segunda-feira, 16 de setembro de 2024

AS PESSOAS QUE TRABALHAM NA NOBRE EMPOBRECEM E ADOECEM A TRABALHAR

  A justa luta das pessoas que trabalham na corporação multinacional, sigma/alfa, actual detentora da Nobre tem repercussões e capta apoios e a solidariedade de todos os sectores que lutam por uma organização económica, produtiva, social e cultural que rompa com o sistema capitalista. 

Por isso, partilhamos o artigo abaixo que, apesar de ser de maio de 2023, continua actual e nos apresenta uma análise e perspectiva diferente e fundamentada, contribuindo assim para aprofundar o debate, e a importância da luta que as trabalhadoras e trabalhadores da Nobre travam por trabalho com direitos, numa perspectiva de transformação estrutural das relações sócio-económicas, produtivas e culturais. 

Isto é, vai para além das reivindicações económicas, salariais que são, no sistema capitalista, sempre escassas, precárias e pontuais. Porque o capital, detentor do poder efectivo, tem ao seu dispor os mecanismos de - através da inflação, por exemplo - anular de imediato todo os ganhos obtidos pela classe trabalhadora, através da sua unidade, organização e luta. 

 

“Somos uma família pobre”: como o caso da Nobre é um sintoma da doença capitalista

Depois das manifestações e greves dos trabalhadores e trabalhadoras da Nobre Alimentação, fica mais uma vez claro que a máquina de gerar lucros que é o capitalismo não cumpre o seu propósito na sociedade.

Recentemente, com grande taxa de adesão, as trabalhadoras e trabalhadores da Nobre Alimentação – conhecida pelo fabrico de enchidos – organizaram greves e manifestações, utilizando essas ferramentas fundamentais para expressar o seu profundo descontentamento em relação à empresa. Lutam por salários mais altos, carga horária mais baixa e mais dias de férias, para além de um sistema de progressão nas carreiras que, até agora, parece ser completamente inexistente. Nas manifestações, a falar à comunicação social, uma das funcionárias afirma que a empresa criou um lema interno que usava para comunicar às pessoas que lá trabalham: “Somos uma família Nobre”. As manifestantes aproveitaram para virar este lema do avesso e trazê-lo para a realidade que conhecem: “Somos uma família pobre”.

A inércia na subida dos salários

Na reportagem da SIC Notícias acima mencionada é dito que a esmagadora maioria da força de trabalho da Nobre recebe o ordenado mínimo permitido por lei. Isto pode, à primeira vista, parecer uma exceção à regra, mas não é. É apenas o capitalismo a funcionar. Nele, as pessoas são um recurso como qualquer outro; um custo a ser minimizado de forma a maximizar o lucro. Isto é provavelmente intuitivo: quem tem o poder (ou capital) vai querer mantê-lo e fazê-lo crescer.. De 2020 para 2021, os lucros da Nobre aumentaram, enquanto que o custo com pessoal diminuiu. E assim, a fatia da receita que vai para os donos aumenta..

Vendo deste prisma, percebemos que os salários baixos não são mais do que a escolha “racional” do empregador: para maximizar os lucros dos acionistas, terá que minimizar os salários de quem produz a riqueza. No caso da Nobre, como em tantos outros sítios por Portugal, pela Europa e pelo mundo fora, isto é verdade. E não o deixará de ser enquanto não mudarmos radicalmente o nosso sistema económico.

As vendas ao capital multinacional

Outro aspeto incluído na reportagem é a notória degradação das condições de trabalho a partir do momento em que foi vendida  a gigantes multinacionais. Desde que saiu da posse da família original (a família Nobre), a empresa de alimentação já passou por mãos espanholas, chinesas, até chegar aos seus atuais donos, um grupo mexicano chamado Sigma (que, por sinal, pertence, por sua vez, a uma corporação chamada alfa).

