terça-feira, 13 de dezembro de 2022

"Livre não sou,..." - MIGUEL TORGA

Nestes tempos de destruição em massa e repressão sobre as pessoas que resistem e lutam em defesa da vida. Partilhamos dois poemas de Miguel Torga que também foi perseguido e preso, na sequência da publicação de O Quarto Dia da Criação do Mundo, em 1939.

 

Conquista

 

Livre não sou, que nem a própria vida

Mo consente.

Mas a minha aguerrida

Teimosia 

É quebrar dia a dia

Um grilhão da corrente.

 

Livre não sou, mas quero a liberdade.

Trago-a dentro de mim como um destino.

E vão lá desdizer o sonho do menino

Que se afogou e flutua

Entre nenúfares de serenidade

Depois de ter a lua!



S.O.S

 

Vai ao fundo o navio,

Mas eu sou o homem da telegrafia.

O que lança nas asas do vazio

O adeus da agonia...


Sei que ninguém acode à íntima certeza

De que tudo acabou quando naufraga

O veleiro do sonho.

Mas honrado poeta sinaleiro

Do destino de quantos aqui vão,

Ponho

A correr mundo o grito derradeiro

Da nossa desgraçada perdição.

 

Em: Miguel Torga, Antologia Poética, Círculo de Leitores, 2001, pp. 126/7