domingo, 27 de julho de 2025

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DIREITO À HABITAÇÃO

A propósito da falta de casas e da especulação imobiliária, promovidas pelo Estado: sucessivas presidências, governos, maiorias parlamentares, regiões autónomas e autarquias locais.

Todas estas instituições têm promovido a falta de casas, a especulação imobiliária, a degradação e abandono, levando-as à ruína, das existentes. E, quando confrontados com situações degradantes, para onde aquelas instituições atiraram as pessoas e famílias, recorrem à mentira e à força bruta e inconstitucional, para justificarem o injustificável, isto é, as suas acções desumanas e ilegais.

Ilegais? Sim! Porque não cumprem a Constituição da República Portuguesa 

Vejamos o que está escrito na Lei Fundamental (Constituição da República Portuguesa).

Capítulo II

Habitação e urbanismo - Artigo 65.º

1 - Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

2 - Para assegurar o direito à habitação, incube ao Estado:

a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transporte e de equipamento social;

b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais;

c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada; d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.

3 - O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.

4 - O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística.

5 - É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos físicos do território.

quinta-feira, 17 de julho de 2025

A COSTUREIRA IRENE PALMEIRO: TEATRO E MOVIMENTO OPERÁRIO NA SANTARÉM DA 1ª REPÚBLICA


Segundo os censos de 1930, havia no concelho de Santarém um total de 878 pessoas que trabalhavam nas indústrias do vestuário e calçado.

E a maioria eram mulheres (50,9%).

Na ausência de grande indústria, era um universo de ateliers ou pequenas ificinas de sapataria, alfaiataria e costura.

Dessas mulheres, mais de metade trabalhavam como auxiliares dos respectivos maridos ou pais - os "chefes de família", na expressão patriarcal que se usava à época.

Mas 29% delas tinham emprego próprio, trabalhando por conta de outrém. E havia ainda um número significativo que trabalhavam por conta própria: 14,5%.

sendo masculinos os ofícios de sapateiro e alfaiate, as mulheres de que estamos falando eram essencialmente costureiras.


Michelle Perrot

A relevância social das costureiras não era apenas um fenómeno local ou sequer nacional.

Numa perspectiva europeia, a historiadora francesa Michelle Perrot sublinha que "a costura foi um imenso viveiro de empregos, de ofícios, de qualificações para mulheres, e isto durante séculos" [no seu livro Mon histoire des femmes].

Na história do movimento operário português, foi de costureiras o segundo sindicato feminino em Portugal, logo a seguir às lavadeiras de Lisboa, na década de 1890.

Não será assim de espantar que uma costureira se tenha salientado nos primórdios da Sociedade Recreativa Operária scalabitana.


Carlos Gomes

Filha de um sapateiro, Irene Palmeiro nasceu na cidade de Santarém, no dia 28 de Dezembro de 1900.

Tinha apenas 15 anos de idade quando entrou para a história: foi a protagonista do primeiro grupo de teatro da Associação Fraternidade Operária (atual SRO).

Estreou-se em junho de 1916, no que é hoje o Teatro Sá da Bandeira.

Foi um espectáculo encenado pelo fotógrafo Carlos Gomes e musicado pela Banda dos Bombeiros de Santarém.

Os cenários parecem ter estado a cargo do pintor Francisco Vilela.

Segundo um crítico da época, a "novel amadora" Irene Palmeiro "tem serenidade e presença de espírito, e com algum trabalho e estudo não será difícil fazer dela uma amadora das que se podem ver sem enfado".

Ainda em 1916, Irene Palmeiro salientou-se na quermesse e festas de natal promovidas pela coletividade operária.


Virgílio Venceslau

Em dezembro de 1917, Irene Palmeiro atuou na estreia da «Tuna Operária» de Santarém. Este agrupamento musical era regido pelo então jovem maestro Virgílio Venceslau - que seria mais tarde regente de várias bandas filarmónicas ribatejanas, como as de Alpiarça, Azambuja, Azinhaga, Muge e Vale da Pinta (Cartaxo).

A estreia realizou-se no Palácio Landal, onde já estava sediada a SRO.

Segundo este jornal então noticiou, "depois de algumas palavras de saudação ao regente da Tuna [...] e aos executantes, proferidas pelo secretário da direção", a tuna "executou um escolhido programa que numerosa assistência aplaudiu com entusiasmo".