O que é de relevar aqui é que, no mercado internacional dos “billions”, as pessoas são um mero produto. Da mesma forma que eles compram e vendem fábricas, maquinaria e terrenos, também compram pessoas. Passamos a ser apenas mais uma célula na sua ultra-eficiente folha de Excel. E quando somos uma célula numa folha de Excel, o objetivo torna-se um: aumentar o número na última linha da folha.

“Somos uma família Nobre”

Internamente, a gestão da Nobre tenta convencer os trabalhadores e trabalhadoras de que pertencem a uma família. Esta tática, que é utilizada internamente dentro de várias empresas, serve como uma tentativa, muitas vezes conseguida, de tornar os trabalhadores mais “dóceis”, fazendo com que, por exemplo, se torne taboo falar sobre salários com as colegas – dado que toda a gente deve trabalhar por amor à camisola ou, neste caso, à família – ou que surja um sentimento de culpa ou traição por queremos pertencer a sindicatos ou organizar greves.

É de louvar o génio do marketing que, pela primeira vez, se lembrou de usar a expressão “família” desta forma. Para muitas de nós a família é um aspeto nuclear da vida. São pessoas pelas quais temos emoções muito fortes, muitas vezes positivas, mas, acima de tudo, uma ligação intangível quase inegável. Sacrificamo-nos por família, mesmo quando discordamos. Sentimos uma forte vontade de a ajudar a superar qualquer desafio, mesmo depois de passar por maus momentos. Não é, por isso, coincidência, que as empresas não usem termos como “comunidade” ou “vizinhança”. A família toca-nos num lugar especialmente profundo, do qual se tentam aproveitar.

A política de intimidação como recurso de desespero

O trabalhador favorito de um acionista é o trabalhador solitário; aquele que não comunica com os seus colegas, aquele que não é confrontado com a sua própria falta de direitos. E é exatamente isto que uma união (quer na forma de sindicato ou não) dá às pessoas. A união dos trabalhadores oferece a oportunidade de, democraticamente, se organizarem, debaterem e pensarem em soluções para os problemas. Chegado ao ponto em que as trabalhadoras e trabalhadores conseguiram organizar-se, vemos imediatamente a reação natural por parte da gestão: o medo. Sem capacidade de produção, a empresa não consegue responder aos seus clientes, perde receita e pode mesmo gerar graves prejuízos financeiros. Tudo isto se reflete na valorização da empresa e nos ganhos dos seus donos.

E é, por isto mesmo, que este medo dos chefes e acionistas se transforma numa reação defensiva e agressiva, o que começa com  indiretas acerca de sindicatos, um dia talvez acabe com ameaças de despedimentos caso haja greves. E aqui entra o papel fundamental da união. Sozinha, nenhuma pessoa tem a capacidade de se opor a tais ameaças. Juntas, as pessoas conseguem equilibrar a balança do poder. Mas continua a não ser fácil. Às vezes há vitórias, outras vezes não. E essa é a vida em capitalismo: uma constante necessidade de lutar.

Posição do DiEM25: as cooperativas como solução empresarial

Existe uma alternativa. Uma alternativa justa, desenhada para organizar as empresas à volta de suprir necessidades e vontades humanas, de forma sustentável. Chama-se cooperativa.

Cooperativas são empresas sem fins lucrativos controladas democraticamente pelos trabalhadores, que, em igual parte, detêm o capital da empresa. Para além disso, as cooperativas devem seguir um conjunto de princípios. Um destes é que devem cooperar com outras cooperativas, criando uma rede nacional e internacional de empresas focadas nas pessoas, e onde o principal objetivo é suprir necessidades e desejos, não gerar lucros. Aliás, o conceito de lucro, de certa forma, desvanece! As receitas da empresa são distribuídas igualmente por todos os membros da cooperativa ou reinvestidos, caso os membros achem que esse é o melhor uso das receitas.

