A dada altura, foi apontado como "um dos indivíduos que mais actividade desenvolveu" contra a ditadura, em Santarém.
No final da vida, foi reconhecido como "um dedicado republicano e um ardoroso defensor da justa causa democrática".
Três vezes preso político, José da Silva Rato esteve encarcerado na penitenciária de Lisboa e no presídio militar de Santarém, nas fortalezas de Elvas e Peniche. Foi deportado para África.
Depois... foi esquecido, até pela terra que o viu nascer.
O lugar do povo
A propaganda da ditadura diabolizava a oposição como se fosse, em suma, uma minoria de maus portugueses, agentes estrangeiros e terroristas.
Por sua vez, a propaganda da oposição também tendeu para se focar numa minoria: de mártires e heróis, de líderes políticos e intelectuais.
Duas visões antagónicas mas com uma característica comum: ambas diminuem o papel do povo na história.
Por essa via, ambas diminuem a real dimensão popular que teve a resistência.
Acabam também por obscurecer a natureza da ditadura em questão. Ao início, era apenas mais uma ditadura militar, que certamente seria breve. Mas tornou-se na mais longa ditadura de tipo fascista, protegendo uma minoria privilegiada nos conflitos de interesses entre classes sociais.
Por outro lado, a memória coletiva tende a privilegiar os resistentes que que ainda puderam dar o seu testemunho em liberdade, depois do 25 de Abril.
Mas, e os outros? Tanta gente que foi morrendo ao longo de quase meio século, sem chegar a ver o fim da ditadura?
Esses não viveram o 25 de Abril, mas deram o seu contributo para que esse dia acontecesse.
José Rato é um exemplo de todos esses apagados da história.
Teve o ofício de carteiro. Era natural da aldeia de Póvoa de Santarém. E não lhe conhecemos qualquer liderança partidária ou associativa.
Seria, como se diz, um «cidadão comum».
"Sabotagem"
A primeira tentativa para derrubar a ditadura ocorreu logo em 1927, com insurreições armadas nas cidades do Porto e Lisboa.
Essa revolta também passou por Santarém, com ações de sabotagem que visaram interromper as comunicações e o transporte de forças fiéis ao regime.
Cerca de 30 cidadãos scalabitanos foram na altura presos como suspeitos de terem participado nessas ações. Só 11 chegaram a ir a julgamento.
Foram "acusados como tendo preparado o descarrilamento do comboio em que seguia, para o Norte, o sr. ministro da guerra, para o que retiraram alguns «rails» da linha férrea, próximo do Vale de Santarém colocando, ainda, na mesma linha, algumas traves de madeira". E "eram ainda acusados de terem destruído alguns postes telegráficos e telefónicos".
Nada disto ficou provado. O único testemunho direto apresentado em tribunal foi a delação de um comerciante apoiante da ditadura. Queixou-se ele que os réus "estiveram em grupos, em frente do seu estabelecimento, dando morras à ditadura e levantando vivas à revolução".
Acabaram absolvidos.
Porém, um mês depois, 4 deles voltaram a ser presos, mais um dos advogados de defesa. E foram deportados para Angola.
Foi o caso de José Rato.
Propaganda "subversiva"
Ele seria de novo preso em 1936. Foi então acusado de estar envolvido na difusão de "propaganda subversiva", numa freguesia rural do concelho de Santarém - a Romeira.
Dessa vez, José Rato não passou pela formalidade de ir a julgamento. Mas cumpriu mais 6 meses de prisão, 4 dos quais no famigerado Forte de Peniche.
No mesmo caso, foram condenados 11 cidadãos da Romeira. Entre os quais 4 trabalhadores rurais e 3 sapateiros.
Ao sair da prisão, José Rato terá sofrido outro tipo de represália política: a perda do emprego nos Correios.
Refez depois a sua vida nas Caldas da Rainha, mas acabou sendo apanhado por uma doença que o levou aos 57 anos de idade.
Passou ainda pelo desgosto de ver morrer muito jovem um dos seus filhos.
Manteve-se ligado à sua família na Póvoa de Santarém.
Aliás, devemos aqui um agradecimento ao seu sobrinho Francisco Braz, que o identificou na foto que ilustra este artigo.
Luís Carvalho - Investigador
Artigo originalmente publicado no CORREIO DO RIBATEJO, 02 DE MAIO DE 2025