantes 700 mil hectares, sejam certificados ou não. Os viveiros das celuloses produzem milhões de árvores todos os anos que são oferecidas aos proprietários. O risco dos incêndios foi externalizado para os pequenos proprietários e para a sociedade em geral e materializa-se sempre. 

DESTRUINDO MITOS - "AS FLORESTAS REGENERAM-SE E PODEMOS PLANTAR ENORMES ÁREAS" 

Os incêndios são uma antecâmara da desertificação e do despovoamento. Portugal está cada vez mais mais quente e seco, e o eucaliptal em expansão, em vez de contrariar os efeitos da crise climática, aceleram-nos, favorecendo mais incêndios, mais destruição de solos e menos água. A floresta que precisamos para combater as alterações climáticas tem de ser autóctone, pouco combustível e precisa de gente no território para geri-la e torná-la mais resiliente. As celuloses gastam uma fortuna em publicidade, greenwashing e controlo das áreas de conhecimento relacionadas com natureza e floresta. Estão profundamente enraízadas na academia, em particular no Instituto Superior de Agronomia, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e na Universidade de Aveiro. Têm ainda vários "institutos", centros e iniciativas dissimuladas. Patrocinam inúmeros eventos e vários órgãos de comunicação social - National Geographic, Expresso, etc... Máquinas de engano...

Em: "Portugal em Chamas - Como Resgatar as Florestas", João Camargo e Paulo Pimenta de Castro, Bertrand Editora, 2018.