segunda-feira, 14 de março de 2022

Miguel Torga, 74 anos depois, sempre actual.

Os textos que Miguel Torga escreveu nos seus diários, em 1948, estão actuais como nos demonstram os factos com que estamos confrontados, a nível concelhio, nacional e internacional, isto é, situações semelhantes aos descritos pelo autor aconteceram e estão a acontecer no concelho de Rio Maior, no País e no Planeta. Como, por exemplo:

as pessoas que vivem em Casais Monizes, foram sujeitas a: "estrada ou saneamento básico"; e, quando as autarquias se apoderaram dos baldios e teimam em não largar mão deles, obrigando a assembleia de compartes a recorrer ao poder judicial e a sujeitar-se a processos que se arrastam em tribunal, esbanjando o dinheiro das pessoas que pagam impostos. Sim, as multinacionais não pagam, nem sequer o IMI e o IMT...

«Coimbra, 8 de Janeiro de 1948 - Há horas em que eu comparo um tirano a um agricultor que plantasse uma árvore seca e teimasse em esperar que ela desse rebentos.

Coimbra, 10 de Janeiro de 1948 - A tolice de qualquer tirano é não reparar em que só governa os mortos do seu tempo. Os homens que venceu, e por isso matou. Porque os vivos, as sucessivas camadas que vão nascendo e crescendo, essas são-lhe estranhas como se habitassem num outro mundo. Para elas, todas as leis feitas são letra morta. Elas é que hão-de fazer as suas leis.

Coimbra, 26 de Fevereiro de 1948 - Tanto jornal, tanta rádio, tanta agência de informações, e nunca a humanidade viveu tão às cegas. Cada hora que passa é um enigma camuflado por mil explicações. A verdade, agora, é uma espécie de sombra da mentira. E como qualquer de nós procura quase sempre apenas o concreto, cada coisa que toca deixa-lhe nas mãos o simples negativo da sua realidade.

Castro Laboreiro, 24 de Agosto de 1948  Estas pequenas comunidades que nos restam, Rio de Onor, Vilarinho da Furna, Laboreiro, etc., estão na última agonia. O Estado já não as pode tolerar, alheias à vida da nação, estrangeiras dentro do próprio território. Por isso manda-lhes ao coração o golpe de uma estrda e a isca da caminheta dum sardinheiro. E assim, um a um se vão apagando estes pequenos enclaves, não digo de paradisíaca felicidade, mas de humana e natural liberdade. Uma vida social assim, apenas acrescida de ciência e cultura, seria ideal. Antes de mais, o homem começou aqui por formar uma consciência cívica e fraterna, fundada em amor, e fez depois as reformas consoantes. Mas parece que se resolveu matar primeiro o homem e a sua harmonia espontânea, e construir então sobre cadáveres o futuro.»

Em: Miguel Torga, Diário (Volumes I a IV), Círculo de Leitores, 2001, pp. 361/2 e 364.