Façamos um exercício criativo: como seria a Nobre se, em vez de uma empresa capitalista, controlada pelos acionistas, fosse uma cooperativa, controlada democraticamente pelas trabalhadoras? O primeiro passo seria criar os estatutos que guiam como a cooperativa funciona no seu dia-a-dia – que trabalho se faz, que funções existem dentro da empresa, etc.. Estes estatutos seriam escritos, revistos e votados por todas as trabalhadoras. O segundo passo seria, provavelmente, eleger alguns órgãos de gestão, como uma administração e um conselho de ética, por exemplo. Note-se a maneira como estas pessoas chegam ao poder: por eleição, não por nomeação ou contratação externa; qualquer pessoa que pertença aos órgãos tem obrigatoriamente de ser membro da cooperativa. A partir daqui, toda a gestão e trabalho do dia-a-dia é gerido pelas mesmas pessoas que fazem o próprio trabalho. São elas que decidem os seus salários, são elas que decidem quando comprar maquinaria nova, que alimentos produzir, quando trocar a fábrica de local, quantos dias de férias acham adequados, onde e com que frequência realizar jantares de empresa, e tudo o mais que se possa imaginar para o dia-a-dia da Nobre. Não esquecer: como em toda a boa democracia, há rotatividade; a cada ano, ou qualquer período decidido, serão realizadas novas eleições para os órgãos da empresa, garantindo assim que não existe uma pessoa ou pequeno grupo que toma a cooperativa pelas rédeas para ganho próprio. E assim se poderia gerir a Nobre democraticamente.

Atualmente, em Portugal e pelo mundo, existem inúmeras cooperativas bem sucedidas. Muitas delas operam na área da alimentação ou da produção agrícola. No entanto, há já exemplos mais recentes de cooperativas a funcionar em áreas tipicamente “reservadas” ao capitalismo mais puro, como é o exemplo da cooperativa The Drivers Cooperative, em Nova Iorque. Uma cooperativa nativamente digital, que compete com gigantes como a Uber ou a Bolt. É apenas um exemplo de como as cooperativas podem ser uma das ferramentas nucleares numa sociedade pós-capitalista, mais justa e que proporcione uma melhor vida a todas as pessoas.

O DiEM25 apoia a luta das trabalhadoras e trabalhadores da Nobre, assim como de todas as outras pessoas que lutam pelo seus direitos, pelo seu bem-estar e pela sua liberdade. Temos como um dos nossos objetivos fazer uma transição justa para uma sociedade e economia pós-capitalistas, onde todas as pessoas têm os seus direitos concretizados, incluindo nos seus trabalhos.

Filipe Medeiros

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Sim à Vida. Não à Expansão dos Areeiros em: Azinheira, Chainça e Quintas - Rio Maior


Lonas informativas na Azinheira

Fotografia original em: https://www.stopareeiros.pt
Associação de Defesa do Território de Azinheira Chainça e Quintas,

 

Como está demonstrado, ao longo de décadas de destruição dos ecossistemas, da biodiversidade e da relação das pessoas com a natureza, da qual fazem partem, o Estado, os governos e as empresas declararam guerra às pessoas e às condições que lhes permitem viver condignamente na Terra Mãe.

A expansão dos areeiros é demonstrativo da senda destruidora que é inerente ao sistema capitalista, à sua ideologia política, económico-financeira, produtiva, social e cultural, onde prevalece a ganância insaciável que esmaga e destrói a vida em todas as suas dimensões.

O atentado à vida das pessoas destas três localidades (Azinheira, Chainça e Quintas), é em tudo semelhante ao que se passa nas terras do Barroso, com a concessão, por parte do Estado/governos, para a abertura de minas de lítio, a céu aberto, próximo das povoações, com impactos igualmente destruidores da vida das pessoas e da natureza...

Por isso, é necessário e urgente juntar forças e vontades para trabalhar e organizar a resistência a estes sistemáticos e deliberados atentados à vida das pessoas e à destruição dos ecossistemas e respectiva biodiversidade natural, da qual a espécie humana é parte integrante e sem os quais a vida, tal como a conhecemos, não é possível.

