segunda-feira, 20 de outubro de 2025

TODOS OS OLHOS NA PALESTINA. NÃO DESVIEMOS O OLHAR AGORA.

 

19 Outubro 2025

 

Este é o manifesto lido este domingo, 19 de outubro, na Marcha pela Palestina, em Lisboa, numa mobilização conjunta de solidariedade e clamor pela dignidade e vida do povo palestiniano, que saiu à rua para exigir o fim do genocídio, do regime de apartheid e da ocupação da Palestina, o levantamento do bloqueio ilegal imposto a Gaza e a pronta entrada de ajuda humanitária sem restrições, bem como a responsabilização pelos crimes cometidos.

 

 

Todos os olhos na Palestina.

Chamam-lhe paz, mas para o povo palestiniano arrisca ser o apartheid no seu auge. É com estas palavras de Francesca Albanese, Relatora Especial das Nações Unidas, que queremos começar este apelo: o momento que vivemos não é de celebração, mas de vigilância.

O cessar-fogo traz alívio, mas não paz. O silêncio das bombas não põe fim a décadas de ocupação ilegal e de apartheid. A agressão genocida dos últimos dois anos é o ponto mais cruel de uma violência que se prolonga há décadas — marcada por sucessivas ofensivas e por quase vinte anos de cerco ilegal imposto a Gaza. O sistema de saúde foi destruído, os hospitais atacados e a contaminação do solo e da água ameaça a sobrevivência de toda uma população — uma agressão que não destrói apenas vidas, mas também as condições de as sustentar. Hoje, o povo palestiniano em Gaza continua enclausurado por esse cerco, privado de necessidades básicas como água potável, cuidados médicos e educação.

A destruição de Gaza e o sofrimento do povo palestiniano são o retrato de um sistema de opressão que permanece intacto em toda a Palestina, onde mulheres, homens e crianças são vítimas da mesma violência colonial que lhes nega os direitos mais fundamentais: o direito a viver, em segurança e com dignidade. A mesma ocupação que isola Gaza estende-se por toda a Palestina, onde a violência colonial não cessa — continuam as demolições, as incursões militares, a expansão dos colonatos, as prisões e as mortes quotidianas sob o regime de apartheid. Um “acordo” que não ponha fim à ocupação não é paz — é a normalização da injustiça.

É por isso que saímos mais uma vez às ruas: para afirmar, com esperança e determinação, que a solidariedade com a Palestina é hoje uma necessidade e um dever. O genocídio em curso é o culminar de décadas de ocupação e colonização sob um regime de apartheid que o Tribunal Internacional de Justiça declarou ilegal e que deve ser terminado de forma imediata e incondicional. Perante esta clareza, é urgente transformar a lei em ação e a indignação em compromisso. A justiça internacional só terá sentido se se traduzir em atos concretos que ponham fim à agressão e garantam que os responsáveis respondem pelos seus crimes.

O primeiro passo é pôr fim ao cerco. Exigimos o levantamento imediato do bloqueio ilegal imposto a Gaza e a entrada segura e sem restrições de ajuda humanitária — alimentos, água, medicamentos, combustível e todos os bens essenciais à sobrevivência. Nenhum cessar-fogo será verdadeiro enquanto um povo inteiro continuar a ser privado do mínimo para viver.

Mas aliviar o sofrimento não chega: é preciso pôr fim à impunidade. A ocupação e o genocídio persistem porque Israel continua a agir sem consequências. É tempo de aplicar sanções políticas, económicas e diplomáticas até que o direito internacional seja respeitado. A cumplicidade deve cessar: nenhum governo, empresa ou instituição pode manter laços com um regime de apartheid sem partilhar a sua culpa.

A solidariedade é ação e continuidade. Cabe aos governos cumprir as suas obrigações, às sociedades civis reforçar os movimentos de boicote, desinvestimento e sanções, e a todas as pessoas sustentar formas de resistência pacífica que afirmem o direito do povo palestiniano à autodeterminação, à justiça e à reparação.

Mas a nossa voz é também uma voz de esperança. A solidariedade internacional já mudou o curso da história — contra o apartheid na África do Sul, contra a guerra e a opressão noutros lugares — e voltará a fazê-lo. A força coletiva de milhões de pessoas em todo o mundo pode pôr fim à injustiça e abrir caminho à liberdade. O povo palestiniano não está só. Cada gesto de solidariedade é um passo em direção a uma paz verdadeira: uma paz com justiça, dignidade e igualdade.

Hoje, como sempre, olhar para a Palestina é defender a humanidade. A luta do povo palestiniano é uma luta pela liberdade de todos. Como lembrava Nelson Mandela, ninguém é livre até que todos sejamos livres.

Por isso, este manifesto é também um compromisso: continuaremos a marchar, a falar, a agir — até que cessem a ocupação, o apartheid e a impunidade; até que todas as vidas tenham o mesmo valor; até que a Palestina seja livre.

Todos os olhos na Palestina. Não desviemos o olhar agora.

 

Amnistia Internacional Portugal, Fundação José Saramago, Greenpeace Portugal, Médicos Sem Fronteiras Portugal e Plataforma Unitária de Solidariedade com a Palestina.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

A propósito do Dia Internacional para a Irradicação da Pobreza


A pobreza é inerente ou, parafraseando o ministro das finanças, uma das marcas de água do sistema capitalista, que a produz e dela se alimenta.

Por isso, a pobreza é usada para gerar negócio rentável e com elevada margem de lucro, para além disso, também dá estatuto social às personalidades do sistema, e que dele se alimentam, que se apresentam, ou são publicamente apresentadas, como paladinos do combate à pobreza, armados de uma retórica hipócrita, paternalista e suficientemente armadilhada ao ponto de convencerem, os incautos, de estarem genuinamente empenhadas e determinadas em acabar com a pobreza.

E, ano-após-ano, década-após-década, a pobreza persiste, agrava-se e o fosso entre os mais ricos e os mais pobres acentua-se cada vez mais. Tudo isto é triste, tudo isto existe, e vai continuar enquanto o permitirmos, enquanto não nos libertarmos da ideologia hegemónica que o sistema nos incute, através de todo o seu aparelho de Estado, meios de difusão públicos e privados, e transmitida de geração em geração…

E, como somos formatados para não nos questionarmos, muito menos, questionarmos o sistema e as suas verdades absolutas, inquestionáveis, intrínsecas e sistémicas, vamo-nos adaptando, acomodando e, em última análise, sustentando e suportando o próprio sistema, isto é, somos quem garante o funcionamento de toda esta engrenagem, que nos explora, oprime, humilha e mantém na pobreza…

A pobreza é muito mais do que «viver com menos de 632 euros por mês», por um lado, uma pessoa com um salário, pensão ou reforma daquele valor não vive, sobrevive, morre lentamente e não tem capacidade física e intelectual para se libertar do jugo que lhe foi imposto e nele é mantida, através dos mais diversos paternalismos e declarações pomposas de combate à pobreza, enquanto estruturalmente se aprofundam e agravam as causas geradoras de pobreza material e intelectual.

«Morre lentamente quem abandona um projecto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,
recordando sempre, que estar vivo exige um esforço muito maior
que o simples facto de respirar.

Somente a perseverança fará com que conquistemos
um estágio esplêndido de felicidade.
»

Em: “Morre Lentamente” Pablo Neruda