Por sua vez, os atores "amadores Irene Palmeira e Pires Ferreira desempenharam muito proficientemente alguns números «Folies Bergéres» obtendo ovação.

E "seguiu-se o baile, que decorreu animadíssimo, terminando às 6 horas da madrugada".


Padre Chiquito

Naquele tempo, era usual as comemorações do 1º de Maio incluírem um desfile com carros decorados, os quais representavam diferentes ofícios e setores profissionais.

Pois no 1º de Maio de 1919 de Santarém, o primeiro desses carros foi precisamente o das costureiras, seguidas pelos empregados no comércio, os carpinteiros, os sapateiros, os cordoeiros e os tipógrafos. Pelo meio foram escolas, associações mutualistas, duas bandas filarmónicas, tudo isto atrás de um carro com o retrato do Padre Chiquito, conduzido pelas meninas a cargo do Lar de S. António.

É muito provável que Irene Palmeiro tenha sido uma das costureiras neste desfile.

Ela figura, aliás, numa foto de grupo com dirigentes da SRO, junto do monumento ao Padre Chiquito, inaugurado precisamente no 1º de Maio de 1919.

Em 1921, Irene Palmeiro casou-se em Lisboa. E ali faleceu, em 1970.

Luís Carvalho - Investigador

Artigo originalmente publicado no CORREIO DO RIBATEJO a 13 de Junho de 2025

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Alargar horizontes em tempos obscuros: uma mensagem de Maria Lamas

I

Corria o outono de 1960.

O operário Cândido Capilé e o escultor José Dias Coelho ainda não tinham sido abatidos a tiro pela força policial do regime. Isso seria no outono seguinte.

Maria Lamas era uma senhora com 67 anos de idade.

Já tinha sido três vezes presa pela PIDE.

E sofrera outras formas de repressão. Como perder o emprego, de diretora de uma revista – a «Modas e Bordados».

Ou ver encerrado pela autoridade o movimento feminista do qual fora presidente, o «Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas».

Eram tempos obscuros.

A ditadura durava há três décadas. Já muita gente tinha envelhecido e morrido sem lhe ver o fim…

 

II

Em 1960, na cidade de Évora, quatro coletividades juntaram-se para promover um ciclo de conferências culturais.

Era uma forma de vivência coletiva e de cultivar pensamento crítico.

Em outubro desse ano, calhou a vez à escritora Maria Lamas de ir ali falar, na «Sociedade Operária de Instrução e Recreio Joaquim António de Aguiar». O tema da sua conferência foi «O homem e o seu tempo».

Segundo um relato então publicado, depreende-se que Maria Lamas terá analisado a evolução do ser humano ao longo da história e a atitude de cada geração com as circunstâncias e os desafios da sua época.

A partir daqui, terá concluído que o devir histórico tem momentos de avanços e de retrocessos. Era a isso que se referia ao afirmar que “sempre houve homens e mulheres incapazes de acompanhar o ritmo de progresso do seu tempo”, mas que “também sempre tem havido homens e mulheres que pelo seu talento e sabedoria ultrapassam em muito a época em que vivem”.[1]

Alguns dias depois, numa carta, Maria Lamas sublinhou a importância deste tipo de iniciativas “em prol da difusão de conhecimentos que alarguem horizontes intelectuais e morais”.[2]

 

III

Sublinhe-se que Maria Lamas expressou estas ideias num período de derrota e retrocesso para a oposição antifascista.

Em 1960, a PIDE ainda não tinha assassinado Humberto Delgado, mas ele já tinha sido forçado ao exílio.

A ditadura conseguira abafar o abalo que sofrera com o apoio popular à candidatura de Delgado, nas falsas eleições presidenciais encenadas em 1958.

Porém, para uma das pessoas que assistiu, esta conferência de Maria Lamas foi um momento de convívio que lhe deixou “a inflexível certeza de quem nem tudo estará perdido”.[3]

E não estava.

A ditadura ainda durou mais alguns anos.

Ainda prendeu milhares de pessoas, às mãos da PIDE.

E muito mais gente matou, na guerra colonial.

Forçou mais de meio milhão de portugueses a saírem do seu país, com o fito de escaparem à pobreza…

Mas a ditadura foi derrubada.

Luís Carvalho - Investigador

[1] Democracia do Sul, 14/10/1960, p.4

[2] ibidem, 16/10/1960, p.2

[3] ibidem, 14/10/1960, p.4