Expressamos, publicamente, o nosso apoio e solidariedade com todas as pessoas da Azinheira, Chainça e Quintas, na sua luta em defesa da vida, em todas as suas dimensões. Conscientes que a vossa luta é a luta de todos nós, pela construção de uma comunidade onde a justiça social e climática seja efectiva e a justiça seja lei.

 

Passamos a transcrever a nota de imprensa da Associação de Defesa do Território de Azinheira Chainça e Quintas:

   

“Recentemente a população de Azinheira, aldeia do concelho de Rio Maior, tomou conhecimento da expansão da exploração mineira de caulino e de quartzo (areias siliciosas) até muito próximo das suas habitações.

Esta expansão foi concessionada pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) a duas empresas – Sifucel e Sibelco. A concessão destas áreas, denominadas «Quinta da Rosa» (Sibelco) e «Via Vai» (Sifucel), foram publicadas em Diário da República, em 2 de fevereiro de 2024 e 16 de dezembro de 2021, respetivamente.

Os limites destas explorações mineiras a céu aberto, que envolvem escavações com 50 a 70 metros de profundidade (até à cota 46) e a criação de grandes lagoas, chegam a 80 metros da povoação de Azinheira, a escassos 20 metros de algumas habitações do bairro da Chainça e a 600 metros da povoação de Quintas, ficando muito próximo de alguns casais isolados.

Junto ao Bairro da Chainça encontra-se uma outra exploração de areia que confina com os muros de algumas moradias, dista cerca de 30 metros de uma creche e estende-se até cerca de 150 metros das primeiras habitações de Azinheira.

Para além desta expansão a sul da povoação de Azinheira, a população ficou ainda mais desassossegada e alarmada após ter tido conhecimento de um pedido de concessão a nascente e a norte da aldeia (denominada «Joquinho»), para extração de areia semelhante e com limites de exploração a cerca de 50 metros das habitações da aldeia de Azinheira. Este processo encontra-se na fase final, com vista à concessão de contrato de exploração, pela DGEG. Paralelamente, existe um pedido de prospeção e pesquisa de depósitos minerais a norte e poente da aldeia.

Perante as concessões atribuídas (sul), em processo de atribuição (nascente e norte) e pedido de prospeção e pesquisa (norte e poente) a aldeia de Azinheira fica completamente rodeada de areeiros e de enormes lagoas.

Esta exploração mineira “desenfreada” tem múltiplos e cumulativos impactes negativos, inaceitáveis para as populações, que não foram consultadas, para além da alteração do uso do solo, nomeadamente a desvalorização do património rústico e urbano, a deterioração das edificações (como já acontece no bairro da Chainça), a degradação da paisagem, a redução dos recursos hídricos (seca de nascentes, poços e furos devido à drenagem das águas para o nível freático das lagoas), a poluição dos aquíferos, a redução da estabilidade dos solos próximo das habitações (não existem camadas rochosas que os sustentem), o ruído, a restrição ou corte de acessos às terras agrícolas e florestais, a destruição de ecossistemas importantes, como é o caso do montado de sobro que dá suporte a uma avifauna diversificada, como de outras espécies protegidas, etc..

Concluindo, devido à enorme expansão da área das explorações de areias, já concessionadas e em processo de concessão, são esperados efeitos de grande magnitude, maioritariamente irreversíveis, ao nível da qualidade ambiental, paisagística e funcional, particularmente no uso e ocupação do solo, qualidade visual, contaminação do aquífero, ruído, degradação da qualidade do ar e da qualidade de vida das populações que residem nas proximidades. As populações estão indignadas e reuniram-se no dia 17 de fevereiro para uma tomada de posição. Foi assim criada uma Associação de Defesa do Território de Azinheira, Chainça e Quintas com o objetivo de lutar pela preservação da sua qualidade de vida e do seu território”.